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Publicado em 10/10/2025

Novo Enem em debate

Especialistas avaliam as transformações do exame junto aos contextos educacionais; itinerários formativos, modelo seriado e digital são destaques — em comum nas análises, a importância de avaliações cada vez mais multidisciplinares

Da sua criação, em 1998, para a sua reformulação, em 2009, chegando aos tempos atuais, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) evidencia sua abertura e necessidade de se atualizar conforme as transformações educacionais. Sendo hoje a principal porta de entrada ao ensino superior e permitindo, por conta do uso de sua nota no Fies e ProUni, um maior acesso de pessoas de baixo poder financeiro às universidades, é considerável que novas mudanças ao Enem gerem receios. Mas, principalmente após a chegada da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do Novo Ensino Médio (que traz os itinerários formativos, os IFs), sua atualização tem sido debatida constantemente.

“Sempre procuro olhar o bem que o Enem faz ao país, como o fato de ser um catalisador que desafia professores da rede pública e privada a saírem de sua caixinha disciplinar”, diz o diretor-executivo da Multiverso das Letras, Antonio Nicolau Youssef, que atua há 35 anos no mercado editorial, concatenando 20 anos como pedagogo, professor, coordenador e diretor em escolas privadas. A interdisciplinaridade das questões, presente pelo menos desde 2009, evidencia o diálogo do exame com o contexto educacional do século 21, analisa Nicolau, como é mais conhecido. 

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Contudo, esse olhar até hoje não foi colocado na formação inicial dos professores e professoras da educação básica. O diretor da Multiverso exemplifica: uma questão sobre microplásticos pode ser trabalhada na redação, como também abordar o aquecimento global ou um problema de natureza sociológica, além do diálogo com a química e física. Só que Antonio Nicolau Youssef sabe que a velocidade da política pública educacional tem ritmo maior que a adequação da estrutura de formação de professores e professoras. 

“Dos professores licenciados no Brasil, hoje, nem 5% são licenciados em áreas do conhecimento e, sim, em disciplinas específicas, em que eles sabem cada detalhe da Lei de Gauss, de trânsito, de energia e sistemas isolados. Só que na hora em que esse professor está na sala de aula tendo de encarar essa situação multidisciplinar, contextualizada ou regionalizada, se forma um acróstico grande”, avalia Nicolau.

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“Dos professores licenciados no Brasil, hoje, nem 5% são licenciados em áreas do conhecimento e, sim, em disciplinas específicas”, alerta Antonio Nicolau Youssef, da Multiverso (Foto: divulgação)

Nem a sociedade e tampouco as avaliações são estáticas

Mas, o que ainda falta para o exame conversar com o contexto atual? “Hoje, fala-se em ‘novos Enems’ porque a realidade dos estudantes e do setor educacional também se modificou. Há uma demanda crescente por avaliações que valorizem competências e habilidades socioemocionais, em vez de se restringirem à memorização”, pontua Alethéa Tosto, gerente de serviços educacionais da Moderna, empresa do grupo Santillana Brasil.

Segundo Alethéa, pensar em um novo Enem não significa apenas mudar o formato da prova, mas refletir sobre o papel que ele deve desempenhar dentro de um projeto nacional de educação: “Trata-se de decidir se será apenas um instrumento seletivo, voltado ao ingresso no ensino superior, ou se também assumirá uma função formativa, capaz de orientar currículos e práticas pedagógicas. O Enem, que já funciona como espelho das transformações sociais, precisa avançar para se consolidar como um mecanismo de indução de qualidade e de justiça social”, pontua a gerente.

A educação integral tem ganhado espaço na maioria das escolas e está presente até mesmo no Novo Ensino Médio, sendo que esse conceito carrega a importância de o ensino básico inserir em seu currículo habilidades socioemocionais, pensamento crítico e criatividade. Não há como dissociar o aprendizado completo, integral e contextualizado sem levar em consideração esses atributos. O Enem, ao propor questões contextualizadas, interdisciplinares e baseadas em situações-problema, exige que o estudante mobilize capacidades como interpretação de informações, análise de diferentes perspectivas, argumentação e tomada de decisão — todas associadas ao pensamento crítico”, considera Júlio Ibrahim, diretor adjunto de Sistemas de Ensino e Didáticos da FTD Educação.

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Enem Digital: devemos levar em conta que o Brasil é um país de contrastes, orienta Alethéa Tosto, da Moderna (Foto: divulgação)

Itinerários formativos

Responsável pelo Enem, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação, tem dado diferentes declarações sobre os itinerários formativos ao longo dos tempos. Enquanto alguns diretores do Inep já avaliaram como possível a inclusão dos itinerários, outros não enxergam essa possibilidade. Em 2024, por exemplo, Rubens Lacerda, então diretor de avaliação da educação básica do órgão, declarou à Agência Brasil que priorizar os itinerários pode engessar o Enem. Sendo a saída, então, que as escolas públicas e particulares façam suas próprias avaliações dos IFs. “Isso garante a flexibilidade que é a proposta de todo o debate do ensino médio”, disse.

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Na avaliação de Júlio Ibrahim, da FTD, é natural que o Enem caminhe para um modelo cada vez mais transversal, alinhado à abordagem do Novo Ensino Médio e da BNCC. “Apesar de os itinerários formativos não estarem formalmente presentes como parte avaliada no Enem, esse exame, em alguma medida, pode e deve dialogar com os aprendizados, as habilidades e as competências desenvolvidas ao longo dos itinerários formativos. Ao reconhecer e integrar esses percursos, o Enem pode valorizar aprendizagens mais contextualizadas e aplicadas, estimulando o protagonismo do estudante e a conexão entre diferentes áreas do conhecimento. Um exame que dialogue com essas características dos itinerários formativos — sem necessariamente avaliá-lo diretamente — contribui para consolidar esse modelo e reduzir a distância entre currículo e avaliação externa, tornando o processo mais coerente e justo”, afirma Júlio.

Antonio Nicolau Youssef, da Multiverso, se diz amplamente favorável à inserção dos itinerários formativos no Enem. Segundo ele, entre os pontos positivos dos IFs, está a construção de um projeto curricular regionalizado, contextualizado, quer dizer, em diálogo com a realidade daquele estudante, em diálogo com o mercado de trabalho local.

É importante reduzir a distância entre currículo e avaliação externa, tornando o processo mais coerente e justo, avalia Júlio Ibrahim, da FTD (Foto: divulgação)

Enem seriado

Indagado se é favorável a um Enem seriado, cuja nota dos três anos do ensino médio seja a soma para a entrada no ensino superior — como ocorre com o Provão Paulista —, Antonio Nicolau Youssef declara que concorda com a tese acadêmica sobre a importância desse modelo. Contudo, diante das realidades brasileiras, entende que é preciso tomar cuidado para que não seja feita uma ‘eugenia no ensino médio’ e pontua desafios para a sua efetivação: “O Provão Paulista é maravilhoso, só que é feito no estado de SP, que tem um perfil de escola pública. Já em nível Brasil, temos uma enorme segmentação regional. Eu passo a minha vida analisando matrizes curriculares. No caso dos materiais que fazemos [enquanto Multiverso] para a rede pública, por exemplo, às vezes um material que serve para Minas não serve para a Bahia.”

Enem digital

Em 2019, o Inep chegou a anunciar que, a partir de 2026, o Enem seria 100% digital. Contudo, o primeiro Enem Digital aconteceu em 2021 e, desde 2023, o exame voltou a ocorrer exclusivamente no formato impresso, entre as causas, pelo alto custo e baixa adesão dos candidatos. “A digitalização é uma tendência global em avaliações de larga escala. O Enem Digital, desde sua implantação piloto, trouxe possibilidades importantes: maior agilidade nos resultados, potencial de aplicar diferentes versões da prova e adaptação futura para recursos de acessibilidade. “No entanto, o Brasil é um país de contrastes. Mais da metade dos municípios ainda enfrenta desafios sérios de conectividade e infraestrutura tecnológica. Se a prioridade for apenas a ampliação do digital, corre-se o risco de acentuar desigualdades regionais e sociais”, reflete Alethéa Tosto.

Alethéa reforça que é importante caminhar para a expansão gradual do Enem Digital, mas, enquanto houver estudante sem condições de acesso equitativo, o formato impresso deve continuar. “Mais do que a escolha entre ‘papel ou tela’, a prioridade deve estar em assegurar igualdade de oportunidades para todos os candidatos. Em síntese, o futuro do Enem precisa conciliar inovação tecnológica com responsabilidade social, garantindo que a modernização do exame seja inclusiva e não elitizada”, orienta Alethéa Tosto, da Moderna.

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