NOTÍCIA

Formação docente

Autor

Rubem Barros

Publicado em 28/05/2025

Formação continuada docente, as chaves da eficácia

Com um mundo cada vez mais em mutação constante, docência exige atualização permanente. O grande desafio é fazer com que esses processos sejam significativos não só para os professores, mas também para seus alunos

Este primeiro quarto do século 21, completado agora em 2025, tem se mostrado um verdadeiro aluvião. Uma grande inundação tanto no sentido figurado — uma enxurrada com poder de mudança que carrega o que estava estabelecido — como também em seu significado mais imediato, de invasão de águas correntes que inundam solos, casas e vidas.

Num e noutro sentido, porém, encontramos não só destruição, mas também o que é trazido ou revelado pela força da correnteza: os minerais valiosos de que podemos nos valer para refazer os rumos que novos tempos nos obrigam a arquitetar.

Já antevendo esse processo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação promulgada em 1996 estabeleceu que a formação continuada dos professores, aquela que deve acontecer ao longo de toda a sua carreira, é não só um direito docente como um instrumento de sua profissionalização. De lá para cá, a constatação das insuficiências da formação inicial, aliada aos sempre insatisfatórios resultados de aprendizagem dos estudantes, ao acúmulo da enorme massa de novos conhecimentos e às mudanças tecnológicas, têm levado redes, escolas e os próprios professores a buscar uma formação ininterrupta.

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Com muitas frentes a cobrir em sua função de subsidiar estados e municípios, o Ministério da Educação listava em seu site, em outubro de 2024, 49 ações de formação de professores em parceria com redes, sistemas de ensino e mais de 54 instituições de ensino superior. Entre elas, pode-se destacar o aporte, desde 2023, de R$ 500 milhões para assessoria técnica, pedagógica e financeira para que estados e municípios promovam a formação continuada de docentes dos primeiros anos do ensino fundamental no âmbito do CNCA (Compromisso Nacional Criança Alfabetizada). Também foram investidos, até o ano passado, outros R$ 35 milhões para formação de gestores e educadores no programa Escola de Tempo Integral, cuja previsão é contemplar 25 mil educadores até o final de 2025.

O leque das formações, porém, é bem mais amplo. Em meio a tantas demandas, uma questão tem preocupado gestores públicos e pesquisadores: quão efetivas têm sido essas formações, seja para seu público-alvo primeiro, os profissionais da educação, seja para os estudantes, finalidade primordial de todos os processos. Ou seja, o grande desafio é avaliá-las ou, antes ainda, definir critérios para isso.

Nos últimos anos, começaram a se tornar públicas pesquisas que buscam listar os pontos que contribuem para a eficácia dessas formações. Bárbara Born, diretora de Pesquisa do Instituto Península, conta que a entidade vem atuando desde 2020 com secretarias estaduais e municipais, trabalho realizado em parceria com o Lepes (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social), da USP de Ribeirão Preto. A ação realizada no âmbito do PACI-FC (Programa de Avaliação das Condições Institucionais – Formação Continuada) teve início em 2021, com desdobramentos posteriores.

formação continuada de professores

Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabeleceu que a formação continuada de professores, aquela que deve acontecer ao longo de toda a sua carreira, é não só um direito docente como um instrumento de sua profissionalização (Foto: Shutterstock)

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A primeira rodada do levantamento foi nos anos de 2021 e 2022, em meio à pandemia, com apoio do Consed (Conselho Nacional dos Secretários de Educação). Dela participaram 20 secretarias, sendo 18 estaduais e duas municipais. A segunda rodada começou no 2º semestre de 2024 e finaliza no primeiro semestre de 2025. Esta nova fase, financiada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), é um projeto-piloto e contempla apenas quatro secretarias estaduais.

Segundo a pesquisadora, algumas conclusões já podem ser extraídas. Uma delas é que as formações realizadas de forma remota estão perdendo aderência. Se no período da pandemia era natural que fossem assim, agora a percepção é outra. Os gestores relatam que, cada vez mais, os professores estão se dizendo cansados das formações não presenciais. “Além do que, o modelo tem se mostrado restrito em relação ao que pode entregar. É cômodo, porém mais limitado”, diz Bárbara.

Outras conclusões identificam a carência de formação dos próprios formadores para o trabalho com adultos. “O formador, além de ser bom professor e de saber o que e como ensinar, também tem de compreender a forma como os adultos aprendem, principalmente estando em contexto profissional”, relata a pesquisadora.

Além de ter bom domínio das teorias da aprendizagem, os formadores devem usar algumas estratégias que têm se mostrado mais eficazes, tais como o estudo de casos, a interação entre pares, as metodologias ativas e a sistematização das aprendizagens e dos processos.

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Uma das preocupações centrais da pesquisa foi a de apontar as condições institucionais de oferta das formações continuadas (ver quadro). Esse é um fator central para que os professores possam não só aproveitar, mas dedicar-se efetivamente a essa questão. Gabriela Moriconi, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, que há tempos tem se dedicado ao tema, aponta que, em levantamento recente das condições de trabalho dos professores, uma das coisas que mais chamaram a atenção foi a disparidade dos tempos de jornadas entre as redes.

formação continuada de professores

“No Pará, por exemplo, cerca de 50% dos professores dão aulas em mais de uma escola. Já no Distrito Federal, apenas 6% deles vivem essa condição. E nem sempre a jornada em tempo integral da escola corresponde à dedicação exclusiva do professor. No Paraná, a jornada do aluno é integral, a do professor, não; já no Ceará, os professores ingressam na rede com jornadas de 40 horas”, exemplifica Gabriela.

A questão da jornada distingue muito o Brasil de outros países. Segundo a pesquisadora, as nações que mais fazem avaliação de impacto da formação continuada, como Estados Unidos, Canadá e Austrália, por exemplo, têm jornadas bem menores, em torno de 27 horas semanais. Esse desnível faz com que a comparabilidade do que é feito lá e cá saia prejudicada, assim como a eficácia das nossas formações.

Gabriela começou a se aprofundar no tema a partir de 2017, quando a Secretaria Municipal de Educação paulistana pediu um levantamento sobre quais fatores costumavam ser avaliados em nível internacional. Ela realizou um estudo do que havia na literatura. No material que compilou, destaca o texto de Thomaz Guskey, da Universidade de Kentucky, Estados Unidos, autor do livro Evaluating professional development (Avaliação do desenvolvimento profissional), em que o estadunidense propõe cinco níveis de análise para o processo avaliativo.

Descrevendo de forma sintética, esses níveis são os seguintes:

1) Reações dos participantes — avalia a satisfação inicial com a experiência;

2) Aprendizagem — mede os novos conhecimentos e habilidades adquiridos;

3) Apoio e mudanças institucionais — defesa, apoio, acomodação, facilitação e reconhecimento institucionais em relação aos participantes;

4) Uso de novos conhecimentos e habilidades pelos participantes — grau e qualidade da implementação;

5) Resultados de aprendizagem dos estudantes — nos níveis cognitivo (desempenho e sucesso), afetivo (atitudes e disposições) e psicomotor (habilidades e comportamentos).

“Poderíamos estabelecer protocolos, como possuem os médicos”, orienta Gabriela Moriconi, da Fundação Carlos Chagas (Foto: divulgação)

Em texto decorrente de seu levantamento das publicações em língua inglesa e do que havia no Brasil em relação à avaliação das formações continuadas docentes, a pesquisadora da FCC listou oito características eficazes nesse tipo de ação, descritas em seu artigo Um debate em construção: em busca de evidências para a melhoria da formação continuada de professores.

A primeira dessas características é que a formação seja centrada no conhecimento do conteúdo a ser ensinado, em articulação com o conhecimento pedagógico sobre como ensinar esse conteúdo. O segundo ponto é que sejam realizadas por meio de aprendizagem ativa, colocando os docentes para trabalhar ao vivo e em cores durante a formação, num processo coletivo.

Os outros pontos são os seguintes:

  • Adoção de modelos e modelização de práticas, que se traduzem em exemplos de práticas pedagógicas;
  • Apoio à colaboração profissional, com interação entre pares e com os formadores;
  • Apoio especializado, com a presença de especialistas em determinados conteúdos ou de colegas mais experientes, com bom repertório sobre como ensinar;
  • Que sejam contínuas, ou seja, não basta a oferta de eventos isolados, como palestras; é preciso aprofundar a experiência e remeter ao universo de sala de aula, só assim sendo possível uma conexão com o segundo ponto (aprendizagem ativa).
  • Que ofereçam devolutivas e oportunidades para reflexão. As devolutivas são vitais em qualquer ambiente de trabalho para situar o profissional. A reflexão é a oportunidade de o docente dar um passo à frente, costurando práticas e conhecimento teórico.
  • E, por fim, que sejam coerentes. Isso quer dizer que a formação tem de estar em sintonia com os objetivos de sua realização, algo a ser determinado já inicialmente.

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Com base em sua experiência como formadora, Bárbara Born acredita que a formação docente poderia se espelhar em outras profissões. “Poderíamos estabelecer protocolos, como possuem os médicos.” Segundo ela, os professores têm apresentado dificuldades para lidar com alguns aspectos da prática docente, como a gestão de sala de aula, em especial nas classes de fundamental 2 e do ensino médio. E também em relação à inclusão, com atendimento de alunos com necessidades especiais.

Em alguns desses casos, ela acredita que o emprego de algumas técnicas ou protocolos pode ser útil. Obviamente, sempre associados à reflexão docente sobre seus resultados. Como exemplo, cita a questão da ocupação do espaço da sala de aula para obtenção da atenção dos alunos (sejam estes docentes ou adolescentes). “Quando você circula pela sala de aula, vai movendo a atenção de quem está ali, traz o olhar para si, ao contrário do que se estivesse parado. O papel do formador é não só ofertar esse tipo de estratégia, mas saber por que elas funcionam e como transmitir isso.”

Bárbara Born, do Instituto Península: “O formador tem de saber como os adultos aprendem” (Foto: divulgação)

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