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The Hechinger Report

Publicado em 20/10/2025

Nos Estados Unidos, crianças de escolas públicas estão ‘desaparecendo’

Relatório aponta grandes mudanças na matrícula após a pandemia, mesmo antes de novas políticas pró-escolas privadas entrarem em vigor. O resultado futuro pode ser o fechamento de muitas escolas públicas estadunidenses

Por Jill Barchay do The Hechinger Report* | Para muitos estadunidenses, a ideia de crianças ‘desaparecidas’ evoca imagens tristes em caixas de leite ou alertas Amber em celulares. Mas um novo relatório do Brookings Institution sugere que a pandemia pode ter criado uma nova geração de crianças perdidas — desta vez, das salas de aula. O número de estudantes que não estavam na escola explodiu em 2020, após o surto de Covid, e muitos ainda não voltaram. As crianças ‘desaparecidas’ não estão em escolas particulares nem recebendo ensino domiciliar. Muitas simplesmente não estão matriculadas em lugar algum, de acordo com a análise do Brookings com base em dados federais. Algumas são adolescentes mais velhos, quase concluindo o ensino médio, mas muitas são mais novas. E ninguém sabe se essas crianças estão recebendo algum tipo de educação.

Durante o ano letivo de 2021–22, cerca de 2 milhões de estudantes adicionais, entre cinco e 17 anos, desapareceram tanto das listas de escolas públicas quanto das particulares — um aumento de 450% em relação a 2019–20 no número de crianças desaparecidas, de acordo com o relatório. Seria imaginável que famílias haviam se mudado durante a pandemia, temporária ou permanentemente, e que os registros administrativos estavam bagunçados demais para localizar todos. Mas, mesmo em 2023–24, um ano escolar normal, a parcela de crianças não contabilizadas (fora das escolas públicas ou particulares) ainda totalizava 2,1 milhões — ou quase 4% dos 54 milhões de crianças do país, entre cinco e 17 anos —, quase cinco vezes o número anterior à pandemia.

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Para calcular o número de crianças ‘desaparecidas’, os pesquisadores do Brookings subtraíram os números de matrículas escolares dos dados populacionais dos Estados Unidos. É possível que haja alguma discrepância estatística entre os dados do Departamento do Censo dos EUA e os do Centro Nacional de Estatísticas da Educação, que será esclarecida no futuro. Mas também é possível que essas crianças ‘desaparecidas’ não estejam aprendendo a ler ou a fazer contas — e isso não prenuncia nada de bom para o futuro do país.

Uma análise de dados estaduais feita em 2023 pelo professor Thomas Dee, da Universidade Stanford, revelou pela primeira vez o aumento do número de crianças ‘desaparecidas’ durante a pandemia, e foi divulgada pela Associated Press. Este relatório do Brookings confirma que se trata de um mistério persistente.

escolas públicas nos EUA

Matrícula em escolas particulares estável

Antes da pandemia, a participação de alunos em escolas públicas tradicionais se mantinha estável, em torno de 85% entre 2016 e 2020. Depois da pandemia, a matrícula em escolas públicas tradicionais despencou para menos de 80% e não voltou a se recuperar.

As misteriosas crianças ‘desaparecidas’ representam uma grande parte desse declínio. Mas as famílias também migraram para escolas charter e virtuais. A matrícula em escolas charter subiu de 5% dos alunos em 2016–17 para 6% em 2023–24. O número de crianças frequentando escolas virtuais quase dobrou: de 0,7% antes da pandemia, em 2019–20, para 1,2% em 2020–21, e permanece elevado. Surpreendentemente, a matrícula em escolas particulares permaneceu estável em quase 9% das crianças em idade escolar entre 2016–17 e 2023–24, segundo esta estimativa do Brookings.

Seria esperado que as matrículas em escolas particulares disparassem, já que famílias se cansaram das interrupções nas escolas públicas durante a pandemia e, também, porque 11 estados — incluindo Arizona e Flórida — lançaram suas próprias contas de poupança educacional ou novos programas de voucher para ajudar a pagar as mensalidades. Mas outra análise, divulgada em setembro deste ano por pesquisadores da Universidade Tulane, reforçou os números do Brookings. Ela constatou que as matrículas em escolas particulares haviam aumentado apenas de 3% a 4% entre 2021 e 2024, em comparação com estados sem vouchers. Um novo crédito fiscal federal para financiar bolsas de estudo em escolas particulares ainda levará mais de um ano para entrar em vigor, em 1º de janeiro de 2027, e talvez uma mudança maior para a educação privada ainda esteja por vir.

escolas públicas nos EUA

Depois da pandemia, a matrícula em escolas públicas tradicionais despencou para menos de 80% e não voltou a se recuperar (Foto: Shutterstock)

Evasão das escolas públicas tradicionais é maior em distritos negros e de alta pobreza

Na teoria, as famílias mais ricas, que podem arcar com as mensalidades de escolas particulares, seriam mais propensas a buscar alternativas. Mas os distritos de alta pobreza apresentaram a maior parcela de alunos fora do setor público tradicional. Além de escolas particulares, eles estavam matriculados em charters, escolas virtuais, escolas especializadas para estudantes com deficiência ou outras escolas alternativas, ou ainda recebiam ensino domiciliar.

Mais de um em cada quatro alunos em distritos de alta pobreza não estão matriculados em escolas públicas tradicionais, em comparação com um em cada seis estudantes em distritos de baixa pobreza. As maiores perdas de matrícula em escolas públicas estão concentradas em distritos de maioria negra. Um terço dos alunos em distritos predominantemente negros não frequenta escolas públicas tradicionais — o dobro da proporção de estudantes brancos e hispânicos.

Essas discrepâncias são relevantes para os estudantes que permanecem nas escolas públicas tradicionais. Escolas em bairros de baixa renda e negros estão agora perdendo o maior número de alunos, o que obriga a cortes orçamentários ainda mais severos.

escolas públicas nos EUA

A bomba demográfica-relógio

Antes da pandemia, as escolas dos Estados Unidos já caminhavam para uma grande contração. A mulher estadunidense média agora dá a luz a apenas 1,7 filho ao longo da vida — bem abaixo da taxa de fecundidade 2,1 necessária para repor a população. As projeções indicam que as taxas de fecundidade vão cair ainda mais. Os analistas do Brookings presumem que mais imigrantes continuarão a entrar no país, apesar das atuais restrições migratórias, mas não em número suficiente para compensar a queda nos nascimentos. 

Mesmo que as famílias retomem seus padrões de matrícula anteriores à pandemia, a redução populacional significaria 2,2 milhões a menos de estudantes em escolas públicas até 2050. Mas, se as famílias continuarem escolhendo outros tipos de escolas no mesmo ritmo observado desde 2020, as escolas públicas tradicionais poderão perder até 8,5 milhões de alunos, encolhendo de 43,06 milhões em 2023–24 para apenas 34,57 milhões em meados do século.

Entre os estudantes ‘desaparecidos’, as escolhas que algumas famílias negras e famílias de distritos de alta pobreza estão fazendo e o número de crianças que estão nascendo indicam que o cenário das escolas públicas está mudando. Prepare-se: vem aí o fechamento em massa de escolas públicas.

*Esta reportagem sobre o declínio das matrículas escolares foi produzida pelo The Hechinger Report, uma organização estadunidense de notícias independente e sem fins lucrativos focada em desigualdade e inovação na educação.

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