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Entrevistas

Erros e acertos

Professor da Harvard Kennedy School faz um balanço das ações introduzidas por meio do Fundescola e analisa os prós e contras do processo

Publicado em 10/09/2011

por Redação revista Educação

O que causa o sucesso de uma política pública? Partindo desta pergunta, o professor Matt Andrews, que leciona a disciplina de políticas públicas na Harvard Kennedy School (Escola Kennedy em Harvard, em português), analisou a experiência do Fundo de Fortalecimento da Escola (Fundescola), programa executado no Brasil. Para elaborar o estudo de caso, fez entrevistas em diferentes locais onde o programa foi aplicado. Criado no final do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, o Fundescola contava com o financiamento do Banco Mundial (Bird). O programa partia de duas premissas: a qualidade de ensino oferecida determina a performance individual de cada aluno e os problemas da educação brasileira são particularmente mais severos nas áreas em que há pouca instrução. O objetivo central era atacar esses problemas justamente nesses locais mais pobres. Foram escolhidas três linhas de atuação: a melhoria das escolas; o fortalecimento institucional; e envolvimento e responsabilidade social. O projeto foi executado em algumas etapas, sendo que a última delas, cujo foco era educação infantil, acabou no ano passado – como era um convênio internacional, o Fundescola atravessou quase sete anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O interessante, disse o professor Matt em palestra promovida pela Fundação Lemann em São Paulo, é que alguns mecanismos do Fundescola foram incorporados à gestão petista e ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). São eles: o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola), o Escola Ativa e o Levantamento de Situação Escolar.  Para Matt, esse seria um indicativo de que o Fundescola, como política pública, teve sucesso. Na entrevista abaixo, concedida à subeditora Beatriz Rey, o professor disseca as falhas do programa, lembrando que ele funcionou em áreas em que encontrou espaço para se desenvolver.


O senhor diz que uma intervenção política de sucesso depende de habilidade, aceitação e autoridade. Nesse sentido, como podemos dizer que o Fundescola é uma política de sucesso?

Não é fácil dizer que uma intervenção foi bem sucedida ou não, porque, na verdade, ela tem elementos dos dois resultados. O programa funcionou em áreas em que encontrou espaço para desenvolver a aceitação, a autoridade e a habilidade. Mas não funcionou em espaços em que havia limitações para esses fatores. Infelizmente, o Fundescola não funcionou em escolas, municípios ou estados que eram afetados pela pobreza ou padeciam com fraquezas organizacionais.

Nos locais em que políticas conflituosas minaram a aceitação e em que a relação emaranhada entre organizações enfraqueceu os diretores para administrar o programa, o Fundescola criou um peso inimaginável, em vez de uma solução de gestão. 


Podemos dizer que todos os atores envolvidos no Fundescola conheciam o programa? Ou ele ficou restrito aos diretores e secretários de educação?

Mais uma vez, percebemos que a experiência foi mista. Em algumas localidades, todos os principais atores conheciam e gostavam das oportunidades oferecidas. Em outras, ninguém sabia da sua existência. A pior situação foi aquela em que havia pessoas que sabiam do programa, mas o enxergavam como um grande fardo, em vez de uma ajuda. Penso que o grande sucesso foram as pessoas que não conheceram o Fundescola, mas acabaram sendo influenciadas por suas inovações – seus mecanismos de planejamento e de treinamento, por exemplo. Elas não souberam das origens do Fundescola.


É correto afirmar que a falta de treinamento para professores e gestores foi uma das falhas do programa?


Essa é uma maneira de ver as evidências, já que o programa previa treinamento para esses atores. O problema foi que as escolas mais pobres tiveram dificuldade em tirar proveito desse treinamento. E, por demandas políticas, as pessoas que haviam sido treinadas acabaram não ficando onde estavam. Os mecanismos de treinamento funcionaram bem onde os gestores criaram espaços para que isso acontecesse, onde havia estabilidade na liderança e na política e onde muitas ideias do programa já faziam parte do dia a dia de trabalho da escola, município ou estado.


Como a verba chegava às escolas?

Essa foi uma grande inovação proposta pelo programa, que acompanhou outra: os comitês de pais, cujo objetivo era supervisionar os gastos e as atividades escolares. A mudança nos arranjos do financiamento mudou quem planejava, prestava contas e reportava o orçamento. Isso ficou nas mãos das escolas. Essas mudanças criaram tensões entre escolas e municípios. Os prefeitos perderam influência e poder por conta da novidade. Em alguns casos, a responsabilidade dos municípios era apenas de pressionar as escolas, o que podia ser feito facilmente, já que os prefeitos escolhiam muitos diretores. O Fundescola trabalhou onde as escolas tinham a capacidade de desempenhar um novo papel administrativo, onde os secretários municipais de educação estavam contentes em desempenhar um papel mais relacionado com o apoio e onde os prefeitos enxergavam o valor da nova organização. E, claro, funcionou menos onde um ou mais desses atores não aceitou essa nova condição, criando um estado de vulnerabilidade a disputas políticas e às mudanças causadas por elas. É importante ressaltar que em muitas escolas pobres essas capacidades novas não se desenvolveram. Elas não podiam, então, ter acesso aos fundos do programa.


No Brasil, há gestores que têm dificuldade de preencher formulários para receber verba do governo federal. Há uma carência de formação. Quando se faz uma intervenção em forma de política pública, deve-se adaptar a linguagem do projeto às necessidades dos envolvidos ou criar maneiras de qualificá-los?


As duas coisas são importantes. Penso em escolas e alguns municípios como exemplos de locais "desertos", como o Saara. Há um espaço muito limitado para fazer grandes mudanças. Você precisa de uma mistura de estratégias para fazer intervenções de sucesso nesses lugares. Primeiro, é necessário descobrir as soluções que funcionam nesse deserto, adaptando as reformas para o contexto limitado.

Também é preciso começar a mudar o local, para que intervenções mais agressivas sejam possíveis. É como construir oásis em desertos: em um momento, você pode introduzir diferentes espécies de animais.


Na atual gestão, o Ministério da Educação optou pela associação entre política pública e liberação de verbas. Há um compromisso chamado Plano de Ações Articuladas (PAR), que deve ser assinado pelos secretários de educação, para que a verba seja enviada. Dessa forma não se deixa  de considerar as diferentes realidades de cada município e estado?


O dinheiro é um motivador bom. Mas talvez o governo devesse deixar que as escolas identificassem os próprios problemas e construíssem o seu próprio espaço para resolvê-los, e então dar a elas gratificações financeiras para isso. Nesse sentido, o governo premia as escolas por realmente fazer um planejamento de melhoria, e não apenas por adotar políticas que as fazem parecerem melhores.


O Bolsa Família oferece uma quantia de dinheiro a famílias mais pobres que enviam suas crianças às escolas. É necessário agir das duas maneiras, com políticas educacionais e sociais, ou essas coisas não precisam necessariamente estar vinculadas?


O melhor é agir das duas formas. A pesquisa do Fundescola mostrou que as escolas podem se beneficiar de intervenções em que os pais estão envolvidos e dispostos a ajudar a escola. Nos lugares onde as famílias não estão engajadas na educação de seus filhos, a escola precisa trabalhar mais para oferecer Educação Básica. Os pais agiriam como "fatores de realce".


Um dos maiores problemas educacionais é a interrupção de políticas públicas em razão de mudanças políticas. Há exemplos de mecanismos para garantir uma continuidade de políticas públicas?

Quando criamos o espaço para mudanças, esses mecanismos tendem a aparecer junto. Há exemplos de escolas que já estavam alcançando a excelência antes do Fundescola. Elas aproveitaram ao máximo o programa e conseguiram reter suas ferramentas e princípios úteis, mesmo depois do fim do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Nessas escolas, os atores principais aceitaram a necessidade de mudança, a direção e o custo dessa mudança, além do fato de que ela ocorre quando existem coalizões. Acredito que mudanças sustentáveis requerem coalizões direcionadas a um propósito, no sentido de não permitir que os indivíduos desfaçam suas ações.


Uma das discussões que temos no país é sobre o modelo de ensino médio mais adequado aos nossos alunos. Há quem diga que o correto é adaptar os conteúdos à realidade dos estudantes, o que traria conhecimentos "não escolarizados" à sala de aula. Nesse sentido, a escola não perderia uma de suas principais funções, que é dar subsídio para o aluno entender o mundo?

 
Minha pesquisa não toca nesse assunto, mas não penso que isso mine a importância da escola. Vamos à escola porque precisamos aprender o conhecimento de que necessitamos para entender o mundo, e isso envolve às vezes o conhecimento "prático" e não apenas o "escolarizado".

Autor

Redação revista Educação


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