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Psicopedagoga especializada em neuropsicologia, Adriana Foz ressalta: o processo de desenvolvimento é individual e o professor é o responsável por conhecer seus alunos
Publicado em 10/08/2012
Psicopedagoga de formação, especializada em neuropsicologia, Adriana Foz pesquisa a relação entre as recentes descobertas da neurociência e seus benefícios na área educacional. A pesquisadora integra o projeto Cuca Legal, da Universidade Federal de São Paulo, que procura, ministrando oficinas temporárias a professores, promover a saúde mental nas escolas. Divulgadora de conceitos como “janelas de oportunidades” e “plasticidade emocional”, ela defende que, denominando situações vividas pelos seres humanos, é possível ajudar os professores a entender o desenvolvimento de seus alunos.
Adriana Foz: a neurociência jamais vai substituir a pedagogia |
Na entrevista a seguir, concedida durante o I Simpósio Internacional de Neurociências, Saúde Mental e Educação, realizado em julho, em São Paulo, sob sua coordenação, Adriana destaca as descobertas da área que podem ajudar o dia a dia dos professores, comenta a relação entre educação e neurociência e conta como a experiência de ter passado por um Acidente Vascular Cerebral (AVC) a levou a pesquisar o funcionamento do cérebro.
Quais são os pontos de encontro entre a educação e a neurociência?
É o cérebro que faz com que sejamos mais ou menos capazes de aprender. A neurociência é a ciência que estuda o cérebro e o comportamento. O professor se utiliza do instrumento cérebro e precisa lidar com comportamento. Mas ele tem a função de mediar a formação, não tem de diagnosticar se a criança é hiperativa ou disléxica. É preciso apenas entender que existe essa ciência e que ela é uma ferramenta para sua prática.
A neurociência tornou-se imprescindível para o educador?
É importante que o professor saiba sobre descobertas da neurociência, como as “janelas de oportunidades”. Ele não precisa ser neurocientista, mas se tiver condição de ter essa informação, isso vai ajudá-lo a ter mais facilidades em determinadas tarefas. Mas temos de tomar cuidado em não lançar um monte de “deves” ao professor. Eu diria: ele pode estudar neurociência se achar que vai ajudá-lo em sua prática. Se temos agora as informações da neurociência, por que não se utilizar delas, para se ajudar?
O que é o conceito “janelas de oportunidades”?
É um conceito batizado pelos americanos. A janela de oportunidades é algo que se encerra. Se a visão de uma criança, por exemplo, não for estimulada entre os 0 e 4 anos, ela perderá a capacidade de enxergar. Isso é uma janela que se fecha, uma fase que não tem volta. Eu procuro destacar a diferença entre janelas de oportunidade e “períodos sensíveis”. Períodos sensíveis são os mais propícios para uma determinada aprendizagem, para o desenvolvimento de uma habilidade. Por exemplo: é muito melhor aprender jogar futebol antes dos dez anos, do que quando se tem 40 ou 50 anos. Antes dos dez anos é o período sensível para aprender a jogar futebol. Embora se possa aprender a jogá-lo com 100 anos, não se terá a mesma eficiência nessa idade. Os professores de crianças da educação infantil têm de estar atentos à conduta de crianças tão pequenas, porque a neurociência nos explica que se deixamos passar muito tempo desses períodos de desenvolvimento, o problema do aprendizado cresce.
E a “plasticidade cerebral”, do que se trata?
É uma capacidade inerente do cérebro, ou seja, todos os cérebros têm. É uma qualidade do sistema nervoso central, que não precisa ter sua consciência para ser empregada. Ela é a pré-condição para que o seu organismo se regenere. O corpo faz plasticidade cerebral em três momentos: na sua situação do desenvolvimento – quando ele faz as trocas e as podas neuronais; quando se está fazendo alguma aprendizagem; e quando se tem uma lesão. Se você quebrar alguma parte do corpo e não tratá-la, ela vai se juntar. Só que ela vai se juntar de uma forma melhor ou de uma pior, dependendo da sua reação, do ambiente do tratamento e do tipo de estimulação que você fizer.
Então, no ambiente de sala, o aluno a emprega involuntariamente?
Sim. Mas vou te contar uma coisa em primeira mão, um entendimento para além da plasticidade cerebral. É um conceito inédito: a “plasticidade emocional”. Ela tem as mesmas bases da plasticidade cerebral, mas conta muito mais com a consciência. Com ela, você tem de usar recursos como treino, perseverança, otimismo e uma série de outros quesitos. Se você tem uma lesão cerebral no hemisfério esquerdo, por exemplo, a plasticidade cerebral vai fazer compensações para recompensar o que foi lesado. No entanto, é a plasticidade emocional que te dará a flexibilidade para mudar rotas e conseguir alternativas para um novo desenvolvimento da função lesionada ou perdida.
As janelas de oportunidades, por exemplo, podem ser percebidas pelo professor na prática? O entendimento deve necessariamente partir de um estudo teórico?
O professor sabe muito mais do que imagina. Só que, às vezes, não tem a sistematização desse saber. Um professor pode conhecer bastante uma criança, pela experiência que tem, pelo número de horas que ficou com ela, mas se ele não tem a informação correta para interpretar suas percepções, incorre em erros na ajuda do processo de ensino dessa criança e em erros de julgamento.
A neurociência não resume a prática pedagógica a uma mera relação científica e comprobatória?
Nada substitui o contato humano. O professor que, no meu entender, tem hoje uma função de mediador, é o instrumental humano, que também tem emoções, seu próprio desenvolvimento e sua história e que faz a mediação da informação do conhecimento para o aluno. A relação que tem de haver entre o ato de educar e qualquer outra prática, entre o professor e qualquer outro profissional, tem de estar vinculada à própria práxis. Essa práxis pode, sim, se utilizar de outras ferramentas e de outros instrumentos e conhecimentos. Essa é a relação que eu vejo entre a neurociência e o ensinar. O professor pode buscar informações nela para otimizar sua prática. Mas isso jamais vai substituir a pedagogia. Porque na neurociência não conseguimos recriar a ferramenta humana. Ela serve para instrumentalizar, para ajudar. Se você entende melhor o que está acontecendo no cérebro de uma criança, você pode mediar esse conhecimento para chegar até ela com mais facilidade
Até onde a neurociência pode embasar a prática de ensino?
A neurociência não consegue ver quando o aluno não está fazendo a tarefa porque está muito cansado. Mas o professor pode ver isso, pode sistematizar, saber qual técnica usará naquele momento e, com sua criatividade, refazer condutas de ensino. O professor terá sempre a competência de poder escolher o momento de adequar a informação da neurociência. A grande questão é que não somos todos iguais. Cada cérebro, cada encéfalo, é como uma impressão digital, é completamente diferente um do outro. Por quê? Porque temos nossas necessidades distintas ao longo da vida, nossas trajetórias, nossos desenvolvimentos e isso nos torna únicos. E como os alunos são únicos, e o professor também é único, há sempre acomodações e modelagens a serem feitas para que os objetivos possam ser alcançados.
Quais são os principais mitos sobre o funcionamento cerebral que podem atrapalhar os professores ao lidarem com o processo de aprendizagem?
Há várias lendas urbanas. Essa história de que só se usa 10% do cérebro é mito. Nós usamos o cérebro todo, só que se formos mais estimulados, usaremos melhor, e se formos menos, usaremos menos eficientemente. Outro é dizer que se não pode ensinar uma segunda língua para uma criança antes que ela complete sete anos. Até hoje encontro professores dizendo isso. Nascemos com quase 100 bilhões de neurônios e nós vamos desgastando-os e trocando-os, ao longo da nossa evolução. Essas trocas é que fazem com que tenhamos mais ou menos capacidade de aprender. Então, quanto mais neurônios se tem para aprender a segunda língua, mais eficiente é. Eu tenho uma paciente de mais de 50 anos que aprendeu a quarta língua porque quer exercitar o cérebro. Ou seja, enquanto formos vivos, podemos aprender sempre. Temos períodos melhores ou piores para aprender.
Por que estudar esse assunto?
Há 12 anos sofri um AVC, um acidente vascular cerebral hemorrágico. Embora seja o mais raro, é o mais grave. Perdi uma série de funções, fiquei com metade do corpo paralisado. Perdi a fala e a memória. Imagina o que era para uma educadora, uma psicopedagoga, não saber ler, nem escrever? Nesse momento fui buscar a neurociência mais intensamente. Por procurar os estímulos corretos, entendi os caminhos certos para recuperar essas habilidades, claro que de uma maneira específica, pois era o meu caso. Cada um tem um tipo de processo individual de desenvolvimento. Enquanto os educadores não olharem para isso, assim como os médicos e os psicólogos, pouca gente vai ganhar. Pude realmente aprender o significado de plasticidade emocional.