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Entrevistas

Caminho da Flexibilidade

O pesquisador espanhol Miguel Zabalza fala sobre as tendências contemporâneas para a escolha dos conteúdos escolares

Publicado em 10/09/2011

por Redação revista Educação

Debate sobre o currículo passa por questões multiculturais e relacionadas às culturas indígenas

Miguel Zabalza, professor da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Santiago de Compostela, é hoje um dos autores espanhóis influentes na educação brasileira. Também doutor em psicologia pela Universidade Complutense de Madri, Zabalza tem dedicado grande parte de seus estudos à questão do currículo escolar. Com reflexões relevantes sobre diversas etapas da educação, algumas delas materializadas em livros publicados no Brasil – como é o caso de O ensino universitário e seus cenários (2003), Diários de aula (2004) e Qualidade em educação infantil (1998), todos lançados pela Artmed, os dois últimos esgotados -, Zabalza acredita que, face a demandas multivariadas, caminhamos na direção de um currículo mais flexível, de modo a atender mais ao interesse de sujeitos diversos. Leia, a seguir, a entrevista concedida via e-mail ao repórter P aulo de Camargo.

Dentro das preocupações principais da educação contemporânea, que lugar ocupa a discussão sobre o tema do currículo?
Sem dúvida, é um dos temas centrais. A escolha dos conteúdos culturais está se mostrando chave na abordagem das questões educacionais relativas à multiculturalidade, à língua, às culturas indígenas, à incorporação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) como conteúdo de aprendizagem, à aparição das aprendizagens transversais etc. Isso inclui os debates mais recentes sobre os modelos formativos, como no caso da educação por competências. Os debates sobre currículos referem-se também a questões que afetam a própria liberdade dos indivíduos com respeito à sua formação contra a imposição dos governos de um currículo rígido que todos têm de cursar. Vamos, hoje, no sentido de um currículo flexível, que respeite a diversidade de capacidades e interesses dos sujeitos e responda mais às suas demandas.

Quais são os fatores que exercem maior poder de pressão na definição dos currículos? A avaliação está entre eles?
Sim, o ditado “diz-me como avalias e te direi como ensinas” segue sendo válido. Com muita frequência, confundimos as avaliações com o currículo, ou, para dizer de outra maneira, outorgamos tanta importância às avaliações que acabam se apropriando do currículo, modificando-o, acomodando-o ao objetivo da avaliação. É, portanto, verdade que o vestibular brasileiro, ou o selectividad da Espanha pervertem o currículo do ensino médio. Do mesmo modo, os exames posteriores para as carreiras universitárias pervertem o sentido formativo destas. Ao final, os cursos se convertem em dispositivos para superar as provas, contaminam-se de sua ideia de aprendizagem, quase sempre de forma a enfatizar as operações de memorização e um conhecimento enciclopédico. Para os professores que atendem cursos anteriores a esses exames, a questão se torna um dilema profissional básico: devem ensinar para que seus alunos se formem ou devem ensiná-los para que superem o exame?

Como deve ser então uma proposta curricular preocupada com a formação?
Deve ser um projeto para durar vários anos, deve ser progressiva e abarcar todas as dimensões dos sujeitos: seus conhecimentos, suas habilidades para o estudo e para a vida, suas atitudes, seus comportamentos. É evidente que esse enfoque é muito mais amplo e poliédrico do que apenas superar um exame. Por isso, falar de currículo tem importantes implicações para a vida escolar: significa trabalhar em equipe (os docentes), pois ninguém pode desenvolver um projeto dessa natureza por si só; significa enfrentar as disciplinas, mas também as outras dimensões do desenvolvimento pessoal e social dos estudantes (sobretudo na escola secundária, onde estão se elaborando os projetos de vida); significa oferecer aos alunos elementos que enriqueçam esses projetos de formação e os aproximem da cultura local, que os habilitem a uma vida intelectual, social, de lazer e, inclusive, espiritual adequada a nossos tempos e à sociedade na qual vamos inserir cidadãos competentes. Significa orientar o trabalho educativo para uma aprendizagem a mais personalizada possível, de forma que os estudantes assumam responsabilidade na sua própria formação e se preparem para continuar seu processo de formação ao longo da vida.

Quem decide o que é ou não é relevante que os alunos aprendam? Como é essa discussão hoje no âmbito da Comunidade Europeia?
Pouco a pouco se vai consolidando a ideia de que essa é uma atribuição das federações ou dos estados autônomos que têm competência sobre isso. Nos modelos curriculares centralizados, de origem napoleônica, esta foi sempre uma verdade incontestável. O mesmo ocorre nos antigos países comunistas. Nos países anglo-saxões, com modelos curriculares descentralizados, essa era uma competência que se atribuía aos professores e professoras das escolas. Cada escola possuía sua própria proposta curricular. Mas mesmo em países como a Inglaterra, onde era essa a tônica geral, o modelo desapareceu porque se geravam muitas diferenças entre umas escolas e outras.

Isso é feito por medidas legais obrigatórias?
Hoje em dia se generalizou a ideia de que os conteúdos básicos do ensino são decididos pelo Estado, mediante leis de cumprimento obrigatório. As escolas e mesmo os governos regionais devem obedecer a essas leis. Bom exemplo disso é o que sucedeu nestes anos na Espanha, com a disciplina de educação para a cidadania, estabelecida por lei e contra a qual se opunham os partidos de direita e a própria igreja católica, porque diziam que a educação entrava em valores da vida social (por exemplo, explicava-se o matrimônio entre homossexuais, igualdade de gênero etc.) e isso colidia com valores familiares. A situação mais geral hoje em dia é que o Estado nacional define os conteúdos básicos do ensino que depois são completados e adaptados a cada situação pelos professores. Desta maneira, ambos, governo e escola, se convertem em agentes curriculares. Mais complicado é o papel das famílias, a quem se dá pouca chance de seleção dos conteúdos, salvo os mais sensíveis aos valores pessoais. Por exemplo, os pais podem escolher se seus filhos vão ou não às aulas de religião.

Autor

Redação revista Educação


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