NOTÍCIA
Os membros do espaço escolar têm a importante função de orientar o aluno portador da doença, além de garantir uma alimentação baseada em recomendações médicas e nutricionais
Publicado em 15/04/2019
Classificado como doença crônica, o diabetes atinge mais de 882 milhões de pessoas no mundo inteiro. O Brasil é o quarto país com mais casos registrados – o índice beira os 12 milhões. Desse total, a Associação de Diabetes Juvenil (ADJ) estima que cerca de um milhão sejam crianças. Na infância e na adolescência, a manifestação mais comum da doença é a do Tipo I, que prejudica diretamente a absorção e a produção de insulina (hormônio responsável por quebrar as moléculas de glicose e transformá-las em energia). Dessa forma, o corpo torna-se incapaz de controlar a quantidade de glicose presente no sangue, o que pode ser muito prejudicial à saúde.
Para evitar o problema, o diabético é submetido a um tratamento que inclui a aplicação de doses diárias de insulina e um controle maior dos hábitos alimentares – a dieta deve conter todos os nutrientes (carboidratos, proteínas, gorduras, sais minerais, vitaminas, fibras vegetais e água).
Leia também
Série indígena Guerreiros da floresta apresenta a luta de lideranças Yanomami, Huni Kuin e Suruí
Em casa, os pais conseguem observar de perto se os filhos cumprem à risca todas essas recomendações médicas, mas e no ambiente escolar? A nutricionista Fernanda Castelo Branco, que trabalhou na ADJ, diz que é fundamental a equipe pedagógica estar bem informada sobre a patologia para poder auxiliar o aluno em diferentes situações. “Gestores, docentes e demais funcionários têm de buscar conhecimento para ajudá-lo. Só assim eles saberão quais são os cuidados básicos, como verificar se o estudante se alimentou antes de praticar atividades físicas ou se tem cumprido os intervalos corretos de cada refeição”, afirma.
Para Cristini Turatti, coordenadora do curso de Nutrição da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e autora de uma pesquisa na área, é importante que esse acompanhamento seja feito sem diferenciar a criança das demais (o estudante não pode ter privilégios ou privações). “Essa postura precisa ser estimulada pelo gestor da instituição a partir de conversas sobre saúde e palestras ministradas por especialistas da área. Toda a comunidade deve ser convidada a participar”, pontua.
Na hora da merenda, a atenção também deve ser redobrada para evitar que o aluno consuma itens proibidos e tenha complicações. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) foi criado pelo governo federal justamente para driblar esse problema. A Lei nº 12.982 (2014) determina o provimento de uma dieta adequada a quem tem condições específicas de saúde – sempre com base nas recomendações médicas e nutricionais. Nesse caso, os pais devem comunicar o problema à diretoria da instituição e apresentar o diagnóstico médico. O papel do gestor é preencher um formulário disponibilizado pelas secretarias de Educação dos municípios, anexá-lo ao laudo de saúde e encaminhar a documentação ao departamento responsável, que irá providenciar uma dieta especial para o aluno ou destinará uma verba para a compra dos produtos recomendados. “Todos têm esse direito. É importante que a família procure a escola para relatar o problema. Muitas vezes, as pessoas não têm acesso por pura falta de informação”, explica Fernanda.
Segundo ela, cabe ao diretor organizar e realizar campanhas que apresentem esse benefício tanto aos estudantes quanto aos seus responsáveis. Tal ação pode ser feita a partir da colocação de cartazes nas dependências da entidade, envio de comunicados para a família, palestras ou até mesmo em conversas informais durante as reuniões semestrais. “A dieta especial não irá diferenciar o aluno dos demais para não estimular o preconceito. O cardápio tem de ser saudável, então são poucos os ajustes que devem ser realizados”, diz.
Em relação à turma, Fernanda sugere a inclusão de atividades sobre saúde na carga horária de estudos. “Esse tipo de tarefa ajuda a desmistificar a doença e a mostrar que o diabético é igual a todos os outros”, diz.
Medicação
De acordo com Fernanda, não há uma lei que determine a presença de um profissional de saúde para orientar o tratamento durante o horário de aula. “Medicar não é papel da escola. Seria ótimo se houvesse esse serviço em todas as instituições, mas o que temos por enquanto são apenas projetos de lei”, conta.
Graça Maria de Carvalho, coordenadora do departamento de educação da Sociedade Brasileira de Diabetes, conta que alguns professores se habilitam a fazer os procedimentos necessários. No entanto, esse tipo de atitude envolve riscos. “A falta de conhecimento pode ser prejudicial e levar ao erro. Por isso, é importante agir em conjunto com os familiares, mais acostumados com a rotina dos pequenos”, ressalta.
Materiais de apoio
Informação é fundamental quando se trata de saúde. Mesmo sem a obrigação de cuidar do tratamento, a escola deve estar atenta ao comportamento do aluno diabético no sentido de orientá-lo, garantir uma alimentação mais saudável e evitar que ele coma alimentos prejudiciais à saúde. De olho nessa questão, a ADJ Diabetes Brasil disponibiliza um material online educativo chamado de programa Kids (Kids & Diabetes in Schools – Crianças e Diabetes nas Escolas; disponível com tradução). Trata-se de uma cartilha que explica o que é o problema e auxilia a equipe da instituição a proceder em diferentes situações do dia a dia. “Os educadores são importantes ferramentas de supervisão e apoio. Eles precisam conhecer esse universo e saber como lidar com ele”, alerta Fernanda.
Didático, o material foi criado pela Federação Internacional de Diabetes, entidade que representa mais de 220 associações em diferentes países. Com alto índice de portadores da doença, o Brasil e a Índia foram os dois países escolhidos para a avaliação e o teste do projeto. “Elegemos 15 instituições, entre públicas e particulares, para avaliar se o produto levaria a informação que desejávamos passar. Trabalhamos nisso ao longo de 2014, período em que oferecemos treinamento para os funcionários das instituições e realizamos ações preventivas com as crianças”, explica Fernanda.
Autoexplicativo, o conteúdo traz instruções a partir de histórias em quadrinhos protagonizadas por um personagem diabético, Tomás, de dez anos. Para facilitar o entendimento, a publicação foi dividida em quatro seções: alunos, familiares, pais com filhos diabéticos e equipe escolar. Entre as questões abordadas estão mitos sobre a doença, explicações sobre a função da insulina no organismo, o que é importante saber sobre hipoglicemia, exercícios físicos e a realização de atividades extracurriculares.
A indicação da ADJ é que o gestor use o material disponível para realizar diferentes atividades, como bate-papos durante a aula, ações recreativas e palestras com os pais. “O ambiente educacional é rico em trocas de experiências. Sugerimos que a equipe aproveite essa característica para falar de algo tão importante. Nosso objetivo agora é divulgar o material”, diz a nutricionista.
Na opinião de Graça, campanhas de conscientização como a promovida pela ADJ devem ser constantes – e não se limitar a escolas que tenham diabéticos em suas turmas. “Recomendo que o gestor organize palestras com especialistas em nutrição, leve conhecimento para pais e filhos e envolva a comunidade como um todo”, afirma. Ela acredita que esse tipo de abordagem estimula a criança a ter uma vida mais saudável, o que afasta risco de problemas futuros, como obesidade e até mesmo o diabetes.
Cardápio especial
Foi por meio de uma campanha feita pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo que a família de Gabriel, de quatro anos, descobriu que o filho poderia ter uma dieta especial durante o período de aula. Por ser diabético, ele não deveria ingerir alguns itens comuns na merenda da Escola Municipal de Educação Infantil Antônia de Oliveira Mora de Araújo, em São Paulo (SP). Quando soube do problema, a direção da escola logo solicitou o diagnóstico médico aos pais, preencheu e encaminhou o formulário necessário ao departamento responsável. Hoje, o garoto tem acesso a um cardápio balanceado, planejado de acordo com as suas necessidades.
A prefeitura paulistana tem aproximadamente 468 diabéticos na rede e um setor especial para atender a esse tipo de solicitação: o Departamento de Alimentação Escolar (DAE), que avalia o laudo enviado pela instituição de ensino e elabora um protocolo de atendimento ao estudante. Em seguida, a equipe de nutricionistas se encarrega de preparar o cardápio especial. “Temos o cuidado de deixá-lo parecido com o dos outros colegas, para que ele não se sinta excluído”, afirma a nutricionista Juliana Fiacadori Curi. O procedimento vale para diferentes tipos de doenças, como alergias, intolerâncias e problemas cardíacos.
De acordo com ela, cabe ao diretor verificar se as merendeiras estão seguindo as recomendações à risca. “Profissionais do setor também fazem visitas periódicas às escolas para verificar o andamento do processo”, diz.