Artigos escritos por pesquisadores do laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna (eduLab21)
Publicado em 16/10/2025
Por volta de 79% dos estudantes relataram sintomas de ansiedade ou depressão em níveis altos em mapeamento socioemocional
Por Ana Crispim e Ana Zuanazzi* | O bem-estar de crianças e adolescentes é um desafio coletivo que mobiliza famílias e escola o ano todo. Em 2021, um mapeamento realizado com o apoio do Instituto Ayrton Senna identificou que 69% dos estudantes relataram sintomas de depressão ou ansiedade no retorno presencial às aulas pós-pandemia — um dado que segue ressoando mesmo alguns anos depois.
Hoje, o debate se renova ao dialogar com temas atuais que têm convocado à ação famílias, educadores e a sociedade em geral, como a adultização e o uso precoce da internet. Nos últimos meses, essas questões ganharam espaço na mídia e trouxeram diferentes vozes para a conversa — de influenciadores como Felca (Felipe Bressanim) a entidades especializadas e até medidas legislativas que limitaram o uso de celulares em sala de aula.
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Letramento emocional: ansiedade e depressão desafiam crianças e jovens
Entre telas e conversas: o papel das famílias na educação digital e na saúde mental dos jovens
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Esse movimento nos convida a refletir juntos sobre como apoiar o desenvolvimento saudável das novas gerações. Em um novo estudo, um mapeamento socioemocional com 89 mil estudantes de ensino médio feito em 2024, também apoiado pelo Instituto Ayrton Senna e em parceria com o CAEd e as secretarias de Educação de cinco estados brasileiros, Ceará, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná e Pará, ajuda a dimensionar a questão. Por volta de 79% dos estudantes relataram um ou mais sintomas de ansiedade ou depressão em níveis altos. O número é ainda mais alto entre meninas (83%) do que entre meninos (74%).
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), as questões de saúde mental respondem por 16% de todos os problemas de saúde que afetam adolescentes entre 10 e 19 anos no mundo.
É um alerta contundente: a nova geração cresce com mais informações e voz do que nunca, mas também sob o peso de desafios tecnológicos que surgem cada vez mais cedo.
A OMS estima que um em cada sete (14,3%) jovens de 10 a 19 anos sofre de algum prejuízo na saúde mental (GBD, 2021) (Foto: Shutterstock)
Apesar de estarem conectados o tempo todo, muitos jovens relatam sentir-se vulneráveis e, frequentemente, sozinhos (Brasil, 2023). A chamada hiperconexão — presença constante no ambiente digital — nem sempre se traduz em vínculos significativos e de qualidade.
Dados do mapeamento socioemocional de 2024 reforçam essa realidade: por volta de quatro em cada 10 estudantes disseram que as pessoas se importam pouco ou nada com eles na escola, e dois em cada 10 não se sentem conectados aos adultos da comunidade escolar. Curiosamente, 59,4% usam redes sociais diariamente e 64,7% conversam online todos os dias.
Ou seja, mesmo imersos no mundo digital, muitos adolescentes continuam se sentindo isolados no ambiente presencial, mostrando que a presença online não substitui relações de qualidade.
Mas por que falar de vínculos é essencial em um debate sobre saúde mental? Porque os vínculos funcionam como portos seguros: eles são o primeiro lugar onde crianças e adolescentes se sentirão à vontade para pedir ajuda.
Isso é especialmente importante porque dados do mapeamento socioemocional indicam que 7,9% dos estudantes relataram dificuldades para focar nas tarefas e 7,6% relataram que não têm conseguido enfrentar seus problemas. Diferente de adultos, nesta faixa etária, jovens ainda estão desenvolvendo estratégias para lidar com essas dificuldades e, ao mesmo tempo, são expostos a conteúdos e expectativas irreais que ampliam a pressão.
A OMS estima que um em cada sete (14,3%) jovens de 10 a 19 anos sofre de algum prejuízo na saúde mental (GBD, 2021), sendo que um terço dos casos (34,6%) surge antes dos 14 anos (Solmi et al., 2022), mas a maioria dos casos permanece sem diagnóstico ou tratamento adequado. Então, nesse contexto, os vínculos ganham um papel central porque oferecem abrigo, apoio e orientação em momentos de vulnerabilidade, ajudando crianças e jovens a enfrentar dificuldades com mais confiança e segurança.
No campo escolar, a OMS recomenda que escolas desenvolvam programas estruturados de saúde mental, voltados não apenas à prevenção de transtornos, mas à promoção de bem-estar. Isso envolve criar ambientes escolares mais acolhedores, em que estudantes sintam que são vistos, escutados e apoiados, com vínculos fortalecidos. É por meio dessa rede de apoio e conscientização que os estudantes têm acesso a espaços seguros e de confiança, evitando que usem a internet como um espaço de refúgio solitário.
Em casa, a mediação e acolhimento também são essenciais. Pesquisas apontam que a mediação ativa por meio de conversas sobre o que os jovens veem e fazem online reduz riscos, amplia o senso de segurança e ajuda a estabelecer limites razoáveis. Mas não basta dialogar: o exemplo conta. Estudos indicam que o menor tempo de tela ocorre quando pais combinam mediação ativa com redução de comportamentos de phubbing — quando alguém presta mais atenção ao celular do que à interação presencial. Em outras palavras, é preciso mostrar que a vida offline ainda importa, e muito.
A intensidade das discussões sobre os prejuízos e perigos da exposição precoce e não supervisionada aos conteúdos da internet muitas vezes nos leva a ansiar soluções rápidas que, como demonstram os estudos, acabam sendo menos efetivas a médio e longo prazo. A discussão não deveria se concentrar em respostas dicotômicas como banir ou não banir o uso desses recursos digitais para faixa etária, mas sim mergulhar na investigação sobre os tipos de uso, seus impactos e medidas de contorno.
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Jovens hiperconectados, mas isolados: como a tecnologia impacta as novas gerações
Vamos falar sobre desenvolvimento emocional em crianças?
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A escola e a família são espaços potentes nesse caminho e, em conjunto, contribuem para mitigar os impactos nocivos e amplificar os ganhos trazidos pelos avanços tecnológicos. Esse caminho passa pela integração de diferentes estratégias como combinar limites claros, adotar práticas pedagógicas inovadoras e cultivar o diálogo constante e aberto.
Nesse caminho, a educação midiática aparece como uma estratégia promissora. Experiências internacionais, como o programa canadense CTRL-F, ensinam técnicas de leitura lateral — checar informações abrindo outras abas e fontes independentes —, ajudando jovens a verificar a credibilidade de informações. No Brasil, projetos como o EducaMídia já oferecem materiais que podem ser incorporados a componentes de Língua Portuguesa, Inglês ou mesmo projetos interdisciplinares. Ensinar os estudantes a pensar criticamente sobre o que consomem e produzem online é tão importante quanto ajudá-los a reconhecer conteúdos falsos ou refletir sobre os riscos da adultização.
A saúde mental dos jovens não depende apenas deles próprios. É reflexo de um ecossistema em que escola, família e sociedade compartilham responsabilidades. Se, de um lado, a conexão constante com o digital impõe desafios para a saúde mental, de outro, expõe a urgência de repensar como preparamos as novas gerações para navegar entre mundos — o digital e o presencial, o individual e o coletivo.
Promover saúde mental, nesse sentido, significa criar condições para que crianças e adolescentes se sintam pertencentes, apoiados e capazes de usar a tecnologia de forma crítica e equilibrada. Isso exige presença, diálogo e, sobretudo, exemplo. Afinal, o que os jovens mais aprendem não está apenas no que dizemos, mas no que fazemos junto com eles.
*Ana Crispim é gerente de pesquisa do Laboratório de Ciências para Educação (eduLab21) do Instituto. Psicóloga, mestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em psicologia, com ênfase em psicometria pelo programa de pós-graduação em psicologia da University of Kent, Reino Unido, com pós-doutorado em modelagem estatística para ciências do comportamento na Universidade de São Paulo. Atualmente também é professora referência do programa de -graduação da PUCPR Digital.
Ana Zuanazzi é gerente de pesquisa do Laboratório de Ciências para Educação (eduLab21) do Instituto. Psicóloga, doutora em psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco, mestre em psicologia pela Universidade de São Paulo, especialista em neuropsicologia pelo Centro de Diagnóstico Neurológico.
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