NOTÍCIA
Nascidos entre 1995 e 2009 estão com dificuldades de adaptação ao mercado de trabalho — depois de passarem desmotivados pela escola
Por Marco Antonio Araújo | A chamada geração Z está chegando ao mundo adulto com um combo de habilidades digitais afiadas e uma forte consciência social. Mas, junto com isso, vêm desafios que deixam empregadores e educadores desconcertados. A adaptação às regras do mundo corporativo e acadêmico tem sido um verdadeiro teste de paciência para todas as partes envolvidas, gerando uma coleção de relatos sobre dificuldades de comprometimento, resiliência e um certo choque de realidade.
De acordo com relatório da consultoria McKinsey, a geração Z representará 25% da força de trabalho global em 2025. No entanto, uma pesquisa recente revelou que 60% dos empregadores demitiram colaboradores dessa geração poucos meses após a contratação. Os principais motivos? Falta de iniciativa, dificuldades de comunicação e uma mentalidade imediatista que entra em curto-circuito com processos corporativos mais lentos.
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Outro problema apontado por gestores é a dificuldade dessa geração em lidar com frustrações e críticas construtivas. Muitos professores também percebem os adolescentes, mesmo os mais maduros, com a expectativa de reconhecimento rápido e recompensas imediatas, sem necessariamente demonstrar paciência e perseverança no aprendizado e na construção de suas carreiras.
Professores e coordenadores relatam que essa geração tem um talento especial para encontrar atalhos digitais, mas enfrenta desafios em pensamento crítico e resiliência (Foto: Shutterstock)
Se tem algo que gera atrito entre a geração Z e o mundo corporativo é a diferença de comportamento e expectativas. Alguns hábitos que mais chamam a atenção (e nem sempre de forma positiva) incluem, segundo dados da consultoria McKinsey:
Especialistas observam que atividades remotas e híbridas podem exacerbar as dificuldades enfrentadas pela geração Z. A ausência de interações presenciais limita oportunidades de aprendizado informal, como compreender normas e valores organizacionais. Essa lacuna resulta em falhas de comunicação e na falta de desenvolvimento de habilidades interpessoais essenciais.
Não à toa, 31% dos recrutadores têm dado preferência a candidatos mais experientes, e 30% dos empregadores relataram demissões dessa geração em apenas um mês, citando falta de ética profissional (57%), dificuldades de relacionamento com colegas (22%) e atrasos frequentes (34%).
Relatórios apontam que 68,1% das empresas enfrentam desafios ao lidar com os Z. Essa geração é frequentemente percebida como menos comprometida e mais impaciente quanto ao desenvolvimento de carreira. Além disso, a saúde mental aparece como um tema central, com 36,9% dos gestores citando-a como um dos grandes desafios da atualidade.
Professores e coordenadores relatam que essa geração tem um talento especial para encontrar atalhos digitais, mas enfrenta desafios em pensamento crítico e resiliência. A necessidade de respostas rápidas e a dependência excessiva da tecnologia tornam difícil a capacidade de autonomia, aprofundamento e análise. A imersão digital os torna altamente dependentes de respostas rápidas e instruções detalhadas.
Já no ensino superior, o cenário não melhora muito. Altas taxas de evasão indicam que muitos não se adaptam aos métodos tradicionais de ensino, preferindo cursos técnicos ou certificações curtas. Além disso, a insegurança financeira e o alto custo da educação pesam na decisão de abandonar os estudos.
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É bom lembrar que esse tipo de classificação geracional possui certa arbitrariedade e, seguramente, não se aplica a todas as realidades sociais e econômicas. Serve como baliza para a sociedade estabelecer parâmetros gerais que permitam lidar com as indiscutíveis e vertiginosas transformações impostas pelo mundo cada dia mais tecnológico. Seria impossível às escolas tratar as crianças e adolescentes de hoje da mesma forma (e com os mesmos conteúdos) com que foram forjados os ‘baby boomers’ (nascidos até 1963), submetidos a tempos rigorosamente analógicos.
Diante das dificuldades de adaptação aos modelos tradicionais de ensino e trabalho, muitos da geração Z têm apostado no empreendedorismo digital. Criadores de conteúdo, lojistas online e freelancers estão por toda parte, usando redes sociais como principal ferramenta de trabalho. O problema? Muitos desses negócios não garantem estabilidade financeira e acabam resultando em longas jornadas de trabalho por pouca remuneração.
Além disso, o mercado de trabalho está cada vez mais enxuto e precarizado, com aumento de contratos temporários e ‘bicos’. Essa flexibilidade, que parece atrativa, esconde uma realidade preocupante: menos segurança financeira e ausência de benefícios trabalhistas.
Se antes era comum sair da faculdade e já conseguir um emprego estável, hoje a realidade é bem diferente. Salários defasados, alto custo de vida e dificuldades para conquistar independência financeira têm feito com que muitos jovens voltem a morar com os pais ou adiem planos de vida. Comprar uma casa ou um carro virou um sonho cada vez mais distante para essa geração.
Além disso, os Z tendem a priorizar empregos que reflitam seus valores pessoais e sociais, mesmo que isso signifique ganhar menos. Embora essa postura seja admirável, ela também gera desafios financeiros, especialmente em um mercado de trabalho que exige cada vez mais qualificação.
Diferentemente dos ‘millennials’ (veja quadro), que se engajaram fortemente em pautas progressistas, a geração Z tem demonstrado uma tendência ao afastamento dos debates políticos tradicionais. Pesquisas indicam que muitos jovens preferem se concentrar em questões individuais e pragmáticas, como estabilidade financeira e saúde mental, em vez de grandes ideais coletivos. Esse comportamento pode ser reflexo da insegurança econômica e da saturação de informações polarizadas nas redes sociais.
Além disso, alguns estudos e análises apontam para um crescimento da adesão a visões ideológicas mais conservadoras dentro desse grupo. Relatos e levantamentos indicam que parte da geração Z tem se identificado mais com pautas de ordem, disciplina e liberdade econômica, rejeitando discursos considerados excessivamente identitários ou ideológicos. Isso pode ser observado no aumento do apoio a figuras e partidos mais à extrema-direita em países como EUA, Reino Unido e Brasil.
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