NOTÍCIA

Políticas Públicas

Autor

Luciana Alvarez

Publicado em 26/11/2025

Promessa antiga, Sistema Nacional de Educação vira lei

Entenda como o SNE pode organizar a educação e gerar efeitos em pequeno, médio e longo prazo

Ele estava previsto na Constituição de 1988, mas ficou no papel. Mais tarde, no Plano Nacional de Educação de 2014, virou meta para 2016 que não se concretizou. Com tantos anos de atraso, mas sob muita comemoração, em outubro deste ano finalmente o Sistema Nacional de Educação (SNE) ganhou contornos em uma lei. Sua função é articular a oferta da educação em território brasileiro, que atualmente acontece de forma fragmentada. Entre os principais pontos, o texto determina a criação de comissões entre os entes federativos, a integração de dados, avaliações com parâmetros comuns e mais autonomia para comunidades indígenas e quilombolas.

A diretora-executiva do Instituto Reúna, Katia Smole, ressalta que a criação do SNE visa resolver um problema estrutural que interfere na qualidade da aprendizagem, pois, com as responsabilidades mal divididas entre governo federal, estados e municípios, há sobreposições de ações e desigualdades regionais. “Mas é importante ser realista: os efeitos sobre a aprendizagem não virão de forma imediata. No curto prazo, veremos avanços institucionais, como a instalação de comissões, integração de dados”, ressalta.

No médio prazo, os impactos concretos nas escolas podem vir com melhor distribuição de recursos, formação mais consistente para professores e acompanhamento mais equitativo das aprendizagens, elenca a diretora do Reúna.

“Efeitos sobre a aprendizagem não virão de forma imediata. No curto prazo, veremos avanços institucionais, como a instalação de comissões, integração de dados”, diz Katia Smole, do Instituto Reúna (Foto: arquivo pessoal)

Sistema Nacional de Educação: o que está previsto

Um dos mecanismos previstos é a criação da Comissão Intergestores Tripartite (Cite), presidida pelo ministro da Educação e composta por seis representantes da União, seis representantes de secretarias estaduais de Educação e seis representantes de secretarias municipais de Educação. Haverá ainda as Comissões Intergestores Bipartite (Cibes), formadas por seis representantes do respectivo estado e seis dos seus municípios. “Na prática, as decisões sobre políticas educacionais passarão a ser construídas de forma mais coordenada, com maior definição de responsabilidades, metas conjuntas e acompanhamento de resultados”, explica Katia Smole.

Outro ponto importante do SNE é a instituição de um regime articulado de avaliações. “É para que o país tenha parâmetros nacionais comuns, por exemplo, a definição do que é uma criança alfabetizada na escala Saeb, mas preservando a possibilidade de instrumentos complementares regionais”, afirma Katia. 

Ou seja, teremos uma base nacional que permitirá comparar resultados e acompanhar o desempenho dos estudantes em todo o Brasil, preservando-se a autonomia de estados e municípios para aplicarem instrumentos de acordo com o contexto local. “O SNE propõe uma estrutura de cooperação que torne o processo avaliativo mais coordenado, evitando duplicações e lacunas que hoje comprometem o uso pedagógico dos dados”, diz ela.

Embora seja considerado necessário e urgente, o SNE não deve ser encarado como revolucionário ou absolutamente inédito. Muitos o comparam ao Sistema Nacional de Saúde (SUS). Mas Cesar Callegari, presidente do Conselho Nacional de Educação, lembra que o Brasil já tem alguns sistemas em pleno funcionamento mesmo na área da educação, como o sistema que garante o financiamento — Fundeb —, e o que garante a distribuição de materiais didáticos — PNLD. Uma das inovações desse novo sistema será a agregação de dados por estudante numa Infraestrutura Nacional de Dados da Educação. “As informações já existem, mas ficam dispersas”, explica Callegari.

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A criação de um número único de cada estudante pode até parecer uma mudança meramente técnica, mas deve provocar melhorias na vida dos gestores, professores e dos próprios alunos. “O estudante muda de escola e, às vezes dentro de uma mesma rede, ele chega como uma tábula rasa. Na transição da educação infantil para os anos fundamentais, os portfólios e registros capturados se perdem. São informações importantes para definir estratégias específicas”, diz o presidente do CNE. “A ideia é que deixe de ser uma categoria ‘estudante’, e passe a ser uma pessoa com uma trajetória própria, com dificuldades e conquistas”, afirma.

Outra parte sensível do SNE diz respeito à determinação de uma formação ‘adequada’ e da existência de um ‘plano de carreira’ para os docentes. O Brasil já tem uma lei para definir o piso da carreira e nem sequer esse ponto, tão simples, é cumprido atualmente por um terço dos municípios. 

“Não existe bala de prata em educação, mas há uma regra de ouro: sem melhorar a formação docente, não avançaremos. Se continuarmos a formar professores como antes, vamos continuar produzindo as mesmas insuficiências, vamos continuar com 40% das crianças no 3º ano não alfabetizadas”, avalia Callegari.

Portanto, professores com boa formação inicial, bem qualificados em serviço e com carreira adequada são os fundamentos para que tudo mais faça efeito.

Sistema Nacional de Educação

Cesar Callegari, presidente do CNE: Se continuarmos a formar professores como antes, vamos continuar produzindo as mesmas insuficiências (Foto: Fábio Nakakura/MEC)

Experiência prática

Algumas experiências nacionais exitosas de colaboração entre diferentes redes partem justamente da formação continuada. A maior e mais conhecida delas é o Arranjo de Desenvolvimento da Educação do noroeste paulista, que nasceu em 2009, com 17 municípios pequenos e atualmente agrega 91. “O arranjo nasceu com a proposta de levar formação continuada para professores. Juntos, começamos a organizar cursos, seminários e reuniões para discutir ideias, estratégias e metodologias discutidas no mundo, mas que municípios pequenos antes não conseguiam acessar”, conta Marcelo Batista, secretário de Educação de Votuporanga e representante dos arranjos de todo o país.

O arranjo tem se fortalecido com o passar dos anos e dos diferentes governos porque é financeiramente interessante para todos e parte do princípio do acolhimento dos novos gestores. “A gente é sempre neutro. Quando começa um novo secretário, a gente faz visita, apresenta, ouve e responde as dúvidas. Não consigo me lembrar de nenhum caso de secretário que tenha decidido sair do arranjo”, conta Batista. Ainda que esteja tudo bem encaminhado na região, ele comemora a instituição do SNE. “Era um sonho, porque dá mais segurança ter uma lei. Ele parte do princípio de colaboração, que a gente já põe em prática.” 

E a União tem, de fato, se mostrado frutífera para as aprendizagens. O Ideb de toda a região tem crescido, tornando-os um destaque positivo dentro do estado de São Paulo. E há cidades como Floreal, que entraram para o seleto grupo de municípios com mais de 9 — alcançaram nota 9.3 no Ideb de 2023.

Sistema Nacional de Educação

Com bons retornos, o arranjo do noroeste paulista nasceu, inicialmente, para levar formação continuada docente, conta Marcelo Batista, secretário de Educação de Votuporanga, SP (Foto: arquivo pessoal)

Educação indígena e quilombola

O SNE reservou um capítulo especial para a educação indígena e quilombola. Para Shirley Pimentel, pesquisadora da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, o trecho foi uma vitória, embora a luta inicial era para que o trecho fosse mais detalhado. “A proposta inicial era mais robusta, com mais especificidades, mas na tramitação do projeto de lei muita coisa acabou caindo”, avalia. 

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Segundo ela, o ganho principal é estar incluída na lei a obrigatoriedade de os grupos étnicos serem escutados e terem suas especificidades respeitadas. “Tem sido comum chegarem propostas para a educação em tempo integral sem consulta, que não dialogam com o contexto e fazem os alunos perderem vivências culturais da comunidade. Você pergunta o que o estudante fazia no contraturno e ele ia andar a cavalo com o tio, nadar no rio com os avós, aprender a viver naquele lugar”, cita Shirley. 

A lei também deve ajudar a organizar a oferta educativa em territórios indígenas ou quilombolas que não estão restritos às divisões administrativas de estados e municípios. “O território dos Kalunga pega dois estados, GO e TO, e vários municípios. Para eles, é interessante pensar uma proposta própria para o povo Kalunga, mas hoje a lógica da oferta educacional é outra”, exemplifica a pesquisadora.

Depois de tanta espera, o Sistema Nacional de Educação traz uma série de potenciais de melhoria da educação. Cabe aos gestores e educadores aproveitá-los e transformá-los em realidade.

O SNE reservou um capítulo para a educação indígena e quilombola. Contudo, esperava-se um capítulo mais detalhado, diz a pesquisadora Shirley Pimentel (Foto: arquivo pessoal)

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