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Creches em debate

Deliberação do CEE de São Paulo é contestada por abrir brechas para a atuação de profissionais sem curso de pedagogia nos primeiros anos da educação infantil

Publicado em 10/09/2012

por Redacao

Gustavo Morita
A deliberação vai afetar os cursos a partir de 2013

A partir do primeiro semestre de 2013, a formação de professores para creches e educação especial oferecida por instituições de ensino superior estaduais de São Paulo será submetida a regulamentações próprias, ainda a serem definidas. Aprovada em fevereiro desse ano, a Deliberação 111/2012 do Conselho Estadual de Educação (CEE) fixa Diretrizes Curriculares Complementares para a formação de docentes para a Educação Básica. A norma prevê ainda a criação de regulamentação própria para cursos de formação de profissionais não docentes que atuem em creches.

Em vigor desde 15 de março e homologada pelo secretário de Estado da Educação, Herman ­Voorwald, a deliberação, que vai afetar as instituições de ensino superior vinculadas ao sistema estadual paulista – Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) – causou desconforto. Coordenadores do curso de pedagogia e de licenciatura das três universidades públicas redigiram um manifesto apontando “inconsistências” na deliberação.

Os acadêmicos consideram que a deliberação abre brechas para a atuação de profissionais sem curso de pedagogia nos primeiros anos da educação infantil e no ensino especial. Além disso, ao mencionar que trata da formação de docentes para a Educação Básica nos cursos de pedagogia, normal superior e licenciatura, a deliberação abriria espaço para o retorno do ensino normal superior, formação tida como tecnicista e obsoleta, defendem os acadêmicos.

Consenso
Uma das principais relatoras da deliberação, a professora Guiomar Namo de Mello, tomou posse no dia 6 de agosto como presidente do Conselho. Ela diz não saber por que a deliberação causou tanta repercussão, já que, segundo ela, os pontos definidos são apenas os “de consenso”. “A educação infantil requer que outras questões sejam discutidas, principalmente em relação aos profissionais que atuam­ em creches – muitos não têm sequer curso superior”, diz. “Em relação à educação especial, como se sabe, é preciso mais atenção ainda.” Ela frisa que as regulamentações específicas serão elaboradas “o mais rápido possível”, embora não haja datas estabelecidas.

Retrocesso
Até o fechamento desta edição, o documento protocolado por professores das universidades estaduais não havia sido analisado pelo CEE. Também não há uma previsão sobre quando o documento será analisado pela nova presidente e pelos conselheiros.

Para Ana Lúcia Guedes Pinto, coordenadora-associada do curso de pedagogia da Faculdade de Educação da Unicamp, as inconsistências da deliberação ressaltam a necessidade de uma maior aproximação entre o CEE de São Paulo e as universidades. “Nosso trabalho é precisamente promover estudos e pesquisas – não há por que desperdiçar tanto conhecimento disponível”, afirma. Segundo ela, as instituições públicas foram envolvidas nas discussões da deliberação enquanto era formulada, mas não tiveram acesso ao documento final antes de sua aprovação.

Além da controvérsia no Artigo 1º, com a inclusão do curso Normal Superior como formação do professor, o parágrafo único do Artigo 2º, que prevê regulamentação própria para os cursos de formação de professores para creches e para a educação especial, foi entendido como uma separação da educação infantil, incorporada como primeira etapa da educação básica desde a Lei de Diretrizes e Bases (LDB).

Para as acadêmicas que redigiram a moção da USP, Tizuko Kishimoto, Monica Pinazza, Maria Letícia Nascimento, Patrícia Prado e Márcia Gobbi, “percebe-se claramente a tendência a não tratar a educação das crianças de 0 a 3 anos como a primeira etapa da educação infantil”. Para Tizuko, há retrocesso. “Isso traz de volta uma concepção do início do século 20, de que creche é um lugar de ‘guardar’ crianças”, diz. “É uma forma infeliz de economizar – a educação infantil é um alicerce da formação superior”, defende.

O suposto “nivelamento por baixo” da formação do professor nos primeiros anos da infância pode estar relacionado à insuficiência de creches no Estado de São Paulo, avalia Tizuko. Só na capital, o déficit é estimado em 100 mil vagas, segundo a Secretaria Municipal de Educação. “Naturalmente, esse déficit não justifica que se baixe o nível do atendimento”, afirma a acadêmica.

Caso seja mantida, a Deliberação 111/2012 será aplicada no primeiro semestre do ano letivo de 2013. “As consequências nas escolas vão aparecer anos depois, pelo que consideramos uma piora na qualidade da formação dos professores”, afirma a professora Ana Lúcia, da Unicamp. “A nossa esperança é que ela seja revogada o quanto antes.”

Normal é pouco

O curso normal superior é uma graduação de licenciatura criada no Brasil em 1996, por meio da Lei de Diretrizes e Bases 9.394 para formar os profissionais de Educação Básica com nível superior. O primeiro Curso Normal Superior público do país foi criado no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (Iserj), em 1998, mas esse tipo de formação segue em extinção nas instituições públicas.

Apesar da semelhança com pedagogia, no que diz respeito especificamente à formação para o ensino, o curso não habilita o graduado a outras funções da rotina escolar, como gestão, orientação vocacional e supervisão escolar. Esse profissional também estaria restrito à educação infantil e aos primeiros anos do ensino fundamental.

“Separar ensino de gestão escolar é uma visão tecnicista da profissão”, afirma Ana Lúcia Guedes Pinto, da Unicamp. Para ela, essa é também uma postura “privatista”, porque favorece uma formação mais rápida e barata desses profissionais, o que responderia a expectativas mercadológicas de faculdades particulares. “O curso normal superior é um remendo dos anos 90”, afirma a professora Tisuko Kishimoto, da USP. “Formar professor em três anos? Retomar essa discussão é andar para trás – em alguns países da Europa, o professor da educação infantil precisa ter pós-graduação ou falar duas línguas.”

Historicamente, o normal superior foi criado para substituir o curso técnico de magistério, formação profissional que ocorria durante o ensino médio, então chamado “segundo grau”. Embora a própria LDB já recomendasse em 1996 a formação de professores em nível superior, o curso de magistério, de nível médio, ainda é aceito na educação infantil e no primeiro segmento do ensino fundamental. 

Mas isso deve mudar no correr dos anos. O Plano Nacional de Educação (PNE) estipula que todos os professores da Educação Básica tenham formação específica de nível superior em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam até 2020.

Quase metade das creches é inadequada

Divulgada em 2010, uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas (FCC), realizada em parceria com o MEC e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), revelou que 49,5% das creches no país têm qualidade inadequada, com nota entre 1 e 3 em uma escala de 0 a 10. Na pré-escola, 30,4% dos serviços são de má qualidade.

A pesquisa foi realizada em 147 escolas, municipais, conveniadas e particulares, em Belém, Campo Grande, Florianópolis, Fortaleza, Rio de Janeiro e Teresina ao longo do segundo semestre de 2009.

Segundo a pesquisa, 37,4% das creches têm qualidade básica (notas de 3 a 5), 12,1% foram avaliadas como adequadas (de 5 a 7) e apenas 1,1% foram consideradas boas (de 7 a 8,5). No caso da pré-escola, 42% das escolas mostraram nível básico de qualidade (de 3 a 5), 23,9% apresentaram nível adequado (de 5 a 7), e 3,6% foram classificadas como boas, com notas de 7 a 8,5.

A média das creches avaliadas foi 3,3. Entre os itens considerados, estão espaço e mobiliário, rotinas de cuidado especial, ‘falar e compreender’, atividades, interação, estrutura do programa e ‘pais e equipe’.

O pior quesito de qualidade foi o de atividades realizadas com as crianças, com nota 2,2, diretamente relacionado ao trabalho de professores e cuidadores.

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