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Eventos comemorativos dos 90 anos de Paulo Freire em São Paulo apontam falta de diálogo entre gestores e educadores como entrave para o debate sobre educação no estado

Publicado em 27/09/2011

por Redacao

Lilian Curiel Passeri
Evento na Feusp reuniu quase 3 mil participantes

A obra do educador brasileiro Paulo Freire se estrutura a partir de uma ideia central: o processo educativo envolve, necessariamente, o conhecimento do mundo. A leitura do que cerca o aluno, dizia, precede até mesmo a leitura das palavras. De premissa semelhante partiram os eventos que comemoraram os 90 anos de seu nascimento, realizados em setembro na Faculdade de Educação da USP (Feusp). De carona na VI Semana de Educação, o I Seminário Universidade e Escola Pública foi instituído com o objetivo de promover a interlocução entre a universidade e as redes públicas. Na prática, os debates levariam os participantes a construir um retrato da educação pública no Estado de São Paulo.

Para isso, a organização apostou na composição de mesas temáticas que reuniram, no mesmo espaço, representantes sindicais, das secretarias municipais ou estadual de Educação, professores das redes e docentes de universidades, como USP e Unicamp. Quando os quatro segmentos estavam efetivamente presentes, instaurou-se um processo de “lavagem de roupa suja” nos auditórios, aparentemente motivado pela falta de diálogo entre os gestores e educadores no dia a dia. Um exemplo: na mesa “Profissão docente e condições de trabalho”, Núria Hanglei, do Departamento de Metodologia de Ensino de Geografia da Feusp, aproveitou o espaço para cobrar da representante da comissão de estágio supervisionado da secretaria estadual de Educação, Sandra Lazzarin, uma resposta a duas propostas de estágio encaminhadas pela USP. Uma delas foi protocolada pela pró-reitoria da universidade e prevê estágio remunerado para 100 licenciandos de ciências e matemática.

No debate “As implicações das avaliações externas na educação pública”, professores ligados à rede municipal de Educação de São Paulo encontraram um canal de interlocução com Erica Toledo Catalani, do Núcleo de Avaliação Educacional da secretaria. Ali, tentaram esclarecer uma dúvida antiga: o que significam os conceitos “não satisfatório (NS)”, “satisfatório (S)” e “plenamente satisfatório (P)” no processo de atribuição de notas do próprio professor? Em 1992, sob a gestão de Luiza Erundina, a secretaria instituiu um regimento único para as unidades escolares, no qual constavam os conceitos mencionados, que deveriam ser usados por elas. Cinco anos depois, ficou definido que a escola escreveria seu próprio regimento, com base no primeiro. “A confusão ficou bem clara: há uma falta de compreensão dos professores sobre esses conceitos”, aponta Erica.

Ela explica que as siglas representam julgamentos da medida, e não a medida em si. E que devem ser discutidos por cada escola, com base nos documentos do Programa de orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem e com o apoio da Diretoria de Orientação Técnica. Segundo Erica, os conceitos não foram concebidos para serem usados na atribuição de nota. “Eles devem ser incorporados em avaliações coletivas na escola, como síntese de avaliação do aluno. Muitos docentes tentam fazer paralelo entre os conceitos 0, 2, 3 e esses. Não há relação direta com a contagem”, explica.

Um dos temas consensuais abordados foram as implicações da parceria público-privada na educação infantil. Com a ausência da representante da secretaria municipal de Educação de São Paulo, a discussão girou em torno do déficit de vagas e de prédios que abriguem creches públicas. Segundo Valter de Almeida Costa, do Fórum para o Desenvolvimento da Zona Leste, há 43.180 crianças de 0 a 3 anos na fila de espera só na zona leste – 54% delas estão na região de Guaianases. “O Plano Municipal de Educação deveria prever a construção de creches, mas a prefeitura não quer se comprometer. Algumas são até construídas, mas são entregues para entidades privadas”, apontou. Outro dado significativo lembrado por Costa: segundo o Tribunal de Contas do Município, em 2008, 62% das matrículas de crianças de 0 a 3 anos já pertenciam à rede conveniada. Nesse sentido, chamou a atenção o relato da capixaba Caroline Falco Fernandes, doutoranda na Feusp e integrante da plateia, sobre o número de creches conveniadas existentes na rede municipal de Vitória (ES): uma.

Entre tantas falas, destacou-se a do professor da Feusp Romualdo Portela na mesa “Políticas educacionais nas redes públicas do Estado de São Paulo: direito à educação”. Partindo do princípio de que as avaliações externas tornaram evidentes as dificuldades das escolas com a aprendizagem, ele apontou que a definição do conceito de qualidade por parte da sociedade é um grande tema da política educacional. “Se o considerarmos só como proficiência, a educação terá como objetivo apenas a melhoria do desempenho em língua portuguesa e matemática”, exemplificou. Em 1989, quando assumiu a secretaria municipal de Educação de São Paulo, Paulo Freire defendia que o conceito de qualidade envolvia tanto os conhecimentos curriculares como a formação escolar para a cidadania. Mais de vinte anos depois, na ausência de uma definição clara para o termo no país, suas ideias reverberam.

Os problemas da municipalização

Iniciado em 1998 com a instituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), o processo de municipalização do ensino fundamental começa a ser questionado no país. No início de setembro, 54 municípios paulistas se reuniram na 1ª Conferência Intermunicipal de Gestores Educacionais de Municípios de Pequeno Porte, com o objetivo de estreitar as relações entre gestores e elaborar um Plano Intermunicipal de Gestão Educacional de Municípios de Pequeno Porte. “Estamos vulneráveis à implementação de políticas públicas educacionais incipientes, ineficazes e desconexas. Resolvemos construir articulação entre os municípios”, explica Vitor Hugo Pissaia, secretário de Educação do município de Cândido Rodrigues, no nordeste do estado.

Pissaia concluiu recentemente sua dissertação de mestrado na Unicamp, na qual analisa o processo da municipalização de três dos municípios de pequeno porte da Diretoria Regional de Ensino de Taquaritinga (Cândido Rodrigues, Dobrada e Vista Alegre do Alto). De acordo com ele, as cidades resistiram em graus diferentes ao processo de municipalização. Enquanto Cândido Rodrigues municipalizou todo o ensino fundamental já em 1998, Vista Alegre do Alto municipalizou somente os anos iniciais. Dobrada, em contrapartida, incorporou o 1º ano do ensino fundamental apenas em 2009 – toda a rede pública da cidade é ofertada pelo estado. Além disso, nenhum dos três municípios construiu sistemas próprios de ensino.

O secretário também identificou problemas de gestão nessas localidades: inexistência ou baixa qualidade de programas de formação continuada para docentes, funcionários, gestores etc.; falta de análise para a construção de ações em curto, médio e longo prazo; e o processo denominado por ele de “prefeitorização”. Devido às limitações estruturais de gestão, como a ausência de equipe pedagógica e técnica, cria-se uma situação de confinamento em que o prefeito e setores estratégicos da prefeitura (finanças, projetos, engenharia, contabilidade, recursos humanos) assumem a gestão educacional.

Essas limitações, em última instância, parecem estar na origem da crescente contratação de sistemas apostilados por parte desses municípios. As três cidades adotaram apostilas, mesmo apresentando posturas diferentes frente à municipalização. Pissaia aponta ressalvas em relação à adoção desses materiais. “Elas até ajudam num primeiro momento, dão um norte. Mas uma hora satura. O que me preocupa como pai e gestor é: de que maneira os sistemas adotados consideram as peculiaridades locais e o porte desses municípios?”, questiona. A contratação de sistemas apostilados, segundo a declaração dos próprios municípios, começou em 1998, ano em que se registrou apenas um contrato. Em 2010, vigoravam 276 contratos. Neste ano, 46 municípios também aderiram a parcerias com sistemas privados. “No período analisado, temos variações, pois há municípios que deixam de adotar os sistemas e depois retornam”, explica a pesquisadora Theresa Adrião, da Faculdade de Educação da Unicamp, uma das participantes da mesa “Relação público-privada na Educação”.

Proposta de estágio

Uma das principais tarefas de Ana Regina Alberti como coordenadora pedagógica da EE Prof. Andronico de Mello, em São Paulo, é recepcionar os estagiários provenientes dos cursos de licenciatura. Segundo Ana, boa parte dos universitários chega à escola com o seguinte discurso: “vim para observar”. “Para a escola, o estágio acaba não representando nada, porque não há troca entre as partes”, reforça. Ana conta que os poucos universitários que apresentam projetos diferenciados reclamam do curto tempo de intervenção e da falta de acompanhamento dos resultados. “Essas experiências podem ser positivas, mas são afastadas da realidade. Elas acontecem no contraturno e não colocam o futuro docente em contato com as características e os problemas da sala de aula”, ressalta.

Na mesa “Universidade e formação inicial de professores – o papel do estágio”, Teresa Malatian, da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da secretaria estadual de Educação de São Paulo, afirmou que o órgão estuda implantar um modelo de residência pedagógica no estado. Na prática, os estagiários seriam deslocados às unidades de ensino com menor desempenho no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). A professora da Feusp Maria Lucia Vidal dos Santos Abib, que coordena pesquisas sobre estágio, recebeu a proposta com preocupação. “Como vamos colocar pessoas com pouca experiência nessas unidades que apresentam proporções exponenciais dos problemas?”, questionou.

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