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Carreira

Fazendo a diferença

Os bons exemplos adotados em escolas públicas e privadas confirmam que revalorizar a carreira do magistério é apontar para a qualidade na educação

Publicado em 10/09/2011

por Valéria Hartt

É a perspectiva de carreira e de crescimento que estimula e motiva o profissional de ensino. Na rede pública, quem avançou no desafio da revalorização do magistério começa a construir uma história bem diferente e garante que vale a pena. São experiências inspiradoras como as do Estado do Acre, hoje o melhor patamar de remuneração do magistério na Educação Básica.

A mudança começou em 1999, quando o cenário evidenciava um histórico de descaso e deterioração da profissão. Somente 27% dos profissionais do magistério contavam com formação superior e o piso salarial era de apenas R$ 475 para o docente em início de carreira.

É fácil dimensionar o tamanho do desafio e é esse reconhecimento que torna a experiência do Acre ainda mais significativa. “Era uma carência enorme de qualificação, sobretudo no ensino médio”, diz a secretária de Educação, Maria Corrêa da Silva. “Agora, estamos na terceira gestão e podemos ver o avanço e a consolidação de muitas das políticas implementadas. A educação realmente passou a ser vista como prioridade”, diz.

Foi uma verdadeira revolução. Ainda em 1999, o Acre pactuou com a representação sindical a construção de um plano de carreira para os professores do Estado, aprovado no mesmo ano com o piso de R$ 1,2 mil para o docente com formação superior e jornada de 30 horas semanais. Hoje, o salário inicial é de R$ 1.675. Ao final da carreira salta para R$ 3.100, com a possibilidade de acumular dois contratos, o que significa exatos R$ 6.200.

Avanço
A qualificação dos professores caminhou junto, pois ainda era preciso sanar as carências da formação inicial. De cara, 5 mil professores do fundamental 2 e ensino médio ingressaram nas licenciaturas e nos cursos de pedagogia. A Universidade Federal do Acre (Ufac) garantiu a retaguarda acadêmica. E as prefeituras participaram, com a devida contrapartida.

Na etapa seguinte, os professores do fundamental 1 e mais 2.500 docentes da zona rural completaram a formação superior. Hoje, a rede mantém programas de ensino a distância para os professores, em parceria com a Universidade de Brasília.

Equacionados os problemas de salário e formação inicial do magistério, era hora de cuidar da infraestrutura escolar. O Estado definiu padrões para a construção de escolas – da educação infantil ao ensino médio, incluindo as escolas indígenas. Nova arquitetura e novo mobiliário, em espaços mais adequados, com reflexo direto nas condições de trabalho do professor.

Hoje, já é possível enxergar o impacto do conjunto de ações e de sua continuidade. No último Ideb, o Acre ficou entre as 10 primeiras posições, em todas as avaliações.  

A favor da educação
 Com pouco mais de 20 mil habitantes, Cajuru, a 360 quilômetros de São Paulo, também se destaca pelo investimento feito na revalorização docente. O pequeno município do interior paulista destina 30% do orçamento municipal à educação e às vezes vai além. Há oito anos, elegeu diversas frentes de trabalho e, desde então, uma conjugação de esforços ajuda a transformar a realidade educacional do município – o primeiro colocado no Ideb nas séries iniciais do fundamental, com nota 8,6.

A qualificação do magistério foi o ponto de partida. Em 2005, a prefeitura ofereceu bolsa de estudos para os docentes que ainda não tinham curso superior e 130 se inscreveram na primeira turma de pedagogia. Em paralelo, melhorou os espaços físicos da rede escolar. Além de sala de informática e biblioteca, há escolas municipais que contam com sala de cinema, acréscimo que tem como intuito o de diversificar o olhar de alunos e professores e ampliar o repertório cultural.

“Temos oficinas semanais de atualização, num trabalho coletivo de troca de experiências, que enriquece as práticas em sala de aula”, esclarece Isabel Cristina Iunes Monti Ruggeri Ré, secretária de Educação local. E  os professores que demandam formação específica também são atendidos, através da parceria com o Núcleo de Apoio à Municipalização do Ensino.

Respaldo
A criação do Centro de Atendimento da Educação (CAE) também ampliou a retaguarda ao professor, através do suporte ao aluno com dificuldades de aprendizagem. Primeiro, a iniciativa tinha lugar no âmbito da própria escola, dando instrumentos aos educadores para lidar com a questão. Agora, o CAE se apresenta como uma unidade própria, fisicamente independente, onde equipes de fonoaudiólogos e psicopedagogos recebem as crianças e suas famílias, em um modelo custeado integralmente pela Secretaria de Educação da cidade.

“O professor não está mais isolado, nem sente a angústia de dar respostas sozinho a questões tão complexas”, interpreta a gestora. A remuneração também avançou, ainda que timidamente, incorporando benefícios como o tíquete alimentação e o bônus por frequência às aulas.

Tripé essencial
Na rede privada de ensino, o tema da valorização do magistério tem como referência experiências como as do Colégio Bandeirantes e da Escola da Vila; dos colégios Santa Cruz, Visconde de Porto Seguro e outros que atendem a classe média paulistana. Em comum, essas escolas têm uma política de recursos humanos para o magistério que articula o tripé salário, formação e infraestrutura pedagógica. No Rio de Janeiro, casos como os da Escola Parque e do Colégio de São Bento, assim como despontam exemplos de outras tantas instituições de ensino, em outros tantos estados do país. Atenta à importância de seu capital humano, a rede particular de ensino começa a multiplicar também no mundo da educação as chamadas boas práticas de RH, com políticas mais atraentes de remuneração e  incentivo ao desenvolvimento profissional. Em foco, a figura do professor.

Construtivista desde a sua origem, a Escola da Vila, criada em 1980, começou suas atividades aliada a um centro de formação, com a visão de que a qualificação docente faria a diferença para que seus professores pudessem entender e trabalhar em sintonia com seu projeto pedagógico.

A ideia deu certo. Hoje, 30 anos depois, a Escola da Vila reafirma a certeza de que apostar na valorização do professor faz mesmo toda a diferença. E é para avançar nessa direção que agora a Escola faz uma reflexão profunda sobre as práticas de RH dirigidas ao magistério. Reconhece que o tempo passou, novos modelos surgiram para balizar a evolução da carreira, mas a instituição escolar, de modo geral,  ainda tem pouca familiaridade com esse universo.

“Todos sentem a necessidade de políticas mais transparentes e consistentes, mas as escolas ainda investem pouco nesta área”, admite Lucinha Magalhães, coordenadora pedagógica, que agora recorre à consultoria da 440 Conhecimento e Aprendizagem Organizacional para implementar as bases de uma nova proposta salarial e de carreira para os professores da Vila.

Contribuições
A consultoria parceira tem feito circular novos conceitos de RH também entre as escolas particulares que participam do ZDP (Zona de Desenvolvimento Profissional), programa de formação que a Escola da Vila instituiu em 2002. Este ano, um dos encontros do ZDP foi dedicado exclusivamente ao tema, para explorar que contribuições a área de recursos humanos pode prestar à instituição escolar.

“É um tema de enorme complexidade, assim como é grande a carência das instituições nesse campo”, diz Lucinha.

É graças a esse aprendizado que a direção da escola começa a discorrer sobre conceitos até então distantes do ambiente educacional. Entre eles, podem ser citados a
centralidade da gestão de pessoas na estrutura de administração; o exame mais d
etalhado de objetivos e responsabilidades de um determinado cargo na redação de sua descrição, levando em conta inclusive a estratégia institucional e seus processos;  finalmente, a introdução de uma metodologia de pontos na implementação de uma política de remuneração.

Novidades incorporadas perseguindo a ideia de valorizar ainda mais seu quadro docente. Em suas duas unidades, a escola emprega  86 professores. Paga plano de saúde, previdência privada e pratica um valor hora-aula que varia de R$ 20,26, para o professor da Educação Infantil, até R$ 38, para os especialistas do ensino médio.
De quebra, a composição da jornada também atrai: quase todos têm dedicação exclusiva.

A formação continua a receber investimentos. O professor recebe supervisões externas de especialistas; subsídio parcial ou total em viagens nacionais e internacionais de estudo ou cursos externos de formação. Para a turma da casa, a Escola da Vila reserva bolsa integral em todos os cursos oferecidos pelo Centro de Formação.

 Retenção de talentos
A retenção de talentos, sem dúvida, está em pauta e talvez seja exatamente esse o objetivo das escolas que começam a buscar inspiração na vida corporativa e suas práticas de RH.
Já é tempo de avançar no debate do salário do magistério, com critérios para além da titulação ou do tempo de serviço.

“Eu sou totalmente contrário a isso”, sustenta Mauro Aguiar, diretor do Colégio Bandeirantes. “Tempo de casa e titulação não significam eficiência e qualidade”, rebate. O Bandeirantes estabelece um valor  único para a hora-aula, fixado em R$ 47,64,  independentemente do nível de ensino.

Hoje, o Colégio emprega 140 docentes e oferece uma composição de jornada que faz com que cerca de 80% dos profissionais tenham dedicação exclusiva.

Um professor com 30 aulas por semana tem um salário de R$ 7.503. Para 36 aulas semanais, recebe R$ 9.004 – muito acima da média do mercado.

No caso dos professores coordenadores, a faixa salarial varia de R$ 14 mil a R$ 22 mil, dependendo do horário de trabalho. “É salário de executivo”, compara Aguiar.

Sem dúvida. E o pacote de vantagens que a instituição oferece ainda contempla um plano médico com a Porto Seguro.

Mas é no investimento em formação que o Bandeirantes realmente se diferencia. São congressos nacionais, internacionais, programas de pós-graduação, mestrado e doutorado – tudo custeado integralmente pelo colégio.

“Isso implica muitas vezes o professor reduzir a carga ou ter horários favorecidos para poder estudar. Até ano sabático foi dado, mestrado e doutorado no exterior”, ilustra Aguiar.

Prós e contras
O cuidado com o profissional de ensino também prevê o suporte de consultores externos, em diferentes áreas. Às terças e sábados, psicólogos trabalham com o emocional do professor para lidar com adolescentes. Às terças, o grupo debate questões como a orientação sexual e a prevenção às drogas. É um grupo multidisciplinar, recrutado nas diversas áreas – língua portuguesa, biologia. Entra quem quer, basta querer, mas a adesão é muito grande. Primeiro porque eles estão motivados, segundo porque essa participação é também remunerada.

E aos sábados, o Bandeirantes mantém a Oficina do Professor, mediada por terapeuta especializado em organização, que enfoca principalmente o trabalho em grupo. Para os professores coordenadores e a alta direção do colégio, outra consultoria entra em cena, com um trabalho de coaching. “Para o professor, é uma oportunidade de vida, de enorme crescimento pessoal. Para o colégio, é a oportunidade de melhorar a qualidade da nossa liderança”, conclui Aguiar.

Outras instituições de ensino, referenciadas também como boas pagadoras, preferem ficar à margem das mudanças. É o caso do Colégio de São Bento, no Rio  de Janeiro, que guarda distância das novidades. “A escola não quer se transformar em empresa, nem se moldar aos exemplos da vida corporativa. Aqui, a tradição é um atributo bastante valorizado”, diz a supervisora pedagógica, Maria Elisa Penna Firme Pedrosa.

A escola pratica diferentes valores de remuneração, de acordo com o nível de ensino. O valor hora-aula varia de R$ 36,83 para o professor do fundamental 1, que cumpre jornada de 20 ou 25 horas semanais, e alcança R$ 55,92 para o especialista que atua no último ano do nível médio.

No quadro de 120 professores, cerca de 50% trabalham na escola há mais de 15 anos. “Estamos na ponta em termos de salário do magistério”, sublinha Maria Elisa, que também faz questão de valorizar a autonomia dos profissionais do São Bento e a infraestrutura de apoio acadêmico. “Os professores aqui são admirados e reconhecidos. É uma questão de princípios da organização”, acrescenta.

Autor

Valéria Hartt


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