Artigos escritos por pesquisadores do laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna (eduLab21)
Publicado em 15/10/2025
Por que conhecer e cuidar do professor é cuidar do futuro da educação
Por Gisele Alves* | O Mês do Professor (comemorado com ênfase no dia 15 de outubro) é um convite para refletirmos sobre quem está no centro da educação: o educador. E, justamente neste momento, pesquisas inéditas revelam algo essencial: cuidar do professor é também cuidar do futuro da sala de aula.
O desafio não é pequeno. No Brasil, a média é de 23 estudantes por professor no ensino primário, enquanto nos países da OCDE essa média é de 14, o que significa que, no Brasil, o professor lida e gerencia quase o dobro de estudantes e suas demandas do que um professor em países da OCDE. Além disso, a retenção na carreira também é um ponto de atenção, já que estudos apontam que uma parcela significativa dos novos professores deixa a profissão poucos anos após o ingresso, especialmente nas redes públicas.
Não por acaso, outra pesquisa recente revelou que 79,4% dos docentes da educação básica já pensaram em desistir da carreira, citando como principais motivos a baixa remuneração, a falta de reconhecimento, a sobrecarga de trabalho e a desmotivação dos estudantes.
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Diante dessa realidade, a ciência tem mostrado caminhos importantes para apoiar a educação. Dois grandes estudos realizados pelo eduLab21, o Laboratório de Ciências para a Educação do Instituto Ayrton Senna, trazem resultados que ajudam a entender melhor quem são os professores brasileiros e quais são seus desafios atuais.
Esses estudos mostram como aspectos ligados às suas competências socioemocionais, como lidar com emoções, se comunicar e manter boas relações, e às práticas instrucionais, como planejar aulas e organizar o trabalho, se conectam tanto à qualidade do ensino quanto ao bem-estar de quem ensina.
Sem professor não há escola, não há aprendizagem, não há futuro (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O primeiro estudo, realizado com 43 mil professores brasileiros e publicado na revista internacional Teaching and Teacher Education, oferece uma nova perspectiva sobre uma ideia muito difundida: a de que basta acumular anos de sala de aula para se tornar um professor melhor.
A pesquisa revelou que o desenvolvimento profissional docente parece não ser linear. Ele acontece em ritmos e dimensões diferentes ao longo da carreira, influenciado não só pelo tempo de docência, mas também pela idade e até por desafios de cada gênero. Nos primeiros 10 anos de experiência, a comunicação e a apresentação melhoram e tanto a experiência quanto a idade ajudam a gerir melhor a sala de aula e a buscar de forma intencional engajar os estudantes. Por outro lado, a resiliência ao estresse parece demonstrar uma tendência de queda após 15 anos de carreira e professores mais velhos (não necessariamente os mais experientes) costumam ter visões menos otimistas sobre o potencial de crescimento dos estudantes (mindset de crescimento); já as professoras, em média, relataram mais empatia e habilidades relacionais.
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Esse retrato mostra que cada fase da carreira e característica do docente exigem apoios específicos: não existe uma “fórmula única” de desenvolvimento para todos.
O segundo estudo, realizado com quase 9 mil professores da rede pública, examinou a relação entre competências socioemocionais e traços de personalidade. Os resultados indicam que, embora a personalidade pareça fazer parte da atuação docente, e ela própria possa se transformar ao longo da vida, ela não explica tudo. As características socioemocionais e instrucionais dos professores apresentam uma sobreposição de cerca de 27% com a personalidade, indicando que há componentes relevantes e maleáveis para além dos traços de personalidade nos perfis de professores.
Na prática, tanto traços quanto competências podem evoluir com experiências, formação e contexto e ambos podem responder a estratégias intencionais de desenvolvimento.
Isso abre espaço para que professores, ao longo da carreira e em diferentes realidades, aprimorem sua prática e tenham oportunidades para cuidar e priorizar seu próprio bem-estar, especialmente quando políticas de valorização e condições adequadas de trabalho dão suporte a esse desenvolvimento.
Esses achados trazem implicações práticas para governos, gestores e programas de formação docente no Brasil:
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É importante destacar que tais características individuais de professores não podem ser vistas isoladamente como causa ou solução dos desafios educacionais do país e da carreira docente.
O desenvolvimento profissional do docente acontece em interação com fatores estruturais mais amplos, como políticas de valorização, salários justos, condições de trabalho, infraestrutura escolar e apoio contínuo ao longo da carreira.
Em outras palavras precisamos reconhecer que a atuação do professor está inserida em um contexto que precisa ser igualmente ser fortalecido.
Nos últimos anos, o Brasil tem avançado na consolidação de uma agenda nacional de valorização docente. Além de políticas estruturantes, como o Piso Salarial Profissional Nacional e a Política Nacional de Formação de Professores, novas iniciativas vêm sendo implementadas — entre elas, a Prova Nacional Docente, que busca facilitar e aprimorar processos seletivos para cargos de magistério; as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores, que atualizam o olhar sobre o que é essencial para ensinar no século 21; .e a inclusão, pela primeira vez, de uma meta unificada sobre valorização docente, com um olhar sistêmico para formação, carreira e condições de trabalho, no novo Plano Nacional de Educação (PNE).
Tais ações mostram esforços em curso e alguns avanços, ainda que o desafio de tornar a docência uma carreira mais atrativa e sustentável permaneça.
Os professores brasileiros seguem firmes, mesmo em condições desafiadoras, sustentando o maior motor de transformação do país: a educação. Os estudos aqui descritos mostram que investir em competências socioemocionais e instrucionais docentes não é luxo, mas necessidade urgente tanto para a aprendizagem dos estudantes quanto para a saúde e permanência do próprio professor em sala de aula.
Neste Dia do Professor, mais do que homenagens, o Brasil precisa reafirmar um compromisso: valorizar, apoiar e formar nossos educadores de forma contínua, guiado pela ciência e com políticas públicas que reconheçam a complexidade e a importância de quem ensina. Sem professor não há escola, não há aprendizagem, não há futuro.
SCHEIRLINCKX, Joyce; TEIXEIRA, Karen; ALVES, Gisele; PRIMI, Ricardo; DE CLERCQ, Barbara; DE FRUYT, Filip; JOHN, Oliver P. More than just experience? Effects of years of teaching, age, and gender on teachers’ social-emotional and instructional characteristics. Teaching and Teacher Education, v. 167, p. 105203, 2025. DOI: https://doi.org/10.1016/j.tate.2025.105203
SCHEIRLINCKX, Joyce; TEIXEIRA, Karen; ALVES, Gisele A.; PRIMI, Ricardo; JOHN, Oliver P.; DE CLERCQ, Barbara; DE FRUYT, Filip. Towards a better understanding of teaching: personality and socioemotional teaching characteristics in a large sample of public school teachers in Brazil. [Relatório técnico – paper submedito]. Instituto Ayrton Senna; Ghent University, 2025.
* Gisele Alves é gerente executiva do eduLab21, laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna. Chairholder da Cátedra Unesco de Educação e Desenvolvimento Humano na mesma Instituição. Psicóloga, mestre em Psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Consultora em avaliação psicológica, construção de instrumentos, adaptações transculturais e treinamento na área de avaliação psicológica.
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