Para o indígena Daniel Munduruku, a sociedade exclui as mais de 300 visões de humanidade dos povos tradicionais
Publicado em 12/09/2019
A UNESCO declarou 2019 o Ano Internacional das Línguas Indígenas. No Brasil, mesmo com 305 etnias e mais de 200 línguas indígenas, a maioria da população não reconhece suas raízes e mal sabe de tamanha pluralidade que há no país.
Desde a invasão dos portugueses, em 1500, os povos indígenas sofrem por não se encaixarem no mundo dito como ‘civilizado’. “Na história do Brasil houve muitos desencontros e o nosso país foi constituído de uma narrativa a partir de um olhar sobre o mundo preconceituoso e sob uma única lógica, abafando as outras realidades”, critica o indígena Daniel Munduruku, escritor e pós-doutor em Linguística pela UFSCar, durante o encontro nacional da Rede do Programa de Escolas Associadas (PEA) à UNESCO, em Ouro Preto, Minas Gerais.
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Sendo assim, essas outras realidades abafadas que Munduruku fala são as 305 etnias indígenas vivas no Brasil, cada qual com sua peculiaridade, sabedoria, costume e tradição e que antes da invasão eram mais de 1.000, porém, foram exterminadas e, consequentemente, reduzidas drasticamente.
Aliás, respeitar a crença e costumes de todos e todas é uma das bases da Declaração Universal dos Direitos Humanos disseminada pela ONU. Mas, como o escritor indígena coloca, no Brasil, por muito tempo esse direito mínimo foi – e em alguns casos ainda é – negado aos povos indígenas. Há uma mão única que é a história contada sob a visão eurocêntrica, à qual nega e desqualifica sua população tradicional.
“A escola foi o principal palco de reprodução de estereótipo com relação aos povos indígenas”, critica Daniel, uma vez que foi construído um imaginário que indígena que não mora na aldeia, que não vive pelado e com cocar não é indígena. “Essa imagem não fala de um índio do presente, fala do índio do passado, romantizado. Temos uma imagem congelada do índio porque ele é estereotipado, ele é folclórico, um ser que não existe e que está apenas no nosso imaginário”, completa.
Para o escritor indígena, um dos grandes equívocos do Brasil e que vem alimentando a educação do país é a falta de reconhecimento da pluralidade populacional, gerando uma falta de respeito com o próximo, com quem é diferente, afinal são 305 visões de humanidade que são forçadas a abrirem mão de suas identidades para se integrarem à sociedade para serem “civilizadas”.
A Rede PEA-UNESCO é composta por 569 escolas públicas e privadas de todo o país representadas por seus gestores pedagógicos que buscam fortalecer a educação. Atenta a essa pluralidade, a Rede se esforça para incluir escolas voltadas às comunidades tradicionais.
A Escola Estadual Indígena Tenente Antônio João é uma das associadas. Localizada em Cucuí, pertencente ao município de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, a única forma de se chegar à escola é pelo rio. Essa distância fez neste primeiro semestre do ano, por exemplo, os materiais atrasarem, revela o gestor Carlos Savio Gonçalves, do povo Baré e cujo seu nome indígena é Wiripipi. Ele conta que na escola falta estrutura tecnológica como internet e impressora. “Tudo é dificuldade por conta da distância, mas temos que saber lidar e continuar caminhando”, afirma o indígena.
Ainda assim, com 15 anos de experiência em direção escolar e 34 anos somando sua atuação de professor e diretor, Gonçalves confessa que sua aposta na educação é por uma causa coletiva “Educação é a base de tudo. Eu não penso só em mim, penso para a comunidade. Venho de família humilde, fiquei órfão aos seis anos”, desabafa.
Wiripipi tem bacharel em Ciências Sociais, com licenciatura na mesma área, especialização em Turismo e Gestão Territorial e ainda especialização em Gestão Escolar. Só que esses estudos são frutos, segundo o indígena, de muito dedicação.
Para ele, mais uma professora e aluna da mesma escola indígena de Cucuí estarem presentes no encontro nacional da Rede PEA-UNESCO, que aconteceu de 11 a 13 de setembro, em Ouro Preto, Minas Gerais, houve de fato uma parceria. De Cucuí para São Gabriel da Cachoeira (que pode levar até dois dias, a depender do motor da canoa) e até Manaus, os gastos foram cedidos pela Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira. De Manaus para Ouro Preto o próprio PEA arcou com os gastos. Já a volta foi garantida pela Secretaria de Educação do Amazonas com apoio da coordenadoria regional de Educação de São Gabriel da Cachoeira.
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