NOTÍCIA
Para o presidente do Inep, adoção de sistema baseado em avaliação e metas cria compromisso de gestores com a educação e mostra aonde devemos chegar
Os resultados das avaliações devem ser utilizados como um mecanismo de controle social da educação. Esta idéia, defendida pelo presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Reynaldo Fernandes, ganhou materialidade em abril último, com o lançamento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Economista formado pela Universidade de São Paulo (USP), Fernandes é o idealizador do novo índice, principal instrumento de monitoramento da qualidade do ensino no Brasil até 2022, ano do bicentenário da Independência. Por meio do Ideb também foram estabelecidas metas a serem cumpridas pelos Estados e municípios que aderirem ao Compromisso Todos pela Educação, firmado com o Ministério da Educação (MEC). O mote do Ideb é criar uma mobilização em nível nacional, de modo que todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem se unam para melhorar a qualidade da educação. Na entrevista a seguir, concedida a Marta Avancini, Fernandes dá detalhes sobre a estratégia.
Como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi concebido?
Existem dois importantes tipos de indicadores de resultados educacionais: os de fluxo e os de desempenho em provas padronizadas. No final dos anos 80, deu-se ênfase ao fluxo, pois havia uma alta taxa de repetência. A partir de 1995, com a implantação do Saeb, aumentou a ênfase sobre as notas em exames padronizados. Percebeu-se que, se por um lado o fluxo melhorou, por outro o desempenho caiu. Aumentou, então, a percepção de que essas coisas deveriam ser vistas em conjunto. Uma escola que reprova um número grande de alunos e aprova só os melhores terá um bom índice de desempenho – mas não é uma boa escola. Outra, em que todos os alunos são aprovados, mas não aprendem, apresentará bons índices de fluxo – mas também não é uma boa escola. Dessa perspectiva surgiu a idéia de criar o Ideb, concebido para ser um índice que usa nota e fluxo, simples de calcular e o mais desagregado possível, ou seja, pode ser obtido por escola. Para calculá-lo, usamos a taxa de aprovação, fornecida pelo Censo Escolar da Educação Básica, e a nota alcançada no Saeb e na Prova Brasil.
Como o índice ajudará o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e o debate sobre a qualidade da educação?
O Ideb permite ter um único indicador de resultados educacionais e é fácil de ser operacionalizado, o que facilita a tarefa de fixar metas educacionais. As taxas de aprovação dos países desenvolvidos estão em torno de 96%. É a esse patamar que queremos chegar. Mas queremos que o aluno seja aprovado sabendo o conteúdo.
Para estabelecermos a meta de desempenho, tomamos como base o Programa de Avaliação Internacional de Alunos (Pisa), projetamos o desempenho médio dos países desenvolvidos, já que esses países não têm Ideb, e chegamos ao índice 6. Esse é, hoje, o desempenho de países como a Espanha e os Estados Unidos. No Brasil, a média da 4ª série é 3,8. Queremos chegar a 6 em 2021. É uma meta difícil e, para atingi-la, o PDE tem programas de apoio técnico e financeiro às redes com maiores problemas, mas depende muito da mobilização de toda a sociedade.
Por que 2021?
É uma data simbólica. As pesquisas para verificar se alcançamos a meta serão feitas em 2021 e divulgadas em 2022, no bicentenário da Independência. Antes disso, as metas intermediárias bianuais permitirão acompanhar a evolução rumo ao objetivo maior, que é levar o Brasil ao Ideb 6 – cada rede, cada Estado, município e escola terá de melhorar.
Nosso projeto prevê que essa meta seja atingida em 2021 pela 4ª série do ensino fundamental. Quatro anos depois, esse índice deverá chegar à 8ª série. Mais três anos, e o Ideb 6 deverá ser a média no ensino médio. O compromisso é com a geração que está chegando agora ao sistema.
De que maneira o Ideb pode influenciar positivamente a qualidade de ensino?
Há uma meta para o Brasil e há metas por escola. Fixada a meta, foi utilizado um modelo para projetar o caminho que o país tem de percorrer. Esse caminho aponta o que chamamos de "esforço". Tomando como referência esse "esforço", é analisada a posição de cada município e de cada escola, a fim de determinar onde eles estão e aonde eles têm de chegar para que o Brasil atinja a meta no prazo estabelecido.
Dessa forma, os que já estão numa posição mais alta do que a média terão uma meta acima da média. É o caso de São Paulo, por exemplo. Já a meta de um Estado como a Bahia é menor que 6, porque eles estão numa situação diferente. O compromisso é com o esforço que cada um tem de dar para que o Brasil atinja a média 6. E esse "esforço" deverá ser mais intenso para quem está abaixo e menos intenso para quem está acima da média. Dessa forma, a desigualdade regional diminuirá.
Como esse "esforço" vai se materializar em ações voltadas para a melhoria da qualidade da educação?
O programa é estruturado num sistema de metas, estabelecido de trás para a frente. Primeiro: onde nós queremos chegar? Em 2021, nós queremos que o Ideb nacional seja 6. Passo dois: qual o esforço que cada Estado, município e escola tem de fazer? Cada um tem a sua meta, estabelecida de dois em dois anos, até 2021. Como fazer isso? Fundamentalmente, o Compromisso Todos pela Educação, que integra o PDE, atua nesse sentido. O MEC passa a acompanhar as metas do Ideb e a vincular os repasses voluntários ao alcance dessas metas, oferecendo apoio às redes com maior dificuldade. Esse apoio virá na forma de recurso e/ou assistência técnica às redes que se comprometerem com os resultados de aumento da qualidade educacional. Equipes do MEC se articularão às equipes locais e proporão medidas dentro das 28 diretrizes expressas pelo Compromisso, por exemplo, na área de formação de professores. O MEC não tem um papel centralizador, mas pode contribuir para que o país atinja essa meta. Também é imprescindível que a sociedade se envolva nesse processo. A sociedade tem de cobrar do prefeito que não cumprir as metas, que não se comprometer com elas. Boas práticas precisam ser divulgadas, não apenas pelo MEC, mas pela sociedade, pela imprensa. Os estudos mostram que grande parte das inovações educacionais ocorrem em sala de aula, essa prática precisa vir da sala de aula para a escola e da escola para o sistema. Na Inglaterra, as boas escolas são colocadas em contato com as que têm problemas.
A idéia de se definir uma referência única, nacional e objetiva para todas as escolas do país foi inspirada em alguma experiência internacional?
É uma tendência internacional. A partir do final dos anos 80, surge a idéia de avaliações mais centralizadas na Europa e nos Estados Unidos. Os Estados Unidos, um país muito descentralizado, têm, hoje, uma lei federal que obriga cada Estado a avaliar os alunos e a divulgar os resultados. Além disso, as pesquisas mostram que nas localidades onde é realizada avaliação por escola as notas aumentam mais rapidamente. Antes do No Child Left Behind [lei aprovada em 2002, no governo Bush, que visa à melhoria da qualidade da educação por meio de um sistema de prestação de contas baseado em resultados], a maioria dos Estados já tinha sistema de avaliação. Nos que primeiro criaram um sistema, a evolução do desempenho dos alunos foi mais acentuada. Esses sistemas fazem com que as escolas e os dirigentes dos sistemas (secretários, prefeitos e governadores) se sintam responsáveis pelo desempenho. É a idéia de respon-sabilização, de accountability.
Usamos a experiência internacional, mas fizemos um índice para a realidade brasileira. Aqui há o problema da repetência, que quase inexiste nos países desenvolvidos. Outra coisa: em geral, quando se põem metas, cria-se uma meta igual para todos. Não fizemos isso, calculamos um "esforço", metas individuais, a fim de criar condições para que a meta geral seja atingida. Isso é inovador.
Como isso funciona em outros países?
Nos Estados Unidos, por exemplo, é estabelecido um patamar e se define que uma proporção de alunos tem de estar acima dele. É uma meta para todo mundo. A lei obriga que cada Estado tenha um padrão e que o cumpra. Desse modo, em Oklahoma, 90% dos alunos estão acima do padrão e em Massachusetts, 45% dos estudantes. Mas qual é o padrão de um e de outro? Massachusetts é muito melhor. O grande problema deles é que não há uma avaliação unificada como a nossa, o que impede uma visão global.
Há quem defenda que esse sistema pode gerar distorções no currículo, além de instaurar uma meritocracia.
Isso é polêmico no mundo inteiro. Primeiro, os estudos empíricos mostram que a divulgação dos resultados de avaliações por escola e a fixação de metas melhoram as notas. Não há dúvida quanto a isso. Antes, era tudo muito "eu acho", agora não. Existem as experiências dos anos 90, com estudos e resultados inequívocos. Quando se cria um sistema de avaliação e passa a haver responsabilização pelos resultados, os gestores vão se preocupar com as notas e as metas. Qual é a defesa desse sistema: se existe um mecanismo para atribuir responsabilidades, os gestores vão melhorar o ensino. Quais são as críticas? Eles podem tentar falsear as notas, excluir os alunos mais fracos. Nos Estados Unidos, isso aconteceu. Esses argumentos não têm como ser revidados. Mas não se pode deixar de dar um "remédio" para a educação por causa dos efeitos colaterais que ele pode causar. Temos de ver se é melhor ou pior para a qualidade da educação. Acho que é melhor. Os efeitos colaterais devem ser combatidos. Quando a primeira-ministra Margareth Thatcher fez a reforma educacional, diziam que era uma visão de direita. Quando o Tony Blair se tornou primeiro-ministro, acreditavam que ele suspenderia a reforma. Mas ele a reforçou e combateu os "efeitos colaterais". Criou um programa de combate à exclusão dos piores estudantes, e as expulsões de alunos diminuíram absurdamente.
Como o senhor vê a vinculação entre cumprimento das metas e distribuição de recursos?
Uma coisa importante é reconhecer o mérito, senão é muito desestimulante. Divulgar as boas práticas, as boas experiências. Os recursos que serão distribuídos em função das metas são do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). Mas a questão não é só dinheiro, e sim o reconhecimento social por um bom desempenho conquistado. Agora, os alunos das escolas ruins não têm culpa. Vamos tirar recurso dessa escola? A postura não deve ser essa, é a rede que deve ser responsabilizada. O dia em que um prefeito perder a eleição porque foi mal na educação, não cumpriu as metas, aí estaremos no caminho correto. O aluno não pode ser punido.