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Entrevistas

O Plano do heroísmo

Para consultor da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), o PDE busca universalizar exceções, quando poderia se mirar no exemplo da rede de escolas técnicas federais

Publicado em 10/09/2011

por Paulo Ghiraldelli Jr.

O Plano de Desenvolvimento da Educação carece de uma amarração teórica. Ou, se ela existe, de que seja apresentada de forma adequada, de modo a explicitar sua essência. A crítica é feita por Paulo Ghiraldelli Jr., professor de filosofia da educação e consultor da Organização dos Estados Ibero-americanos, entidade para a qual fez uma minuciosa análise do PDE. Para o estudioso, o plano depende muito da ação do ministro e peca por não dispor de uma análise mais aprofundada dos municípios com os quais o MEC está firmando convênios. E aposta, por influência do Movimento Todos pela Educação, na via do heroísmo.


Como se sabe dos objetivos do PDE?

Não há um documento de apresentação dos decretos ou um texto teórico dizendo "isso aqui é o PDE". Então o que é o PDE? É o discurso do presidente Lula no dia do lançamento, os quatro decretos assinados nessa ocasião, a peregrinação do ministro e a propaganda. Se você for um estudioso e quiser saber, daqui a dez anos, o que é o Plano, terá de recorrer à minha crítica. Ao fazê-la, fui obrigado a organizar e a apresentar o Plano. Meu trabalho foi facilitado pelo contato com o ministro. Se ele não tivesse conversado comigo e me passado o que está pensando, se eu tivesse caído nos decretos de pára-quedas, teria uma visão muito negativa do Plano.
 

O Plano depende muito do ministro?

Não sei como foi elaborado. Se é um plano do ministro ou se teve a colaboração de outras entidades. Por exemplo, no segundo volume, há uma apresentação. Justo o volume que dispensa apresentação, pois é um aparato técnico-instrumental de pesquisa para averiguar os municípios, interno ao MEC. Nessa pequena apresentação, de uma página, você fica sabendo que há uma articulação entre três ou quatro entidades – a Undime, o Todos pela Educação e algumas entidades sindicais. Agora, quando se vai ao site dessas entidades que o ministro cita como participantes, não se vê referência ao PDE. As que colocam no seu site que são parceiras disso e daquilo não dizem que são parceiras do MEC nem do PDE.


Como os quatro decretos centrais definem o Plano?

No primeiro, há a questão do Brasil Alfabetizado; o segundo é o decreto central, que atinge os municípios com baixo Ideb; o terceiro é sobre o nascimento da rede dos Cefets – dos Institutos Técnicos Federais, quer dizer vai trazer para o seu interior os já existentes e criar uma nova rede; e o quarto decreto é em relação ao Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), o plano do ensino superior. Esses são os quatro decretos, cujo eixo é o segundo decreto, que vai atingir os municípios. Em cima desse decreto é que há a concentração de esforços do ministro. O resto é meio burocrático. Aí você abre o decreto [o de número dois]. Numa das partes, ele tem 28 itens a serem cumpridos.


São os 28 pontos do Compromisso Todos pela Educação…

Exatamente. São extremamente vagos, não cumprem o papel de decreto. Decreto é lei. Você precisa ler e saber o que fazer. Não se pode fazer decreto dizendo "incentivar a educação física". Se você montar um time de futebol numa cidade do interior está incentivando a educação física. Os verbos usados para compor o decreto não induzem à ação. Ainda que o instrumental de avaliação seja altamente sofisticado, fica difícil avaliar porque o objetivo posto é semanticamente ruim. Outra coisa é que são 28 objetivos. Como é muita coisa, acabam pulverizados. Pulverizam recursos e esforços.


Isso não ocorreu em função do compromisso político com o Todos pela Educação, interlocutor do MEC?

Aí há duas possibilidades. Uma é que, em termos de hegemonia, um historiador da educação que chegasse aqui diria que o Todos pela Educação tem um peso nesse documento. O documento é vago exatamente porque o Todos pela Educação é vago. O que é o Todos pela Educação? Se fôssemos resumi-lo numa frase, seria o "faça você mesmo". Em seus documentos, em nenhum momento se diz "vamos fazer tal coisa". É um manual do "faça você mesmo". É sempre assim: "Vamos ensinar você a fazer. Você diretor de escola, professor, prefeito, você que é um mau administrador, o que nós empresários podemos ensinar a você? A capacidade de administrar, pois somos craques nisso. Então, vamos ensiná-lo a fazer um trabalho no campo educacional que não é didático, pedagógico ou de instrução. É um trabalho de gestão. Vocês gerenciam mal, e nós administramos bem. Então vamos passar essas técnicas para vocês". É basicamente isso. E essa idéia está no documento.


O problema da educação é a gestão?

O documento entende que os problemas da educação são problemas de gestão. O problema de gestão aparece no decreto na seguinte idéia: se você tiver um Brasil que funcione, que o governo gerencia e ele funciona, esse aqui não serve.


Você pode dar um exemplo disso?

Há duas coisas que o documento poderia seguir. Uma ele seguiu, outra não. Quais são? De um lado, uma experiência bem-sucedida, que é a da rede federal de ensino técnico na educação básica. Não são muitas escolas, mas essa rede existe e tem Ideb mais alto. Quer dizer, dentro do próprio índice criado pelo governo, a escola do governo é a melhor, ganha da particular, da estadual e da municipal, em todas as estatísticas, em todos os sentidos. Então, se você quiser fazer a educação funcionar neste país, não precisa sair de dentro do MEC. O governo brasileiro tem a melhor das escolas.
Mas há dinheiro para multiplicar esse modelo em larga escala?

Por que afirmamos que falta dinheiro? Primeiro: o governo não cumpre a lei do orçamento; segundo: não prioriza esse setor; terceiro: o dinheiro da "corrupção pequena" já seria o suficiente para começar a conversar. Se não conversarmos dessa maneira, nunca haverá dinheiro.


Voltando aos caminhos possíveis…

Aí há um documento, que é o outro lado, financiado pelo Unicef, em que eles fizeram uma pesquisa das 33 escolas que dão certo apesar de a condição ao redor delas não ser das melhores. Não são os melhores Idebs, mas são os Idebs bons em relação à situação. E o que eles elegem como práticas pedagógicas viáveis não são da rede que funciona, são dos heróis dessa rede que não funciona. Então há casos que, aí sim, não dá para universalizar. Escola tal funciona por quê? Porque o diretor mora dentro da escola. Isso não dá para universalizar. São exemplos esporádicos de heroísmo ou de contingência.


Mas a situação global não está muito mais próxima disso do que da realidade das escolas técnicas federais?

Não há nenhum milagre desse lado que funciona, é só o básico. Não é uma educação federal em que todos os alunos têm seu laptop, nada disso. O que faz ela dar certo? O professor fica lá, não fica pulando de escola em escola. Segundo: tem um salário que não é milagroso, mas não é um salário de fome. Não é R$ 850, R$ 1 mil. É de R$ 3 mil. Se tiver mestrado – e a maioria tem – tem uma compensação,  uma carreira intelectual. Na rede, para melhorar, tem de sair da sala de aula, de virar diretor ou supervisor, parar de trabalhar pedagogicamente. Que mais você tem ali? Um corpo técnico, ou seja, não falta bibliotecário, a biblioteca pode ser aberta, não falta quem cuide dos laboratórios, os computadores não são roubados, um corpo de manutenção mínimo e o tempo integral. Pode-se falar "ah, mas tem vestibulinho". Nem isso é verdade. Tem em alguns casos, em outros é sorteio, em outros o vestibulinho é um para um, a concorrência não é absurda.


E qual é o custo/aluno?

É 20% a mais do que o custo do aluno na rede. É menor do que o custo que tínhamos até 1967, 1968 na rede regular estadual. Nos estados mais ricos, se você pegar, por exemplo, uma escola no interior, não difere muito dessa escola em termos de prédio, de formação de professor. Uma escola pública no centro de São Carlos/SP, não é muito diferente dessa escola. Mas por que não funciona? Porque o professor não está mais lá. Para ele ser concursado e se fixar, estará perto dos 36, 38 anos. Faltando pouco para se aposentar, talvez pegue a cadeira dele. Se fizer curso, não melhora em nada. Se fizer mestrado, doutorado, não melhora  nada, não tem carreira. Se for o primeiro colocado no concurso, não resolve. Quem tiver mais tempo de serviço vai estar na frente dele.


Há algo que contemple um plano de carreira para o professor?

Em todo o PDE, não há nada decisivo que pegue esses três pontos: carreira, fixação do professor na escola e tempo integral. Há apenas alusão.


E quanto à lógica dos convênios?

O convênio é um documento em aberto. Simplesmente, o MEC vai dispor de uma equipe técnica para fazer um plano para a cidade. O que isso significa? Absolutamente nada. O MEC entra, o prefeito entra, mas não tem nenhum pré-requisito. Não tem algo que eu imaginava que deveria ter. Por que eu vou dar dinheiro para um prefeito? Porque ele ainda vai fazer tal coisa? Não, porque ele já fez. O município que vem para o convênio teria de ter ao menos seis meses para organizar a rede. Para fazer concurso, acabar com cargo de indicação, parar com aquele negócio de no final do ano mandar todo mundo embora, não pagar 13º.


Não se pode estabelecer metas e condicionar os repasses ao cumprimento dessas metas?

Depois que você assinou o convênio, é muito difícil cortar, o governo fica refém do prefeito, que vai dizer "eu assinei o convênio, fizemos um plano, eles não aprovaram o que nós queríamos". Inverte. Por quê? Porque os instrumentos de análise do município não têm análise política. Não vêem jogo de forças, tradição, sindicalização, não vêem o histórico do município em relação à educação. Um município que tem um jogo de forças pesado em prol da educação vai ser tratado da mesma maneira que outro completamente amorfo. Os instrumentos de análise são neutros. Você não sabe com quem está lidando, vai à mesa de negociação assinar um cheque em branco. E corre o risco de terminar a gestão federal sem ter começado o programa.


E quais os pontos positivos do Plano?

A federalização como o PDE faz é o ideal. Respeita-se o município, podem-se fazer vários planos, e não um plano uniforme. Pode-se escaloná-los. As idéias do Ideb e do convênio são fantásticas. Mas a operacionalização é complicadíssima porque as partes legal e teórica estão malfeitas. A sensação é que acabaram os quadros do governo. Falta mão-de-obra.  Acho inconcebível, no século 21, que o ministro tenha de ficar andando de município em município para levar o PDE. Essa caravana é uma perda de tempo. Por quê? Porque os decretos estão mal escritos, as coisas são verbais.


Como deveria ser feita essa contextualização de cada município?

O conceito de pesquisa qualitativa e participativa que está no texto não existe. Participativa como? Tem de ser monografia. Até por conta de uma parte do decreto, que é o aproveitamento do aspecto físico da cidade. O cara tem de se inserir no município, ver como funcionam as coisas ali. Há regiões cuja bibliografia local é rica, mas outras não têm nada. Não tem como fazer um convênio se não fizer um retrato humano das pessoas que vão participar. Quem vai fazer e tocar o convênio? Qual é o jogo de forças político, quem leva isso adiante? É o diretor de escola, é o líder de bairro? Qual o instrumental que o prefeito tem em termos de legislação? Não tem nada. O retrato que volta para o MEC é o retrato do IBGE. E piorado, pois não é feito pelos técnicos do IBGE. 

Autor

Paulo Ghiraldelli Jr.


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