Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
Publicado em 27/10/2011
As diferenças entre os sistemas educacionais do Brasil e da Finlândia
A Finlândia está na moda. Quando um político fala de “qualidade na educação”, inevitavelmente cita a Finlândia como exemplo, porque o país ocupa a primeira posição no Pisa. Aquilo que os políticos não dizem é que a Finlândia esteve à beira do colapso económico e se salvou porque instituiu uma escola realmente “pública”. Nesse país, a educação foi tornada prioridade e não mero enfeite de discurso político. E as escolas são autónomas, não dependem de secretarias. Por aqui, as escolas sobrevivem dependentes de uma gestão hierárquica e burocratizada. Um estudo recente diz-nos que 90% dos diretores de escola gastam mais tempo a gerir a merenda escolar do que a tratar de assuntos de natureza pedagógica.
Na Finlândia, existe apenas um exame no final dos estudos. Aqui, aumenta o número de exames, como se a preocupação com o termômetro fizesse baixar a temperatura. Faça-se o cálculo dos gastos na elaboração, na distribuição e correção de provas, aos milhões gastos em policiamento. Os alunos finlandeses têm liberdade de escolher aquilo que querem aprender. Ouçámo-los: “Quando estudamos aquilo de que gostamos, os resultados são melhores. Os alunos, aqui, são sujeitos, não são objetos. Cada qual estabelece o seu plano individual de estudos”. Por aqui, há quem proponha aumentar a carga horária e o número de dias letivos.
Na Finlândia, os professores têm como habilitação mínima o mestrado e foi criada a figura do tutor. Por cá, a formação de professores é precária, o estatuto social da profissão está depreciado, o professor mantém-se solitariamente exposto a humilhações, à espera do dia da aposentadoria. Temos muitas “finlândias” cá dentro. Algumas escolas vêm tentando introduzir mudanças que, se concretizadas, colocariam o Brasil muito acima do 52º lugar que ocupa no Pisa de 57 países. O Brasil tem os melhores teóricos da educação, dispõe de excelentes professores e, ao contrário do que se diz, não faltam recursos. Porém, o apoio a esses projetos é escasso. Quase sempre, acabam destruídos por intervenção de um burocrata qualquer da educação.
O contraste nem deverá ser estabelecido num claro-escuro. O Brasil está mergulhado na obscuridade da crença num modelo epistemológico falido e sucessivas gerações de vidas são desperdiçadas. O sistema educativo brasileiro é uma usina produtora de desperdício. Como diria o poeta, o sistema “engole gente e vomita bagaço”.
O conservadorismo político mantém o sistema num rumo suicida. Os analfabetos funcionais são mais de 14 milhões. Os índices de evasão e exclusão continuam assustadores. Em cada ano letivo, o sistema desperdiça R$ 56 bilhões em corrupções e burocracias. E os responsáveis pela gestão do sistema parecem ficar contentes com um mísero 5, ou 6, na escala do Ideb.
Esses responsáveis têm rosto. São diretores de escola, cuja ação contradiz os projetos político-pedagógicos das suas escolas. São donos de colégios, que os dirigem ao sabor de caprichos e de cosmética pedagógica. São secretários de Educação a pensar, exclusivamente, em “qualidades totais” e “resultados” para quatro anos. São políticos ignorantes do que seja pedagogia, que vão parindo decisões de política educativa tão inúteis quanto nefastas. São “professores” coniventes com essas atitudes. Continuo esperançoso. Quero acreditar que o bom-senso e a competência venham a prevalecer. E quero crer que essa gente aja por ingenuidade. Não quero acreditar que tenham consciência dos crimes que praticam.
*José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)