NOTÍCIA
Passeio escolar, saída pedagógica ou estudos do meio. O mercado está cheio de opções e cresce a necessidade das escapadas da sala de aula
Publicado em 06/03/2015
Antes, havia o zoológico. Também o jardim botânico da cidade, às vezes. Mas já há algum tempo os passeios escolares deixaram a áura romântica de interior. Cada vez mais entregues pela escola a empresas turísticas, mudaram de nome e ganharam status de diferencial de marketing para os pais e de cunho pedagógico para os professores. E a cada ano que passa aumentam as opções, devido, principalmente, à necessidade das empresas que organizam as excursões de conquistar os corações das escolas em um mercado com número crescente de concorrentes. Para os gestores, resta a dúvida sobre que tipo de serviço oferecer aos seus alunos. E, afinal, para que servem esses passeios? Quais são suas vantagens pedagógicas?
Terceirizar os passeios ainda é visto com reticência por várias escolas, ressalta um dos diretores da ATM Turismo, Kleber de Menezes Dória Jr. “As saídas pedagógicas organizadas por empresas de turismo especializadas ainda são novidade para várias escolas que permanecem na mentalidade do ‘passeio’. Nem todas entendem que somos facilitadores da logística e que, além de serem conhecedores do assunto, nossos educadores têm o conhecimento da estrutura e das rotinas dos locais aonde vamos, algo que só é possível através dos nossos treinamentos e ao longo de inúmeras visitas feitas anteriormente”, avalia.
Outra opção para os gestores são os acampamentos, que há alguns anos começaram a se associar às escolas para oferecer programas com valor pedagógico, ultrapassando a barreira do papel antes desempenhado apenas na educação informal. Em atividade desde 1953, no ano 2000 o NR Acampamentos criou um programa de imersão em inglês, voltado especificamente para a transição da 5ª para a 6ª série do ensino fundamental, em que são desenvolvidas atividades cooperativas envolvendo trabalho em equipe, organização e planejamento. Outra opção é um programa focado em liderança e empreendedorismo social, mais indicado para alunos da 7ª série ao ensino médio. “No começo muitas escolas não entendiam a diferença deste programa para os outros. Foi só quando grandes escolas, muitas delas com enfoque específico em empreendedorismo, resolveram experimentar, que a procura aumentou”, explica o gerente de projetos do NR, Kito Vivolo.
Já o Acampamento Paiol Grande oferece projeto que abarca as atividades pedagógicas realizadas em parceria com escolas para a faixa etária do ensino fundamental II. O foco é nas áreas de Ciências Naturais, História, Geografia e Temas Transversais, combinando atividades ao ar livre com o aprendizado dos conteúdos propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais.
No caso do ensino médio, os alunos têm também experiências de aventura, de superar limites e o medo do desconhecido, inclusive envolvendo os jovens no planejamento dos passeios. “São excursões e viagens que compreendem caminhadas, esportes radicais e até acampar em locais de natureza preservada”, conta o gerente-geral Ricardo Moraes.
Terceirizar ou contratar
O que Dória Jr., da ATM Turismo, defende é que, contratando uma empresa, o professor ou professora que leva seus alunos a um parque não precisará se preocupar com o trajeto, desembarque dos alunos, estacionamento, horários de saída e chegada para não atrasar o retorno à escola, localização de banheiros, bebedouros, os caminhos, obstáculos das trilhas, local para lanche e uma lista imensa de outros detalhes que são cuidados pelas empresas de turismo pedagógico.
Mas há justificativas tanto para a opção pela terceirização quanto pela organização dos passeios dentro da escola. “Terceirizar as saídas possibilita oferecer maior segurança e tranquilidade para os pais e as crianças, que usufruem da saída pedagógica de maneira mais confortável. Com este suporte, as saídas tornam-se mais dinâmicas e assistidas”, diz a coordenadora assistente do ensino fundamental I do Colégio Vital Brazil, Glaucy Alencar.
Já a diretora do Colégio Internacional Ítalo Brasileiro, Carla Gomide, acredita que terceirizar os passeios “tira a responsabilidade de organizar a saída pedagógica quando esta não envolve funcionários da escola”. “Organizar dentro da própria escola traz a possibilidade de escolhermos a empresa de ônibus de nossa confiança e melhor qualidade, a equipe que irá acompanhar, e de planejarmos detalhes como o lanche de acordo com o que desejamos”, explica Carla.
Há ainda quem entenda que é possível ajustar-se para tirar o melhor dos dois mundos, caso da diretora educacional do Colégio Aprendendo a Aprender e coordenadora pedagógica da rede de escolas do Grupo A, Adriani Escudero Magalhães: “Acreditamos muito na parceria. É importante termos o suporte de uma assessoria [de turismo pedagógico], mas contratamos do nosso jeito, ou seja, com tudo que a nossa escola exige”.
E quais são essas exigências? Segurança foi o tema a surgir primeiro tanto nas conversas com as escolas, quanto com as empresas. “Sempre segurança e saúde [em primeiro lugar]. Foi-se o tempo em que fazer saída escolar era encher um ônibus de crianças e sair cantando e brincando. Cada detalhe precisa ser analisado minuciosamente”, diz Dória Jr.
De acordo com o responsável pela ATM Turismo, é preciso atentar para a infraestrutura do local, como a própria segurança da área a ser visitada, banheiros, higiene, locais para alimentação; checar as condições dos carros que farão o transporte, se os cintos de segurança estão acessíveis e funcionando, estado de conservação, trava das janelas, ar-condicionado, banheiro, aparelho de DVD para filmes pedagógicos e recreação, microfone, água potável; garantir que os educadores que farão a monitoria tenham treinamento específico para atuar nos estudos de meio, sejam eles da escola ou da empresa terceirizada, pois é preciso que gostem do trabalho com o público fora do ambiente escolar e que estejam aptos a lidar com as diferenças de cada grupo.
Acampamento Paiol Grande: aprendizado ao ar livre |
“Um planejamento cuidadoso é a melhor maneira de evitar imprevistos e garantir que a visita seja positiva para todo o grupo. É fundamental prever e planejar com antecedência para evitar incidentes e situações indesejadas”, ressalta Glaucy Alencar.
Seguindo a linha da prevenção de crise, Dória Jr. complementa. “Levar kit de primeiros socorros e treinar os adultos responsáveis para usá-lo, ter um carro de apoio para estudos do meio fora da cidade e ter uma equipe de segurança que acompanhe os alunos durante toda a saída são outros pontos que precisam ser levados em consideração.” Carla Gomide, do Ítalo Brasileiro, lembra ainda de um ponto que nem sempre é ressaltado para os pais com o devido zelo: “Ter todos os alunos uniformizados ajuda bastante na questão da segurança”.
Os pais, aliás, são peças-chave para o sucesso das atividades extramuros, e ter sua colaboração passa por uma estratégia adequada de comunicação da escola. Há um senso comum entre as instituições de que o ideal é realizar ao menos de uma a quatro saídas por ano, e de que é preciso avisar os pais com antecedência.
No Ítalo Brasileiro, por exemplo, o cronograma dos passeios é apresentado no começo do ano letivo: “Explicamos logo de início que as saídas são de grande importância para o aprendizado do aluno. No decorrer do ano, reforçamos a comunicação enviando avisos mensais de todas as atividades, que são complementados com lembretes quando a data do evento se aproxima”, explica Carla.
A importância da comunicação antecipada está diretamente ligada à capacidade de os pais se organizarem financeiramente para darem conta da demanda extra que representam as excursões, como frisa Glaucy Alencar: “É oportuno que o calendário também seja repassado em reunião de pais e que o colégio, juntamente com a agência, ofereça a possibilidade de parcelar o valor da saída para minimizar os gastos da família”.
A estratégia utilizada pelo Grupo A envolve balancear os custos, como esclarece Adriani Magalhães: “O que é importante é equilibrar as saídas financeiramente, ou seja, um passeio mais caro para outros dois ou três mais acessíveis. Os mais baratos podem ser divulgados com um mês de antecedência e um passeio como o acantonamento, que tem um custo maior, com ao menos dois ou três meses de folga para que os pais possam parcelar o pagamento”.
Ir além do zoológico, no entanto, não significa deixar de passar por ele. “Ir ao zoo é uma vivência que nunca ficará ultrapassada, ainda mais para quem mora em uma cidade grande, onde eles provavelmente terão contato com uma diversidade grande de animais somente lá”, pondera Carla Gomide, e Adriani Magalhães complementa: “Nada está ultrapassado, tudo depende de como se monta o projeto da saída”.
Dória Jr., da ATM, vai mais fundo: “Se, numa visita ao zoológico, mostrarmos aos alunos, através das lentes dos binóculos que oferecemos a eles, que estão estudando sobre adaptações ao meio, detalhes sobre as membranas interdigitais das aves aquáticas, o falso chifre do rinoceronte, a cauda preênsil dos primatas, garanto que terão a curiosidade cada vez mais aguçada e se interessarão muito mais pela atividade e pelo zoológico como um todo”.
“O que está ultrapassado é fazer um passeio ‘comum’, diz Kito Vivolo, do NR, viés que vai ao encontro da crença de Ricardo Moraes, do concorrente Paiol Grande: “O foco desses programas não deve ser no local a ser visitado e sim no programa curricular desenvolvido e na metodologia empregada. A grande tendência é envolver o aluno afetivamente com o conteúdo explorado, motivando-o a investigar e descobrir saberes, porque aprendemos aquilo que nos faz – ou é – sentido”.
Valor pedagógico |
Pelos alunos, as excursões, acampamentos e estudos de meio são sempre aguardados com ansiedade por motivos que, à primeira vista, nem sempre parecem estar diretamente conectados com um olhar mais pedagógico sobre o evento. Um dos grandes desafios é justamente “balancear o passeio entre os objetivos acadêmicos e a necessidade ou expectativa que os alunos têm de se divertir”, diz Ricardo Moraes, do Paiol Grande. “O passeio deve atingir os objetivos educativos de uma maneira lúdica e vivencial, pontos críticos para o sucesso da atividade.” A leveza, a novidade do ambiente extraclasse não são atrativos só pela diversão em potencial, mas fatores que têm papel fundamental no processo de aprendizado: “Ao longo destes 32 anos em que venho trabalhando com estudos do meio, o que constato é que a experiência de uma vivência in loco nunca será substituída por imagens de internet ou textos de livros. Por mais simples que uma saída de estudo do meio seja, não importa sua duração ou distância, se for bem planejada, no mínimo ela estará oferecendo integração, independência, organização, sociabilização, conhecimento, além da vivência”, analisa Kléber de Menezes Dória Jr., da ATM Turismo. Por outro lado, é necessário analisar se a saída vai contribuir realmente para o aprendizado e se de fato complementa a matéria ensinada em sala de aula, crença de Carla Gomide, diretora do Colégio Internacional Ítalo Brasileiro. “Também há de se pensar se existem maneiras melhores de abordar o conteúdo, com ajuda de novas tecnologias. Temos experiências utilizando a ferramenta Google Art Project, que possibilita um tour virtual gratuito pelos principais museus do mundo como o Van Gogh Museum. É realizada a leitura interdisciplinar e crítica da obra em sala de aula e, quando possível, é agendada a visita presencial a uma instituição cultural”, exemplifica Carla. O Ítalo tem usado ainda o Google Hangouts, serviço de transmissões de vídeo on-line em tempo real. “Uma turma realiza a visita presencialmente e explica a matéria para uma outra que ficou em sala usando a ferramenta [Hangouts]. O importante é sempre trabalhar para sair da mesmice.” Moraes destaca que o grande desafio, no entanto, é fazer com que o passeio de estudo do meio seja totalmente integrado ao calendário e ao planejamento escolar. “É preciso que as saídas sejam parte integral do projeto acadêmico da escola e isto é um processo contínuo que requer empenho da escola em conhecer as propostas de estudo do meio que existem |