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Débora Garofalo

Primeira sul-americana finalista do Global Teacher Prize, prêmio que a colocou entre os 10 melhores professores do mundo

Publicado em 27/11/2025

De olho na reestruturação do ensino médio no Brasil

Reinventar o ensino médio: país está diante do maior desafio e da maior oportunidade da década

O ensino médio brasileiro passa por uma inflexão histórica. Com a homologação das novas diretrizes pelo Ministério da Educação, o país inicia uma reorganização estrutural que afetará currículos, práticas pedagógicas, formas de gestão e a própria identidade dessa etapa de ensino. 

As mudanças entram em vigor gradualmente: 1ª série em 2025, a 2ª em 2026 e a 3ª em 2027. Trata-se de um processo que envolve toda a comunidade escolar e que, mais do que alterar documentos, exige reimaginar a função do ensino médio em um país marcado por profundas desigualdades educacionais e sociais. 

O debate, portanto, não é apenas técnico; é social, econômico e civilizatório.

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O ponto de partida é reconhecer a urgência. Dados nacionais revelam um cenário alarmante: segundo o Censo Escolar e avaliações como o Saeb, o ensino médio apresenta uma das maiores taxas de abandono da educação básica. Em algumas redes estaduais, o abandono chega a 10% ao ano, e os índices de reprovação seguem elevados. Em língua portuguesa e matemática, apenas uma minoria de estudantes atinge níveis adequados de aprendizagem, o que limita o acesso à educação superior e compromete a inserção produtiva no mundo do trabalho. 

O desafio é ainda maior quando consideramos estudantes de baixa renda, moradores de áreas rurais, populações indígenas, quilombolas e jovens trabalhadores, que costumam ser os mais afetados por políticas insuficientemente planejadas ou mal implementadas. Nesse contexto, a atualização das diretrizes não é apenas necessária, mas inevitável.

reestruturação do ensino médio

Reestruturação do ensino médio também representa uma oportunidade para aproximar escola e juventude (Foto: Shutterstock)

O que muda 

A reorganização do ensino médio busca responder a esse complexo conjunto de problemas. A nova estrutura propõe uma carga horária mais equilibrada entre formação geral básica e itinerários formativos, com foco em flexibilidade, aprofundamento e conexão com o projeto de vida dos estudantes. 

Ao mesmo tempo, estabelece parâmetros nacionais claros para evitar a fragmentação curricular e mitigar desigualdades entre redes. Para as escolas, a mudança significa rever seus projetos político-pedagógicos, replanejar tempos e espaços de aprendizagem, criar ofertas de formação técnica e profissional e fortalecer parcerias com instituições externas, como institutos federais e centros de formação profissional. Para professores, implica reorganizar práticas, revisar avaliações, incorporar metodologias ativas e trabalhar de maneira mais integrada com equipes multidisciplinares.

Desafios da reestruturação do ensino médio

Esse processo, no entanto, não é simples. A implementação das novas diretrizes encontra barreiras que não podem ser ignoradas. A primeira delas é a infraestrutura: muitas escolas, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, ainda operam com déficit de laboratórios, conectividade limitada e falta de espaços adequados para práticas diversificadas. 

A segunda é a formação docente. Professores têm o papel central na transição, mas muitos ainda não se sentem preparados para trabalhar com metodologias contemporâneas, projetos integradores, tecnologias educacionais ou componentes ligados à educação profissional. 

A terceira é a gestão escolar, que precisará lidar com carga horária ampliada, novos arranjos curriculares, demandas burocráticas e maior complexidade organizacional. Sem um plano consistente de financiamento e apoio técnico, há o risco de que as mudanças criem maior desigualdade entre redes que conseguem implementar e redes que não dispõem dos mesmos recursos.

Experiências e inspirações

Apesar das dificuldades, há experiências pelo país que demonstram caminhos possíveis. Redes estaduais que iniciaram processos de reorganização curricular antes das novas diretrizes oferecem pistas valiosas. Em alguns estados, a criação de itinerários formativos articulados com o setor produtivo aumentou o engajamento dos estudantes e reduziu o abandono escolar. 

Redes que investiram em formação docente contínua e coordenada conseguiram implementar metodologias mais participativas, favorecendo a aprendizagem ativa. Em municípios onde escolas ampliaram a carga horária com intencionalidade pedagógica, indicadores de desempenho começaram a crescer de forma consistente. São iniciativas que mostram que a transição pode gerar impactos positivos quando há planejamento, investimento e diálogo permanente com as comunidades escolares.

Um ponto crítico dessa reestruturação é a equidade. Se a transição for mal conduzida, os estudantes mais vulneráveis serão os mais prejudicados, justamente aqueles para quem a escola representa uma das poucas oportunidades reais de mobilidade social. Itinerários formativos, por exemplo, só cumprem sua função se todos tiverem opções de qualidade, e não apenas aqueles que estudam em escolas com melhor estrutura. 

A educação técnica e profissionalizante só se fortalece quando há equipamentos adequados, professores preparados e parcerias sólidas. A personalização do percurso formativo não pode se transformar em desigualdade de oportunidades. Isso exige que a política pública considere as diferentes realidades do país, com mecanismos de financiamento, assistência técnica e monitoramento contínuo que garantam acesso, permanência e aprendizagem.

Conexão com a juventude

A reestruturação do ensino médio também representa uma oportunidade para aproximar escola e juventude, algo que há muito tempo está em crise. As novas diretrizes incentivam que os estudantes participem da construção de seus trajetos formativos, dialoguem com o mundo do trabalho, busquem aprofundamentos conforme seus interesses e articulem seu projeto de vida com o currículo escolar. Essa perspectiva pode fortalecer o sentido da escola, tornando-a mais conectada com a realidade dos jovens. A centralidade do estudante, no entanto, só se concretiza quando professores têm condições de atuar como orientadores, mentores e mediadores, e quando as escolas conseguem criar tempos e espaços que valorizem a autoria estudantil.

O que está em jogo, portanto, é mais do que uma revisão curricular. Trata-se de redefinir o papel social do ensino médio no Brasil contemporâneo

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É necessário fortalecer políticas públicas que garantam financiamento adequado, formação docente consistente, infraestrutura equitativa e acompanhamento técnico contínuo. É fundamental ouvir estudantes e professores, que são aqueles que, no cotidiano, tornam a política viva. É urgente superar a ideia de que mudanças estruturais se resolvem apenas com novos documentos, quando na verdade dependem de investimento humano, cultural e institucional.

O Brasil enfrenta uma janela histórica para reconstruir o ensino médio sobre bases mais sólidas, humanas e contemporâneas. Se houver coordenação entre governo, redes, escolas e sociedade civil, as novas diretrizes podem se transformar em um marco de melhoria da educação brasileira. Se não houver essa articulação, repetiremos um ciclo conhecido: reformas bem-intencionadas que fracassam na prática. A educação brasileira não pode mais perder tempo. Reestruturar o ensino médio é uma tarefa desafiadora, mas indispensável para formar jovens capazes de enfrentar as complexidades do presente e construir um futuro mais justo e sustentável para o país.

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