NOTÍCIA

Formação docente

Autor

Laura Rachid

Publicado em 25/07/2025

Priscila Tapajowara: “Não tem futuro verde sem os povos da floresta”

Cineasta amazônida e atual presidenta da Mídia Indígena fala da importância de ocupar diferentes espaços, e como irão cobrir a COP30

Nascida onde pesquisadores e intelectuais dizem ser o centro do mundo, na Floresta Amazônica, no caso dela nas margens do rio Tapajós, na cidade de Santarém, Pará, Adrielle Priscila, conhecida como Priscila Tapajowara, 32 anos, tem há tempos clareza de sua missão: manter a floresta em pé e reverberar as riquezas de diferentes povos indígenas e tradicionais. Indígena da região do Baixo Rio Tapajós — daí o nome Tapajowara, segundo ela, “significa quem vem do rio Tapajós” —, seu principal meio de luta e arte é a comunicação: ela filma e dirige filmes, é fotógrafa, comunicadora e ativista que percorre diferentes países.

Priscila é da geração que utiliza a internet para expandir diferentes narrativas que não a eurocêntrica bem como para questionar aqueles que enxergam a natureza exclusivamente como negócio. É a atual presidenta da Mídia Indígena — veículo de comunicação indígena que no Instagram tem pouco mais de 275 mil seguidores e no site oficial diz ter 60 correspondentes indígenas pelo país.

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É formada em produção audiovisual e capacita indígenas de diferentes regiões em oficinas audiovisuais. Ela está entre os 100 latinos mais comprometidos com ações climáticas, segundo a Fundação Sachamama e a Agência EFE. Dirigiu a webserie Ãgawaraitá (2022) e o curta-metragem Tapajós Ãgawaraitá (2022). Assina a direção de fotografia do longa Arapyau: primavera Guarani (2018) e da série Sou moderno, sou índio (2022), além de outras filmagens. Confira, a seguir, a entrevista.

Priscila Tapajowara

Priscila Tapajowara também dá oficinas audiovisuais a jovens indígenas de diferentes localidades do país (Foto: Are Yudja)

Como nasceu a Mídia Indígena, quem faz parte dela?

A Mídia Indígena nasceu dentro do território Araribóia, dos Guajajara, no Maranhão, em 2015, a partir de uma formação em comunicação. Os comunicadores Erisvan Guajajara, Edivan Guajajara e Flay Guajajara participaram dessa formação e resolveram criar um coletivo que até então atuava apenas dentro desse território. Em uma das conversas com a hoje ministra Sonia Guajajara, que sempre teve ideias inovadoras, ela os incentivou a criarem esse coletivo e depois a expandir em nível nacional. E aí, em 2017, os fundadores convidaram comunicadores indígenas de outras regiões para se juntar ao coletivo e abranger o Brasil todo. Foi aí que eu entrei, que o Eric Terena entrou, a Marta Tipuici, o Benício Pitaguary. E, assim, começamos a formar essa rede de comunicadores indígenas.

Qual a importância da Mídia Indígena?

Ela nasceu como um coletivo, mas, hoje, também é uma associação de comunicadores indígenas. Por meio da comunicação, a gente fortalece a luta das lideranças indígenas, a luta dos povos indígenas — e não só isso, também desmistificamos estereótipos em relação aos povos indígenas. 

Porque através da comunicação indígena, a gente mostra — com as nossas próprias narrativas, com a nossa própria forma de contar histórias — o que acontece dentro do nosso território, mostramos a nossa diversidade cultural, a riqueza dos povos indígenas, os conhecimentos que temos. Assim, apresentamos a importância da luta em defesa do território, da floresta em pé e do rio vivo. Com isso, as pessoas passam a entender que não tem futuro verde sem os povos indígenas, sem os povos da floresta, e passam a fortalecer essa luta também.

Como ativista você tem viajado a diferentes países. Que convites são esses e o que tem feito nesses lugares?

Por conta do meu trabalho não só de atuar no meio indígena, mas também como ativista, cineasta e fotógrafa que ocupa novas narrativas, novas formas de contar história, e que também ocupa outros espaços falando de nós, indígenas, eu acabo viajando a diversos lugares. Já estive presente na COP27, em Sharm el-Sheikh, Egito, na COP16, em Cali, na Colômbia, e duas vezes na Semana do Clima em Nova York. Este ano estarei em outros eventos sobre o clima, em eventos na Inglaterra e em Paris, na França. 

Os convites dessas andanças que tenho feito vêm de diferentes lugares e organizações, mas sempre são pessoas que estão preocupadas com o futuro do planeta e que querem ouvir, conhecer, entender mais e aprender mais com a luta dos povos indígenas do Brasil. Então, é muito importante também para nós chegarmos a esses lugares, compartilhar e aprender.

Quais as suas expectativas — ou críticas — para a COP30 no Pará?

Temos expectativas coletivas e individuais para a COP30. Fala-se muito sobre o clima, sobre a Amazônia, sobre florestas tropicais, e será a primeira vez que acontecerá uma COP dentro da tão falada Amazônia. Ou seja, pela primeira vez, o encontro acontecerá em uma região onde já se discute esse assunto. Vai ser muito importante ter a conferência ali porque as pessoas vão ver de perto a nossa realidade, de quem vive na Amazônia, poderão quebrar estereótipos dos povos amazônidas e de como é a realidade de quem vive ali.

Temos a expectativa de que as pessoas vejam a nossa realidade, as nossas dificuldades. Porque tem muita gente que acredita que a floresta é intocada, mas não é. Há muitos lugares sendo destruídos, sendo desmatados. Então, esperamos que as pessoas cheguem e vejam, aprendam com a gente e levem esses conhecimentos para esses espaços de discussão que debaterão o nosso futuro.

Na imagem, Priscila Tapajowara compartilha sua experiência com professores, pesquisadores e estudantes da Universidade de Birmingham, Reino Unido, no primeiro semestre deste ano (Foto: arquivo pessoal)

Como a Mídia Indígena está se organizando para a cobertura da COP30?

Nós, do meio indígena, estamos organizando a Casa Maracá, em Belém, que será a primeira casa dos povos indígenas em uma conferência da COP — lugar que também poderá ser ocupado por comunidades tradicionais como quilombolas, ribeirinhos e extrativistas. Nela teremos exposição de fotos, exibição de filmes, espaço para falas, talk shows, workshops, espaço de trabalho. Ali debateremos sobre a diversidade cultural dos povos indígenas, as riquezas, sobre a luta, clima. A nossa expectativa é que esse espaço seja bem-recebido pela sociedade que estará indo para lá, mas também pelas pessoas de Belém no geral. Queremos ‘converter os não convertidos’, queremos usar esse espaço para fortalecer cada vez mais a nossa luta.

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E, para além disso, estamos fazendo alianças com comunicadores nacionais e internacionais; e nossos comunicadores farão a cobertura da COP também dentro dos espaços oficiais, como nas áreas Blue Zone e Green Zone.

Agora em julho realizaremos o primeiro Encontro Nacional de Comunicadores Indígenas. Queremos fortalecer o nosso exército para que ele chegue à COP30 conhecendo, sabendo o que é esse espaço de discussão, como comunicar a COP30, sabendo comunicar o que está acontecendo dentro dos seus territórios para as pessoas que estão vindo à COP.

Como define a linguagem audiovisual e sua importância para o seu tipo de trabalho?

O audiovisual, a comunicação em geral são muito importantes. Quando a gente ocupa esse tipo de ferramenta e colocamos os nossos conhecimentos tradicionais e únicos com os conhecimentos tecnológicos, estamos cada vez mais fortalecendo a nossa luta, a nossa resistência; a gente está ocupando outros espaços, a gente está chegando de outros lugares e contando as nossas próprias histórias por nós mesmos. E não é um trabalho fácil, tanto no aspecto de quem tem de viajar muito e sempre está indo aos territórios; como quando acontece incidentes.

Além disso, as pessoas ainda veem o cinema indígena como somente cinema de luta, mas não é só isso. A gente também produz arte, também utilizamos os nossos saberes, a nossa cultura, para criar arte. Ou seja, não falamos exclusivamente da resistência, da luta em si.

Priscila Tapajowara

Sobre suas viagens internacionais, Priscila Tapajowara diz que os convites vêm de pessoas preocupadas com o futuro do planeta (Foto: Erisvan Guajajara)

Compartilhe experiências marcantes de alguma filmagem sua.

Durante a minha caminhada, tive experiências boas e ruins. Mas, sempre que chego a um lugar, sou muito bem-recebida. Quando há outras jovens com o sonho de ser cineasta, elas me dizem que sou inspiração, que ficam felizes de me verem ali. Para mim, isso é muito gratificante, é muito importante, porque é o que me dá mais força a continuar abrindo o caminho para que outras jovens possam estar vindo e tendo uma trajetória mais facilitada, para que eles e elas possam ter muito mais acesso do que eu e os outros comunicadores tivemos.

Só que já tive experiências que se fosse outra pessoa no meu lugar, teria desistido de trabalhar com isso. Uma vez fui gravar num local para mostrar o garimpo e os garimpeiros me pegaram, gritaram comigo, me ameaçaram, e disseram que, se fosse para falar mal de garimpeiro, não iam me deixar filmar. Eu estava sozinha. Não sabia se sairia viva dali, ou se iam pegar meu equipamento e quebrar. Naquele momento pedi força aos encantados, a Deus, para que me dessem sabedoria no que falar. Comecei a conversar com os homens e, no final, reverti a situação — porque eu falei que eles também sofreriam consequências com a destruição do rio, por exemplo. No final eles até concordaram comigo e me deixaram gravar.

Pesquisa Fiocruz Bahia com pesquisadores de Harvard alerta que entre pessoas negras, brancas, pardas, amarelas e indígenas, o suicídio entre indígenas é o mais frequente. Você visita diferentes territórios, como avalia as causas dessa realidade?

Realmente, dependendo da região, há um alto índice de suicídio. O que se sabe é que isso ocorre, principalmente, em territórios com grandes números de conflitos de terra. Por exemplo, entre os parentes Guarani Kaiowá, o índice de suicídio de jovens é grande porque eles estão num território em que estão sendo ameaçados de morte o tempo todo. Com isso, acabam não tendo muita perspectiva de vida. Eles creem que uma hora ou outra vão acabar morrendo por conta dos conflitos. Eles veem os mais velhos lutando — eles também lutam — para fazer a retomada, para ter a sua casa e, nisso, acabam presenciando lideranças e jovens morrendo na sua frente.

Em muitas conversas que tenho com jovens dessas regiões, eles me falam que um dos motivos de o suicídio ser grande é por isso. Mas, claro, há outros fatores, como a questão LGBTQIA+ em territórios em que não são aceitos e, assim, alguns jovens acabam tirando a própria vida.

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