NOTÍCIA
Medida permite criar um espaço escolar de desenvolvimento dos alunos numa perspectiva internacional e intercultural
Por Karem Ragnev* | Nos últimos anos, temos visto uma mudança significativa nas escolas de ensino privado em todo o país, sintonizando-se às demandas da sociedade, e do perfil de seus estudantes, por meio de movimentos socioculturais e educacionais, em escala mundial e local, refletindo e influenciando na adoção de sistema de ensino e adaptações curriculares. Um exemplo recente é o impacto da globalização na crescente valorização do ensino da língua inglesa, levando ao aumento de escolas bilíngues que oferecem currículos em dois ou mais idiomas, com enfoque nas chamadas competências interculturais e globais, com forte ênfase no idioma inglês. Com isso, emerge a necessidade de regulação pública do segmento.
Tais demandas atingiram até mesmo o Conselho Nacional de Educação (CNE) na busca pela normatização da educação bilíngue/multilíngue, que se reportam essencialmente às chamadas línguas de prestígio, com destaque para o “inglês” (Brasil, 2020, p.14), resultando no Projeto de Resolução que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Plurilíngues. No documento, são anunciadas as escolas internacionais, cujas diretrizes curriculares emanam de outros países.
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Segundo pesquisas desenvolvidas por Thiesen (2018), atualmente, escolas de educação básica envolvem-se em um movimento de reflexão sobre diferentes tipos de práticas de ensino e aprendizagem em uma dimensão mais ampla e global. Os profissionais da educação iniciam, então, suas discussões e reflexões sobre a responsabilidade da escola na internacionalização e na educação internacional, considerando-a para além do domínio de uma língua estrangeira e permeando o contexto político, cultural, social e econômico.
Pesquisas recentes, realizadas por cientistas brasileiros — Morosini, (2006, 2011, 2014), Almeida (2015), Luna (2016) e Ragnev (2023) — problematizam as questões envolvidas nos processos de internacionalização de currículo, envolvendo esferas administrativas, formação docente e estrutura curricular, e reforçam que o fenômeno da globalização influenciou os movimentos de internacionalização, tornando-os “capital internacional” (Michetti, 2022).
A internacionalização da educação básica passa a ser vista, então, pelas lentes do discurso global sobre a importância da língua inglesa, como forma de alcançar a cidadania global (UNESCO, 2015), o qual penetra no âmbito escolar, o que:
– favorece a criação de novas oportunidades de intercâmbios culturais e o enriquecimento mútuo e intercultural;
– valida a cultura, os hábitos e as tradições locais, agindo do global para o local;
– passa a considerar o conhecimento como universal, adicionando a ideia e um padrão internacional de educação;
– permite aos estudantes a oportunidade de mudar suas formas de pensar e agir em dimensões maiores, culturais, morais e éticas, sem a intenção de criar uma homogeneidade cultural (Costa, 2023).
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Exemplos de projetos que marcam bem o alinhamento da educação básica e ensino superior em direção à internacionalização (Thiesen, 2018) são formas diversificadas de acreditação de escolas como internacionais, adoção de currículos internacionais e realização de testes internacionais de línguas, que passam a ser passaporte para acesso de estudantes às universidades, oferecendo a formação básica com currículos focados nas chamadas competências interculturais e globais, com forte destaque para o idioma inglês.
Tendo como base os estudos realizados por Leask (2015) no contexto de ensino superior, compreendemos que os processos de internacionalização de currículo envolvem várias camadas — internacional, intercultural e global — de currículo, o que exige a definição dos objetivos de aprendizagem, os instrumentos de avaliação e a metodologia de ensino em todos os demais serviços de suporte que um programa de estudo exige. Compreendemos, portanto, o modelo de implementação de um currículo duplo como sendo umas das possibilidades ao gestor escolar brasileiro.
Embora os processos de internacionalização exijam esforços dos gestores na organização, estrutura, formação e currículo escolar, ainda “não há políticas para a internacionalização na educação básica vigentes no Brasil” (Thiesen, 2021, p.18). No entanto, começam a acontecer ações isoladas e programas voltados a esta temática em escolas de diferentes regiões do país, em especial nas esferas do ensino médio.
Sobre a internacionalização do ensino médio, recentes estudos realizados pela pesquisadora Yemini (2015, 2017) em Israel, reforçam a relevância desse processo nesse contexto. A autora constatou a importância das ações envolvendo o currículo, a formação docente, objetivando uma implementação mais sinérgica, durante o qual, professores, diretores, alunos, pais, administradores e a comunidade em geral precisam ser envolvidos.
Começam a acontecer ações isoladas e programas voltados à internacionalização em escolas de diferentes regiões do país, em especial nas esferas do ensino médio (Foto: Shutterstock)
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Embora a internacionalização do currículo escolar possa ser vista como uma oportunidade significativa para se criar um espaço escolar de desenvolvimento dos alunos em uma perspectiva internacional e intercultural, os processos de implementação são desafiadores (Thiesen, 2018). Nesse sentido, a internacionalização via adoção de um currículo duplo pode ser uma solução factível.
Nesse modelo, ao final do ensino médio, os estudantes obtêm históricos escolares e diplomas emitidos pela escola local e pela estrangeira, por meio de um percurso formativo em que há o acréscimo significativo de disciplinas do currículo estrangeiro, tornando-o duplo. Isso coloca os alunos em posição de vantagem quando comparados a outros estudantes advindos de escolas que adotam currículo bilíngue ou nacional, por exemplo.
Infelizmente, as iniciativas ainda são poucas, colocando o Brasil em uma situação passiva nos projetos de internacionalização quando comparado ao contexto europeu, por exemplo. Há excelentes possibilidades para oportunidades desse tipo em escolas brasileiras, que tenham por objetivo ampliar o repertório dos estudantes, elevando os status das instituições e posicionando-as em lugar de destaque em suas regiões.
*Karem Ragnev é doutora e mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Especialista em Administração Escolar. Diretora acadêmica da Griggs International Academy – divisão latino-americana.
QUEM GIROU AS CHAVES DA INTERNACIONALIZAÇÃO DOS CURRÍCULOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA? Artigo • Educ. rev. 34 • 2018 • https://doi.org/10.1590/0102-4698194166 Thiesen 2018
BRASIL. Lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm Acesso em: 05 mar. 2018.
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YEMINI, M. Internationalization discourse hits the tipping point: A new definition is needed. Perspectives: Policy and Practice in Higher Education, v.19, n.1, p. 19-22, 2015.
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