Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
Publicado em 13/05/2019
Supostos especialistas insistem em dar crédito ao rankeamento de escolas, como se isso fosse possível ou aceitável
Permiti que vos fale de um Felismino que adora elaborar rankings de escolas. Cedo se iniciou nessa admirável arte de hierarquizar. Ainda imberbe, sentiu-se atraído pelas classificações dos campeonatos de futebol, daí passou aos concursos das misses, entreteve-se a elaborar tabelas de várias competições, até que, já adulto, elabora rankings, crente de que uma prova avalia e de que as “boas escolas” são aquelas cujos alunos apresentam melhor desempenho em testes estandardizados. Um engano de alma ledo e cego, ingenuidade que qualquer compêndio de uma nova educação não deixa durar muito.
Leia também
Quem possuir alguns rudimentos de docimologia saberá quão falíveis são as provas e como são prejudiciais os seus efeitos. Mas o Felismino entretém-se a ordenar escolas em função dos resultados alcançados pelos alunos em exames de acesso à universidade, ignorante de outros modos de avaliar.
O rankismo é uma praga, um equívoco comprometedor da melhoria da qualidade da educação. As escolas mantêm-se coniventes com o estímulo da competitividade. Dogmas velhos cercearam a responsabilidade cidadã e um estado burocrático impõe um sistema de ensino centralizado, estruturas curriculares rígidas e modos de organização do trabalho escolar obsoletos. A pseudoavaliação, que ainda se faz em muitas salas de aula, inspira-se na mesmice de um modelo epistemológico falido, apenas age como instrumento de darwinismo social.
Lemos notícias de esgotamentos nervosos, de alunos a ingerir calmantes (ou estimulantes) antes dos exames. E alguém, que, por pudor, não identificarei, afirmou que ”sempre há de haver quem reprove”. Eis como a criminosa “naturalização” do insucesso se pereniza, no apelo ao mais feroz individualismo, à competição desenfreada.
Cada criatura desperdiça o seu tempo como lhe apraz. E nenhum mal daí viria ao mundo, se o Felismino não fosse considerado “especialista” em educação e não fizesse uma divulgação maciça de tolices como concursos de “professor nota 10”, ou de “melhor professor do mundo”. Mas, no Reino da Educação, reinam ridículos e nefastos Felisminos do marketing educacional. A capa de uma revista ostentava um sugestivo título: Conheça as melhores escolas para o seu filho. Mas, quais são as melhores escolas, as boas escolas?
“Especialistas” e jornalistas, para os quais as ciências da educação são ciências ocultas, passam para a opinião pública uma imagem simplista e deturpada do cenário educacional, produzindo propaganda enganosa. Entre o vestibulinho e o vestibular, muitas ditas “boas escolas” produzem aparências de aprendizagem e bonsais humanos. Quantos conteúdos da decoreba dos cursinhos se transformam em conhecimento ou competência, após o Enem? Quantos conformistas são produzidos nas “boas escolas”, que vão ocupar as cadeiras do poder, incapazes de uma postura humanista e inovadora?
Os Felisminos criam bancos de itens, para que os professores intensifiquem a aplicação de testes, horas a fio em preparação para exames. Perante notas deprimentes, pugnam por mais aulas de reforço (lamentáveis subprodutos de uma prática pedagógica lamentável), “com o intuito de melhorar o desempenho dos alunos”. E um dos Felisminos até afirmou que se deverá aplicar mais provas, ignorando que, na forma da lei e da ciência, a avaliação deverá ser formativa, contínua e sistemática. Os Felisminos ignoram que não é a preocupação com o termômetro que faz baixar a temperatura.
*José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
Um dos criadores do Pisa analisa o investimento público em educação no Brasil
Dia a dia do diretor escolar é destaque de exposição fotográfica