NOTÍCIA
Percebo que esse cuidado passa por três pilares fundamentais: o desenvolvimento socioemocional, o engajamento das famílias e o letramento digital
Por Meire Nocito*, diretora institucional educacional no Colégio Visconde de Porto Seguro | Vivemos um tempo em que o mundo digital, de maneira cada vez mais profunda, impacta diretamente as vivências do cotidiano. No atual cenário educacional, acredito que o papel da escola vai muito além do ensino de conteúdos: precisamos investir nas relações interpessoais e na convivência no ambiente escolar, acolher afetos e fortalecer o senso de pertencimento. Daí a importância da cultura do cuidado.
Educar hoje é, também, cuidar de toda a comunidade escolar, que envolve estudantes, educadores e famílias.
Na instituição onde atuo há quase 25 anos, reconhecida internacionalmente por seu projeto pedagógico, temos refletido e construído, de forma coletiva, uma cultura do cuidado que possa sustentar esse novo jeito de viver, marcado pela hiperconectividade.
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Inspirada por pesquisas e diálogos com outros educadores e especialistas, percebo que esse cuidado passa por três pilares fundamentais: o desenvolvimento socioemocional, o engajamento das famílias e o letramento digital.
Para nós, a educação socioemocional é mais do que uma prática pontual: é um princípio norteador de todas as ações. Procuramos criar um ambiente em que nossos alunos possam desenvolver empatia, resiliência, escuta ativa e senso crítico. São competências indispensáveis para que eles se posicionem com responsabilidade nos espaços digitais e nas relações da vida cotidiana.
Uma das iniciativas mais marcantes desse movimento é a Academia da Família, um programa que nasceu da escuta atenta às preocupações e dúvidas de mães, pais e responsáveis. Criamos, juntos, um espaço de formação parental para tratarmos de assuntos referentes à contemporaneidade e à educação dos filhos, abordando temas relacionados aos desafios de educar na era digital, modelos de parentalidade, comunicação não violenta, promoção de bem-estar no ambiente familiar, entre outros.
Nesses encontros abertos, rodas de conversa, oficinas práticas e palestras, vivenciamos um processo educativo coletivo, no qual a partilha entre as próprias famílias se transforma em aprendizado mútuo, e uma rede de apoio afetuosa vai se formando com confiança e naturalidade.
Também estabelecemos comitês de pais e de alunos, além de fóruns de professores, ampliando os espaços de escuta e troca de experiências. Essas pontes entre gerações e entre diferentes vozes da comunidade escolar são fundamentais para fortalecer a proteção e o cuidado com as crianças e os adolescentes.
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Sei que cada escola tem sua identidade e seus próprios caminhos, mas acredito que pensar a cultura do cuidado como um fio condutor pode inspirar novas práticas, respeitando sempre os contextos e as necessidades de cada realidade educacional.
No nosso percurso, como proposta educativa integrada, outro ponto de atenção tem sido o letramento digital e a formação para a cidadania nas redes. A parceria entre educadores das áreas de tecnologia e ciências humanas tem possibilitado experiências ricas, que envolvem desde debates sobre o tempo de tela até reflexões sobre privacidade, algoritmos e inteligência artificial.
Trabalhamos para que nossos estudantes desenvolvam uma postura crítica e ética frente às tecnologias que utilizam.
Destaco como uma iniciativa relevante na formação dos educadores o lançamento do Guia de Educação Digital e Midiática, criado pelo Ministério da Educação em parceria com a Secretaria de Comunicação Social. A proposta, que inclui cursos voltados à educação digital e à inteligência artificial, representa um importante apoio para as escolas e os educadores das redes pública e privada de todo o país.
No colégio onde atuo, também temos desenvolvido programas e ações para promover o uso consciente da tecnologia e a importância do controle do tempo de telas, como o Projeto Disconnect, criado em 2019 e ampliado ao longo dos últimos anos.
O que teve início com atividades sem o uso de telas durante os intervalos das sextas-feiras foi se ampliando e, com a participação efetiva dos alunos, hoje conta com atividades esportivas, artísticas e culturais, muitas delas sugeridas por eles, realizadas nos intervalos de todos os dias da semana, fazendo com que crianças e adolescentes interajam e se divirtam juntos.
A ideia é simples e potente: oferecer, nos intervalos, atividades livres de telas que promovam o brincar, a convivência e o bem-estar, envolvendo os alunos nessa tomada de decisão.
Em uma pesquisa realizada no 2º semestre de 2024, que antecedeu a Lei 15.100 de 2025, que proíbe o uso de celulares em escolas públicas e privadas, constatamos que mais de 72% dos nossos alunos do ensino fundamental 2 já participavam espontaneamente das atividades recreativas nos intervalos. Esses dados apontam a importância de envolver os alunos nesse processo de conscientização em relação aos benefícios de estarem offline.
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Outro aspecto essencial, que nunca deixo de destacar, é o cuidado com os educadores. A formação contínua é um compromisso que assumimos com carinho e seriedade. Em 2025, criamos um Canal Socioemocional exclusivo para os professores, com conteúdos especialmente pensados para apoiá-los nos desafios do dia a dia. Ali, oferecemos desde curadoria de livros sobre temáticas socioemocionais até sugestões de intervenções em sala de aula, sempre com um olhar sensível às necessidades de quem educa.
Além disso, realizamos encontros formativos regulares sobre temas como segurança digital, cyberbullying, saúde mental e postura ética no uso da tecnologia. São momentos preciosos de troca e crescimento, que impactam diretamente o manejo em sala de aula, a qualidade da aprendizagem e o bem-estar de toda a comunidade escolar.
Acredito que pensar a cultura do cuidado como um fio condutor pode inspirar novas práticas, respeitando sempre os contextos e as necessidades de cada realidade educacional (Foto: Shutterstock)
Acredito profundamente que, quando a escola valoriza o afeto, o diálogo e a escuta, ela se torna um lugar de pertencimento e transformação social. E, quando as famílias se sentem acolhidas e os educadores são reconhecidos, os estudantes aprendem as habilidades socioemocionais necessárias para exercitar a sua cidadania e viver nesse mundo desafiador e em constante mudança.
Deixo aqui uma reflexão às educadoras e aos educadores que me leem: como a sua instituição tem cuidado das pessoas nesses tempos de múltiplas conexões? Que sementes podem ser plantadas hoje para que nossas crianças e jovens cresçam mais saudáveis e preparados para viver com consciência, ética e empatia nesse mundo hiperconectado?
Que possamos seguir juntas e juntos, cultivando redes de cuidado em cada canto do nosso país.
Meire Nocito (Foto: divulgação)
*Meire Nocito é diretora institucional educacional no Colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo. Mestre em Psicologia da Educação com especialização em Psicoterapia Psicodinâmica da Adolescência. Graduada em Psicologia e em Pedagogia. Tem experiência nas áreas de administração escolar, coordenação pedagógica, orientação educacional, psicologia escolar e docência.
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