NOTÍCIA
Programa Jovens Transformadores Ashoka conta com dezenas de participantes no Brasil e mostra como adolescentes podem liderar soluções sociais em diferentes territórios
Em 2018, a Ashoka — pioneira e uma das maiores redes de empreendedores e inovadores sociais do mundo — decidiu dar um passo ousado: reconhecer adolescentes como protagonistas de transformação social. Assim nasceu o programa Jovens Transformadores Ashoka, que, a partir de experiências iniciadas na Índia e na Indonésia, já reúne mais de 240 participantes em países como Estados Unidos, Bangladesh, Nigéria e Brasil.
A proposta se conecta ao lema global da organização, Everyone a Changemaker (“Um mundo de pessoas que transformam”), que defende a ideia de que qualquer pessoa, em qualquer idade, pode liderar mudanças sociais em sua comunidade.
“O movimento busca criar oportunidades para que todos os jovens possam exercer seu poder de transformação. Fazia todo o sentido que eles próprios liderassem esse processo”, explica Helena Singer, líder da Ashoka no Brasil.
No país, a rede reúne jovens de diferentes regiões e realidades — da Amazônia às grandes capitais, passando por quilombos, periferias urbanas e escolas públicas. Todos já têm a experiência concreta de organizar equipes, mobilizar comunidades e impactar seus territórios com soluções inovadoras.
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Escola precisa ter sentido para as juventudes
Cecília Meireles, Lélia Gonzalez e Nise da Silveira além de qualquer tempo
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O processo seletivo é, ao mesmo tempo, uma jornada de autoconhecimento. Os interessados preenchem formulários, fazem entrevistas com pares de diferentes países e participam de encontros coletivos, até chegar ao painel final com a comunidade Ashoka. “Mais importante do que ser aprovado ou não é garantir que cada participante saia ampliando sua potência transformadora. Todos recebem feedbacks e são convidados a continuar no movimento de alguma forma”, completa Helena.
Uma vez reconhecidos, os jovens passam a integrar uma rede global de empreendedores sociais, líderes de escolas e universidades, órgãos de governo e parceiros estratégicos. “Eles ganham visibilidade, acessam contatos e oportunidades e, na medida em que desejam, podem integrar equipes que atuam em seus territórios ou temáticas”, afirma a porta-voz. O maior desafio, segundo ela, está em alcançar mais jovens: “Há milhares já transformando suas realidades. O que nos limita é o financiamento”.
Nesta reportagem, a revista Educação apresenta quatro (de muitas) histórias da turma 2025 do programa no Brasil. São trajetórias que revelam como ciência, tecnologia e empatia se transformam em ferramentas de mudança quando a juventude decide agir.
Filho de Manaus (AM), Eli Minev Benzecry, 18 anos, cresceu cercado por referências de inovação e impacto social. Aos 15, decidiu transformar um campo de futebol abandonado no bairro Tarumã em um sistema agroflorestal. Foi ali que viu brotar, pela primeira vez, o ariá, tubérculo amazônico cultivado por mais de nove mil anos e quase esquecido.
“Minha avó reconheceu o alimento e disse: ‘Comia muito quando criança, mas nunca mais vi’. Ali entendi o paradoxo entre a biodiversidade amazônica e a insegurança alimentar da região”, relembra. Dessa memória nasceu o Amazônia Chibata: Ariá, projeto que une saberes tradicionais e pesquisa científica para reintroduzir o tubérculo na dieta local.
Hoje, Eli coordena uma rede com agricultores, pesquisadores indígenas, estudantes e chefes de cozinha, beneficiando diretamente mais de 500 famílias em nove municípios. O jovem também publicou, com outros autores, o livro Amazônia Chibata: Ariá – um alimento de memória afetiva (ed. Valer e Inpa), finalista do Prêmio Jabuti Acadêmico 2025.
Entre feiras de ciência e bancadas de plantio, o maior desafio é a produção de rizomas em escala. “Criamos um banco de sementes e descentralizamos o cultivo para que o ariá volte às feiras e, quem sabe, chegue às escolas. Meu sonho é vê-lo na merenda escolar amazônica, unindo nutrição, identidade cultural e sustentabilidade”, projeta.
Para ele, fazer parte da rede Ashoka ampliou sua visão de liderança: “Aprendi que liderar é coliderar, é criar caminhos para que outros também assumam o protagonismo”. E deixa ainda um conselho a outros jovens: “Comece pequeno, registre resultados e procure bons mentores. Às vezes, uma memória de família pode virar um movimento coletivo”.
Eli Minev Benzecry, 18 anos, AM, criou o projeto Amazônia Chibata: Ariá, que une ciência e saberes tradicionais para resgatar alimentos nativos e combater a insegurança alimentar (Foto: divulgação)
No subúrbio do Rio de Janeiro (RJ), Paula Juliana Borges, 20 anos, cresceu ouvindo que “o Brasil é o país do futuro (que nunca chega)”. Estudante de escola municipal, enfrentou semanas sem aula por causa da violência e chegou a passar mal em salas superlotadas. Mesmo assim, persistiu até conquistar, na segunda tentativa, a última vaga no concurso para o Colégio Pedro II.
Entre pesquisas em astrofísica e premiações estudantis, veio também a frustração: formulários indeferidos, prazos perdidos, taxas impossíveis de pagar. “Percebi que o problema não era falta de interesse dos jovens, mas falta de acesso e direcionamento”, resume. Dessa percepção nasceu o Access+, plataforma gratuita que reúne mais de 170 programas educacionais e oportunidades extracurriculares em um só lugar.
O projeto já impactou centenas de estudantes e levou Paula e sua equipe a representar o Brasil em um programa internacional, entre mais de 800 propostas. “Nosso diferencial é criar uma escada de acesso: conteúdos simples nas redes sociais atraem quem nunca participou de atividades, e o site organiza informações detalhadas para quem quer se aprofundar”, explica.
Agora, Paula lidera o crescimento da plataforma, que já conta com apoio de especialistas e prepara novas ferramentas, como inteligência artificial de recomendação. “Ser reconhecida pela Ashoka me mostrou que não é preciso ter soluções perfeitas, mas sim construir pontes reais para que outros jovens tenham chances que eu quase perdi”, destaca.
Sobre o processo de criação, ela reflete: “Já tentei projetos que não deram certo. Aprendi que ouvir o público-alvo desde o início é essencial. Só assim criamos soluções que fazem sentido e permanecem”.
Paula Juliana Borges, 20 anos, RJ, é cofundadora do Access+, iniciativa que divulga oportunidades educacionais e extracurriculares para jovens de baixa renda (Foto: divulgação)
Em Arapiraca (AL), João Marcos Almeida, 17 anos, foi o primeiro da família a sonhar com a universidade. O caminho, no entanto, foi marcado pela falta de estrutura e de apoio pedagógico. “Meus colegas se sentiam desamparados. Muitos desistiam do sonho de estudar por não ter recursos básicos”, conta.
Foi nesse contexto que nasceu o Pré-Parei – Educar Sem Fronteiras, uma plataforma digital que oferece materiais gratuitos de estudo, orienta sobre oportunidades de inscrição e conecta estudantes afastados da escola a programas como o EJA. A iniciativa cresceu a ponto de ser mencionada no Plano Nacional da Educação e no Plano Nacional da Juventude 2024-2026.
A inspiração, segundo João, veio de sua vivência com projetos sociais: “Quando percebi quantos jovens estavam deixando a escola sem apoio, decidi criar algo que pudesse guiá-los. A educação é uma ferramenta de transformação e solidariedade”.
Atualmente, o projeto busca integrar temas de saúde mental e até recursos de inteligência artificial, sempre com foco na inclusão. “Meu sonho é expandir a plataforma nacionalmente, com apoio psicológico e oficinas socioemocionais”, afirma.
O reconhecimento da Ashoka, diz ele, reforçou a dimensão coletiva de sua atuação: “Entendi que não se trata só de uma iniciativa individual, mas de um movimento global de jovens que acreditam no poder da educação”. E acrescenta: “Comece com o que tem, mesmo que seja um celular. O impacto pode parecer pequeno no início, mas pode inspirar outros a sonharem também”.
João Marcos Almeida, 17 anos, AL, fundou o Pré-Parei – Educar Sem Fronteiras, plataforma digital que apoia estudantes da rede pública no acesso ao vestibular e programas educacionais (Foto: divulgação)
Em Porto Alegre (RS), Joana Dorneles de Souza tinha apenas 10 anos quando ajudou uma amiga a denunciar a violência sexual sofrida em casa. O episódio marcou sua vida e a levou a criar o Coletivo Luísa Marques, formado por meninas para falar sobre direitos, dignidade menstrual e saúde mental.
“Minha amiga não era a única. Muitas meninas viviam histórias parecidas. Vimos que precisávamos transformar nossa realidade”, conta. Desde então, o grupo desenvolve projetos como o Chama Violeta, de combate à violência sexual, e ações de contação de histórias para tratar de temas delicados na escola.
Ela também está à frente da criação da edtech Lute como uma Guria, que pretende ampliar o alcance dos conteúdos produzidos pelo coletivo. O maior desafio, admite, é a sustentabilidade financeira: “Temos parcerias, mas falta recurso para expandir”. Ainda assim, ver outras meninas se interessando e pedindo para participar do coletivo é, para ela, motivo de orgulho.
Integrar a rede Ashoka trouxe reconhecimento e autoestima, acredita Joana. “Ser Jovem Transformadora reforçou que ter uma causa é assumir um compromisso com a vida e com o planeta. Isso é transformador”, resume. O que mais a emociona, porém, é ver outras meninas se engajando. “Tenho orgulho de ver crianças querendo entrar no coletivo e se dedicar a causas que falam sobre os seus direitos. A cada escola que vamos, novas meninas se interessam e pedem para participar — isso me dá uma alegria imensa”, completa.
Joana Dorneles de Souza, 15 anos, RS, é criadora do Coletivo Luísa Marques, grupo formado por meninas para combater a violência sexual e promover saúde e dignidade nas escolas (Foto: divulgação)
As histórias de Eli, João, Paula e Joana ilustram como a adolescência pode ser um tempo fértil de protagonismo social. “Eles são inspiração porque revelam a diversidade dos jovens brasileiros — de florestas, quilombos, periferias e escolas de diferentes contextos”, analisa Helena Singer.
Mais do que vitórias individuais, cada iniciativa revela que a mudança também nasce de experiências locais, muitas vezes invisíveis, mas capazes de transformar o cotidiano de comunidades inteiras. Ao trazerem soluções para a educação, a alimentação, a inclusão e a proteção de direitos, esses jovens mostram que não estão apenas respondendo a problemas, mas criando novas formas de pensar o futuro. “Acreditamos que, ao contar essas histórias em diferentes formatos, outros jovens e também educadores podem se inspirar e se engajar. Nosso papel é garantir visibilidade e conexões para que cada semente de transformação encontre solo fértil”, conclui a porta-voz.
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