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Carreira

O desafio da valorização

Elevar a carreira docente a um novo patamar é uma premissa do setor. A proposta do novo PNE aborda o tema em pelo menos quatro metas. Para atingi-las, será preciso mover algumas pedras

Publicado em 10/09/2011

por Amanda Cieglinski

Plenária sobre a valorização docente na Conae 2010: ponto central para a educação melhorar

O futuro Plano Nacional de Educação (PNE) começa a tramitar no Congresso Nacional neste mês de fevereiro. Em todo o documento, uma figura aparece como elemento central para os objetivos educacionais da próxima década: o professor. A valorização do magistério, tema da campanha da presidente Dilma Rousseff, aparece em pelo menos um quarto das 20 metas que compõem o próximo plano. Algumas não são novidade – são bandeiras que se repetem desde o PNE anterior e não viraram realidade. Transformar o discurso em prática será o desafio dos gestores da educação, seja nos municípios, estados ou nos gabinetes do Ministério da Educação (MEC).

“No fundo é como se fosse uma incapacidade da sociedade brasileira de determinar uma prioridade na área da educação [a valorização do professor e executá-la”, analisa o sociólogo Daniel Cara, presidente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE).

Formação
De acordo com o Censo Escolar de 2009, dos 1,97 milhão de professores que atuam hoje nas salas de aula do país, 32% não possuem formação em nível superior. Dos que têm diploma universitário, há ainda 62 mil não licenciados.

A décima quinta meta do PNE determina que União, estados e municípios devem garantir até o fim da década que todos os professores possuam formação em nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. O texto do plano, escrito pelo MEC, lista 10 estratégias que devem ser seguidas para que o objetivo seja atingido até o fim da década. Entre elas a reforma dos currículos de licenciatura, a valorização do estágio e ampliação de programas de iniciação à docência.

Algumas são bem parecidas com as estabelecidas em 2009 no Plano Nacional de Formação de Professores, que leva a chancela do Ministério. Ele previa que, até 2011, 330 mil professores em exercício deveriam estar matriculados em cursos de formação inicial. Os estados devem levantar as demandas por formação, as secretarias municipais precisam validar as inscrições de seus profissionais e as universidades públicas criar e oferecer novas vagas com repasses do ministério.

Até o 2o semestre de 2010, apenas 40 mil estavam inscritos nesses cursos – menos de 20% da meta final a ser atingida em 2011. Esses números incluem apenas os cursos presenciais. Na avaliação da secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda, o ritmo da participação deve melhorar em 2011.

“O começo é sempre mais complicado. Garantimos a vaga, a universidade organiza a turma, mas muitas vezes os professores de municípios pequenos não têm como frequentar as aulas. Estamos articulando isso com as prefeituras: damos a vaga e a contrapartida é proporcionar a formação”, aponta. Na Bahia, por exemplo, os profissionais inscritos no programa recebem uma bolsa de custeio de R$ 500 para o pagamento de transporte e alimentação. “Parece que são detalhes, mas são aspectos fundamentais”, diz Pilar.

Para Daniel Cara, o baixo alcance do plano lançado em 2009 está na falta de capacidade de articulação do MEC quando as estratégias devem envolver vários atores. “Em outros momentos que isso aconteceu, não deu certo. Também foi assim no Brasil Alfabetizado”, compara. Outro motivo apontado é a falta de engajamento nas universidades.

“Elas não se mobilizaram pelo programa; no departamento você tem um professor responsável, mas o resto do departamento é contra. Sem a mobilização efetiva isso não chega à ponta”, avalia Cara.

O frouxo regime de colaboração entre municípios, estados e União também dificulta a tarefa. Cleuza Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) no Sudeste e secretária de Educação de São Bernardo do Campo, acredita que esse é um dos motivos para que as tentativas anteriores não tenham alcançado os resultados esperados.

“Cada rede tem sua responsabilidade, que não pode ser transferida. O município não pode certificar, nem em nível médio nem em superior. Temos autonomia enquanto sistema, mas também restrições, por isso o regime de colaboração precisa funcionar. Em alguns estados, funciona bem independente de partidos políticos. Há experiências interessantes no Ceará, em Tocantins, em Goiás, com estado e municípios fazendo a formação juntos”, exemplifica.

Estratégias variadas
Além de melhorar a qualificação de quem está em sala, ainda é preciso estimular a formação de novos professores para atender às atuais e futuras demandas. Segundo Pilar, o MEC diversificou as estratégias para dar mais oportunidades aos jovens que queiram seguir a carreira: “a formação inicial é garantida pelo governo federal de forma gratuita. O aluno pode se matricular numa universidade federal cujas vagas de licenciaturas foram ampliadas, pode conseguir uma bolsa do ProUni ou optar pelo Fies. Temos a novidade de que agora quem optar por licenciaturas pode pagar a dívida do financiamento se trabalhar na rede pública. Cada mês trabalhado abate 1% do financiamento”, explica.

As estratégias listadas na meta 15 falam da necessidade de que os cursos de formação – licenciaturas ou pedagogia – aproximem seus currículos e práticas às demandas da rede pública. Um desses caminhos seria o fortalecimento do estágio, hoje componente secundário nessas graduações.

“Em algumas universidades, os alunos não realizam a totalidade da carga horária mínima, em muitas o aluno só vai conhecer a sala de aula no último semestre, em outras nem chega a ir. A pedagogia é uma teorização da prática, se ela não se efetiva, estaremos formando profissionais não habilitados para a sala de aula”, aponta o professor Remi Castione, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).

Progressão e carreira
Mas o próximo PNE vai além da formação inicial, que por si só já é um grande desafio. A meta 16 determina que 50% dos professores da Educação Básica deverão ter pós-graduação até 2020 e que o Estado deve garantir formação continuada a todos em sua área de atuação. Uma das estratégias para a meta é que os planos de carreira incluam a previsão de licenças para qualificação profissional.

“A partir do momento em que tivermos planos de carreira que valorizem a formação, aumentaremos o nível de escolaridade do professor”, afirma Castione. O estímulo à atualização das práticas dos educadores e a continuidade da formação se conectam à vigésima meta do PNE que estipula um prazo de dois anos para que estados e municípios formulem os seus planos de carreira.

A constituição de planos de carreira vem se arrastando há anos. A imensa maioria de estados e municípios não atendeu à deliberação do PNE anterior e não os fez ou refez.

Não por menos: sua elaboração é dispendiosa e significa alterar carreiras e enfrentar insatisfações do funcionalismo em geral, principalmente quando mexe com questões de isonomia. “É uma meta difícil de ser cumprida se os planos forem criados com a real preocupação de serem viabilizados. Muitas prefeituras do interior conseguem criar os planos, mas não implementam depois. E há municípios gastando fortunas para elaborar planos de carreira, que viraram um grande negócio. Os “especialistas” em educação cobram R$ 120 mil por esse trabalho”, critica Daniel Cara, da CNDE. 

Auxílio para elaboração
Pilar Lacerda lembra que as diretrizes para planos de carreiras aprovadas no ano passado pelo Conselho Na
cional de Educação (CNE) são uma base importante para que as prefeitura
s elaborem seus planos. “Vamos trabalhar para ajudá-los. Muitos têm planos defasados, faremos uma assessoria para elaboração desse planejamento”, afirma.

Uma das apostas do MEC para auxiliar municípios na melhoria da carreira é o futuro Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente. O projeto foi incluído no texto do PNE e deve ter sua primeira edição em 2012. Será uma prova única, aplicada a educadores de todo o país de forma voluntária, cujos resultados poderão ser aproveitados pelas redes para seleção dos profissionais – modelo semelhante ao do novo Enem. A ideia encontra resistência nas universidades, que temem uma padronização dos currículos.

“A qualidade das questões e da prova e o fato de ser um exame único vão facilitar muito a contratação que deve ser obrigatoriamente feita por meio de provas e títulos. Sendo um concurso nacional, o professor poderá ver o resultado e se candidatar a outros municípios. No longo prazo, se a rede quiser atrair bons profissionais, deverá oferecer uma remuneração inicial atraente”, acredita a secretária. 

Mas é a última estratégia listada dentro da meta 18 que deve ter de fato algum impacto nas redes. O texto fala que os repasses e transferências voluntárias de recursos da União para os outros entes federados devem “priorizar” aqueles que já tenham aprovado em lei específica seus respectivos planos.

Cleuza Repulho, da Undime, crê que esse tipo de mecanismo indutor garante mais eficácia. “A obrigatoriedade do uso de cinto de segurança, por exemplo, só foi efetivada quando se estabeleceu uma multa. A vinculação do cumprimento à questão financeira força o município a fazer um planejamento de longo prazo. A política de indução é o papel do MEC”, aponta.

Quem paga a conta?
Além de diretrizes de formação e carreira, para completar o tripé o PNE estabelece na meta de número 17 a equiparação dos salários do magistério com o de outras profissões com o mesmo nível de escolaridade. Aumentar a remuneração dos professores também é um desafio antigo e já há reconhecimento por parte dos governos em todas as esferas que é uma condição fundamental para melhorar a qualidade do ensino. O texto aponta três estratégias para atingir essa meta, mas nenhuma fala de onde sairão esses recursos.

“A principal crítica a esse plano é que ele não apresenta os cálculos que foram feitos para chegar a essas metas. Não há diagnóstico. Se for depender só dos municípios e estados, pode-se até conseguir equiparar, mas criará uma carreira achatada em que a diferença entre a remuneração inicial e a final será muito pequena”, defende Cara.

Os municípios alegam que os recursos hoje existentes não cobrem um aumento na folha de pagamento. Para dar o salto necessário para tornar a carreira atrativa aos jovens talentos, serão necessários novos recursos. Hoje a principal fonte de repasses da União para as redes de ensino é o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) – 60% dele deve ser obrigatoriamente gasto com pagamento de salários.

“Há municípios que vivem de repasses e aí é muito difícil aumentar os gastos com pessoal. O que se tem hoje mal dá pra pagar a folha. Uso todo o Fundeb para isso e ainda complemento. Além do custeio de pessoal, há o gasto com manutenção, contas de luz, água, manter uma biblioteca atua­lizada, computadores funcionando”, enumera Cleuza.

Atualmente, a União repassa para o Fundeb 10% da contribuição total dos estados. “A complexidade federativa no Brasil criou um monstro difícil de ser controlado, que precisa de uma ação participava da União. Não se superarão problemas básicos porque há dependência de mais recursos e quem tem dinheiro é a União e uns poucos estados”, avalia Cara.

Defesa da indução
Segundo Pilar, a questão do financiamento se orienta pelo Fundeb, mas o “transcende”. Não há previsão da criação de um novo fundo ou mecanismo de transferência de recursos específico para atender à questão salarial dos professores. “Os municípios e secretários de educação devem entender o orçamento de sua cidade, quais são as possibilidades de elaborar um bom plano de carreira”, diz. Para ela, o papel do MEC no novo PNE deverá superar a função de coordenador. “Teremos a obrigação de ser indutores e propositores de novas políticas e, ao mesmo tempo, de ter sensibilidade para ouvir os outros entes federados, identificar as dificuldades e agir para saná-las”, sinaliza. E, vale também dizer, para não ferir a autonomia dos municípios em suas escolhas por meio das políticas de indução.

As 4 metas sobre valorização docente

META 15 Garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, que todos os professores da Educação Básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.

META 16 Formar 50% dos professores da Educação Básica em nível de pós-graduação lato e stricto sensu; garantir a todos formação continuada em sua área de atuação.

META 17 Valorizar o magistério público da Educação Básica, a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente.

META 18 Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino.

Autor

Amanda Cieglinski


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