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Instituto Ayrton Senna

Artigos escritos por pesquisadores do laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna (eduLab21)

Publicado em 13/11/2025

O desafio de ensinar o que não cai na prova: reflexões sobre o papel do socioemocional na aprendizagem

Desenvolver competências socioemocionais demanda planejamento, propósito e espaço no currículo

Por Karen Cristine Teixeira* | O ritmo do calendário escolar costuma ser bastante acelerado, marcado por provas, prazos, notas e médias. Quando chega a época das provas padronizadas (como, por exemplo, o Saeb ou as provas estaduais), não se fala em outra coisa. Com tantas demandas, pode parecer difícil falar de competências socioemocionais, pois sempre há conteúdos a cumprir, resultados a alcançar e pouco tempo a perder. Só que é justamente em meio a esse contexto que abordar o socioemocional se torna essencial.   

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Pesquisas recentes, nacionais e internacionais, têm destacado a importância das competências socioemocionais para o desempenho acadêmico. Estudantes com as socioemocionais mais desenvolvidas — especialmente determinação, curiosidade para aprender e persistência — são mais engajados com o aprendizado e demonstram melhor desempenho acadêmico. Elas apoiam a motivação para aprender, aperfeiçoam o uso de estratégias de estudo e favorecem relações interpessoais mais positivas em sala de aula. Estudantes mais autoconfiantes apresentam maior motivação para aprender e desempenho em tarefas de leitura e matemática. 

Competência​ 

Como apoia o desempenho escolar?

Curiosidade para aprender Estimula a busca ativa por conhecimento, o questionamento e o pensamento crítico.​
Determinação​ Promove o esforço para alcançar objetivos escolares com disciplina.​
Foco Ajuda a manter a atenção e resistir a distrações durante o estudo.​
Persistência​ Sustenta o engajamento nas tarefas mesmo diante de dificuldades.​
Responsabilidade​ Relaciona-se ao compromisso com as próprias metas e com os outros.​
Respeito Fundamenta a convivência respeitosa com colegas e professores.​
Empatia​ Favorece a escuta, a cooperação e o apoio mútuo no ambiente escolar.​


Não é novidade que aprender vai além das competências ditas cognitivas, envolve também variáveis como o contexto sociocultural dos estudantes e da escola e se as demandas fisiológicas dos estudantes estão sendo atendidas (alimentação, sono, etc.). Além disso, abrange o fortalecimento das competências socioemocionais. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e diferentes políticas educacionais já reconhecem que o desenvolvimento integral envolve também aspectos socioemocionais. O desafio está em como fazer isso na prática. 

socioemocional

Desenvolver competências socioemocionais exige intencionalidade pedagógica (Foto: Shutterstock)

Além das provas

As provas padronizadas cumprem papel importante ao oferecer um retrato do aprendizado em larga escala, mas, como um efeito colateral, acabam influenciando o que as redes de ensino priorizam. É esperado que gestores e professores se sintam pressionados a focar no que ‘cai na prova’. Entretanto, o aprendizado que envolve e forma estudantes protagonistas, curiosos e críticos vai muito além. 

Trabalhar o socioemocional não significa abandonar as metas de desempenho. Um estudante que aprende a lidar com a frustração diante de um erro, que sabe pedir ajuda, que se organiza para estudar e que acredita em sua própria capacidade tem mais condições de alcançar um bom desempenho também.  O desenvolvimento socioemocional não compete com os componentes curriculares: ele os fortalece. 

Intencionalidade

O professor, porém, não pode carregar essa tarefa sozinho — nem tampouco improvisá-la. Desenvolver competências socioemocionais exige intencionalidade pedagógica. Não é algo que deva ser trabalhado só quando surgem conflitos na sala de aula, mas um processo que demanda planejamento, propósito e espaço no currículo. 

Isso pode se dar por meio de rodas de conversa, projetos colaborativos, momentos de reflexão sobre as emoções ou práticas de feedback entre pares. Cada escola pode encontrar o formato que melhor se adapta à sua realidade, desde que exista a intencionalidade e a fundamentação. 

A intencionalidade inicia pelo olhar ao próprio professor, que precisa de tempo e apoio para cuidar de si, olhar para suas emoções e fortalecer suas relações com a escola. Falar sobre socioemocional na escola não é mais uma cobrança sobre quem já tem muito a fazer, mas um convite a construir ambientes de aprendizagem mais humanos — para que o ensinar e o aprender se tornem experiências mais positivas.  

Evidências têm mostrado que, quando o clima escolar melhora, o desempenho também avança. O professor, quando têm suas próprias demandas socioemocionais trabalhadas, é capaz de realizar uma melhor mediação e acolhimento ao estudante. O estudante que se sente acolhido participa mais, questiona mais, tenta mais e erra sem medo. Assim, o socioemocional deixa de ser ‘mais uma demanda’ e passa a ser parte do próprio coração do processo de ensino e aprendizagem. 

Valorização do processo

Talvez o grande passo ainda seja entender como realizar essa integração de forma bem-sucedida e além: como as políticas educacionais podem acompanhar o desenvolvimento socioemocional para fomentá-lo e garantir seu lugar no cotidiano escolar sem transformá-lo numa prática avaliativa esvaziada de sentido. 

As avaliações continuarão sendo importantes, mas podem conviver com outras formas de acompanhamento da aprendizagem que valorizem também o processo e não só o produto. Onde o estudante é valorizado não só pelo que acerta, mas também pelo que descobre sobre si ao aprender. Porque o que alicerça a aprendizagem não é apenas o conteúdo, mas também a relação que se estabelece com ele, consigo e com quem ensina. 

*Karen Teixeira é gerente de pesquisa do Laboratório de Ciências para Educação (eduLab21) do Instituto Ayrton Senna. Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia com ênfase em avaliação psicológica em saúde e desenvolvimento pela Universidade Federal de Santa Catarina. 

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