NOTÍCIA
Consultor internacional aponta caminhos para manter a escola mais relevante e humana, alinhada às necessidades do presente e às incertezas do futuro
Reconhecido por atuar em projetos de reforma curricular em governos como os da Austrália e também em outros países, o educador e consultor internacional Phil Lambert conversou com a revista Educação sobre como preparar estudantes para os desafios globais do século 21. Professor adjunto na Universidade de Sydney e à frente de iniciativas da Unesco, OCDE e Banco Mundial, Lambert tem sido uma voz ativa em debates sobre equidade, inclusão e desenvolvimento sustentável dentro das salas de aula.
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Phil Lambert estará presente na Bett Brasil 2025*, em 29 de abril, às 17h, para o painel Educação para um futuro sustentável: o papel do currículo na formação de cidadãos globais. Será na plenária, térreo.
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Confira, a seguir, nossa entrevista exclusiva, realizada antes de sua viagem ao Brasil para o evento.
Um currículo voltado para o futuro precisa valorizar a importância do que capacita os jovens a navegarem nesse mundo complexo e, por vezes, volátil. Precisa equilibrar habilidades e disposições essenciais, assim como competências que os permitam ser pensadores críticos, bons cidadãos globais, inovadores e ágeis em seus pensamentos e comportamentos, respeitosos com os outros e éticos em suas ações.
Não se apegando a conteúdos e práticas que foram mantidos apenas por tradição e que ocupam espaço em um currículo já sobrecarregado. Em seguida, reconhecendo que conhecimentos e habilidades fundamentais são essenciais, mas não suficientes para a vida e o futuro do trabalho, se quisermos que os jovens não apenas sobrevivam, mas prosperem.
Phil Lambert liderou o desenvolvimento do primeiro currículo nacional da Austrália (foto: divulgação)
Para muitos estudantes, a escola pode parecer algo desconectado do que está acontecendo fora dela. Portanto, se queremos que os jovens vejam relevância no quê e em como estão aprendendo, os sistemas educacionais precisam utilizar tudo o que está disponível em seu ecossistema, local e globalmente. Isso significa abraçar a tecnologia — com medidas de segurança adequadas — e envolver profissionais de diversos setores para enriquecer as experiências de aprendizagem dos estudantes.
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Precisamos, com cuidado, garantir que todas as medidas de segurança estejam presentes para proteger o uso da tecnologia, como bloqueios para certos conteúdos. Mas também temos que ensinar aos jovens habilidades relacionadas ao pensamento crítico — reconhecer que toda informação fornecida foi construída, e que, como audiência, eles julgam se aquilo é válido, se contém algum viés.
E isso não dá pra fazer pelos métodos tradicionais de ensino. Então, de certa forma, temos que expor os alunos às realidades da informação, às fake news, às imagens falsas — mas de um jeito que possamos apoiá-los e orientá-los para que reconheçam os mecanismos de checagem e o equilíbrio que precisam adotar. É evidente que eles têm acesso à tecnologia fora da sala de aula, então, temos que ensinar as competências de letramento digital.
Devemos promover o respeito e os relacionamentos respeitosos, em termos de cultura, fé, religiões e gênero. Mas um dos primeiros passos é respeitar a própria identidade, garantir que os jovens se sintam bem consigo mesmos — com sua origem cultural, com qualquer que seja sua fé. Não basta que as crianças saibam as respostas certas, o que realmente importa é o comportamento que vemos na prática.
E, quando há atitudes negativas, precisamos reagir a elas e explicar por que são inapropriadas.
É claro que existem leis contra o discurso de ódio — isso seria, digamos, a intervenção em um nível mais extremo. Porém, o que deveríamos fazer nas escolas é aquilo que chamamos de prevenção primária. Ou seja, evitar que esses comportamentos negativos comecem.
Esses fatores são fundamentais para a implementação. Muitas reformas impressionantes não se concretizaram devido ao que normalmente se chama de ‘preparo dos professores’. Existem dois tipos de preparo: um é relacionado à formação e ao desenvolvimento profissional serem oportunos e darem suporte às mudanças necessárias.
O outro diz respeito aos sistemas de crença dos professores… eles estão dispostos a mudar o que e como ensinam? Para abordar esse segundo tipo de preparo, os líderes em todos os níveis precisam abraçar a mudança e comunicar com clareza os benefícios para os estudantes, os educadores e o país.
Outro ponto que não pode ser ignorado, se quisermos que reformas necessárias realmente aconteçam, é a avaliação. De pouco adianta mudar o currículo e investir em formação de qualidade se não houver mudanças correspondentes nas abordagens tradicionais de avaliação da aprendizagem e do progresso dos alunos.
Vocês têm um país lindo, uma população indígena, paisagens incríveis, áreas rurais e remotas… Muitos recursos naturais e regiões degradadas ambientalmente por negligência ou por práticas do passado que não foram sustentáveis. Então, há muitas semelhanças com a Austrália.
É importante reconhecer as particularidades do seu contexto, mas também é essencial perceber que os jovens, no futuro, vão trabalhar e se relacionar com pessoas de outros países, de outras culturas, em fusos diferentes — e, para tirar o melhor proveito disso, eles precisam ter uma visão global.
[…] Às vezes os dados podem ser enganosos. Eles podem mostrar que houve progresso, mas esse progresso — por exemplo, no caso das mulheres — pode estar concentrado em áreas urbanas ou mais desenvolvidas, sem atingir as mulheres em situações de maior vulnerabilidade ou das áreas rurais. Por isso, precisamos olhar constantemente para os dados e nos perguntar: “Quem não está se beneficiando da riqueza do país? O que podemos fazer para apoiá-los?”Ter um currículo voltado para o futuro significa ter sede por novos conhecimentos, isso implica ser curioso, incentivar os jovens a fazerem perguntas e a buscar respostas, mas também guiá-los nesse processo. [Quando se fala em empreender] não se trata apenas de garantir que a economia seja sustentável, mas também desenvolver o empreendedorismo social, que procura enfrentar as desigualdades, analisar os dados, entender as lacunas e encontrar estratégias [educacionais] para grupos específicos.
Porque, no fim das contas, precisamos elevar todos
Existem vários, sendo os mais importantes:
A primeira coisa, claro, é entender que o mundo é complexo. No trabalho que realizei no passado com a OCDE, falamos sobre um mundo VUCA, que significa volátil, imprevisível, complexo e ambíguo (em inglês, volatile unpredictable, complex, and ambiguous, que compõem a sigla). Esse é o mundo que nós, adultos, criamos para os jovens. Portanto, temos responsabilidade, e eles têm o direito de receber uma educação que os prepare para lidar com esse mundo — e não apenas sobreviver nele, mas prosperar.
O primeiro passo é ajudar os professores a compreenderem que a mudança já é uma realidade. Eles precisam ser ágeis, capazes de se adaptar com as novas tecnologias, de reconhecer que práticas antigas talvez não funcionem mais e de explorar o que é novo. Precisamos constantemente questionar o que ensinamos e por que estamos ensinando.
Eles precisam garantir que a liderança em todos os níveis seja transformadora. Ou seja, que as pessoas em posições de liderança tenham as habilidades e disposições necessárias para inovar. Em essência, as pessoas precisam:
*A Bett Brasil é um dos maiores eventos de inovação e tecnologia para a educação da América Latina. Em 2025, acontece de 28 de abril a 1º de maio, no Expo Center Norte, SP. E nós, da Educação, estamos fazendo uma cobertura especial. Clique aqui para ficar por dentro de tudo.
Nossa cobertura jornalística tem o apoio das seguintes empresas: Epson, International School e FTD Educação.
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