COLUNISTAS

Colunista

Alexandre Le Voci Sayad

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP e apresentador do Idade Mídia (Canal Futura)

Publicado em 20/01/2025

O poder civilizatório da informação

Meta surpreendeu o mundo ao anunciar medidas que fragilizam a integridade e qualidade da informação compartilhada pelos usuários em suas plataformas; tendência é que esses ambientes digitais se tornem com o tempo ainda menos seguros e transparentes

Um sinal amarelo foi aceso em relação ao uso das redes sociais pelos estudantes do mundo. A Meta (empresa controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp) surpreendeu o mundo ao anunciar medidas que fragilizam a integridade e qualidade da informação compartilhada pelos usuários em suas plataformas. A tendência é que esses ambientes digitais se tornem com o tempo ainda menos seguros e transparentes.

Esse assunto tem obrigação de passar pela escola, seja nas práticas educativas, nos debates, mas não sem antes fazer-se presente na formação dos professores. Afinal, segundo a pesquisa TIC Educação Kids, realizada pelo Comitê Gestor da Internet, a porcentagem de crianças e jovens que acessam redes sociais no Brasil é superior a 80%.

Entre as medidas anunciadas estão a descontinuidade de serviços de checagem de informações (‘fact-checking’) e a não retirada de conteúdos falsos, imprecisos, ofensivos ou extremistas — políticas que a Meta vinha conduzindo nos últimos anos, mesmo com falhas. Na prática, Mark Zuckerberg, fundador, se rendeu às práticas não regulatórias da rede X (ex-Twitter), de Elon Musk, também estimuladas pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. No caso do X, as chamadas ‘notas da comunidade’, em que outros usuários comentam se a informação é verídica, imprecisa ou violenta, por exemplo, são o único mecanismo de mediação em funcionamento no momento.

——

Leia também

Combater a desinformação passa por plataformas digitais transparentes, alerta líder da Unesco

Oito em cada 10 brasileiros de nove a 17 anos que usam internet têm celular próprio

——

A medida vai contra o esforço de algumas nações que tentam regulamentar as redes sociais no sentido de acreditar que a qualidade da informação é um bem público — assim como a radiodifusão e o jornalismo profissionais devem seguir regras públicas. Na prática, mensagens no Facebook que associem a orientação sexual a doenças, por exemplo, estão agora permitidas, como indicado em uma diretriz da empresa. A negação da existência do Holocausto, a difamação pública sem provas de fato, e outros casos já presenciados anteriormente, estão iberados para serem postados pelos usuários.

Numa análise inicial, e legítima, o que a Meta fez foi desvelar ao público, com certo grau de sinceridade, a finalidade de sua existência: o lucro. Seu modelo de negócio é baseado em tráfego de usuários; vale o quanto pesa, ou seja, quanto mais, melhor. Moderar conteúdo significa por um lado reduzir o tráfego, e por outro, mais político, envolver-se em polêmicas públicas, debate, fuga de patrocinadores, entre outros. Trata-se de um exemplo prático da economia de mercado, que se aplica da venda de laranjas ao compartilhamento de informações.

Num contexto mais amplo, entretanto, não se pode ignorar que regular conteúdo em redes sociais é por si só um tema espinhoso. Estaríamos restringindo a liberdade de expressão, uma das maiores conquistas democráticas do século passado?

informação

Numa análise inicial, e legítima, o que a Meta fez foi desvelar ao público, com certo grau de sinceridade, a finalidade de sua existência: o lucro (Fotos: Shutterstock. Montagem: revista Educação)

O direito à liberdade de expressão e de comunicação seguiu caminhos de leituras e aprimoramentos após a aparição inicial na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. O fato é que ela nunca foi um valor que não se relacionasse com a garantia de outros. Não se pode garantir um direito à ofensa e ao racismo, por exemplo. Eis aqui o local em que o discurso de ódio não tem vez.

A ideia de uma liberdade absoluta (ou uma tolerância social absoluta) já foi refutada por inúmeros pesquisadores, começando pelo austríaco Karl Popper, que criou a ideia de um paradoxo nesse campo. Como poderíamos tolerar a opinião antidemocrática que justamente prega o banimento de um espaço de livre opinião? Não seria possível tolerar a liberdade daqueles que pregam justamente o fim dela mesma.

O debate sobre a liberdade de informação, no final das contas, é um debate sobre como viver em sociedade, e não à toa ganhou força depois de duas guerras mundiais. A informação nunca é neutra — vem carregada de vieses, além de perder e ganhar outros significados pelos diversos meios em que circula. Em muitas situações, a informação de qualidade pode ter um caráter civilizatório, se considerada como um bem público pelo qual temos de zelar. Ela auxilia a fortalecer indivíduos e instituições no convívio social — qual o poder da informação sobre o uso de preservativos na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo?

A maior temeridade da nova onda de desmanche dos mecanismos de verificação de informação nas redes sociais é perdermos a noção do caráter civilizatório da informação e que ela representa a infraestrutura sobre a qual as democracias são construídas.

——

Leia também

Restrição de celular na escola: com lei sancionada, educadores da rede pública avaliam como implementá-la

Algoritmo, o personagem do ano

——

Tudo está perdido? Há quem tenha argumentos de que o movimento da Meta pode ser positivo no médio prazo. A aclamada ‘autorregulamentação’ com o tempo daria conta de afastar usuários, posts e contas que não contribuem para um debate consistente. Assim evitaria o papel do Judiciário, ou das empresas de tecnologia de forma unilateral, ao banir usuários e conteúdos conforme parâmetros internos. Isso geraria mais confiança nas redes, segundo eles.

Mas, e os algoritmos? Como sabemos se conteúdos são privilegiados em detrimento de outros? A questão da transparência de funcionamento continua sendo um ponto crítico das práticas das empresas de tecnologia, que hoje se tornaram empresas de comunicação. A decisão da Meta contribui ainda mais para a opacidade de seus valores e funcionamento.

Tal qual a internet, que em seus primeiros anos se apresentava como uma biblioteca mundial que prometia democratizar o acesso à informação, e que depois se viu dominada por grupos monopolistas, as redes sociais passaram rapidamente da promessa de uma ‘ágora’ de debate qualificado a um coliseu de gladiadores irascíveis. A escola e seus educadores, que devem estar atentos e preparados para esses cenários, têm um papel central em auxiliar os estudantes a valorizar o caráter civilizatório da informação íntegra e de qualidade.

——

Revista Educação: referência há 30 anos em reportagens jornalísticas e artigos exclusivos para profissionais da educação básica

——

Escute nosso podcast

 


Leia mais

Desperate,Black,Student,Checking,Bad,News,On,Laptop,In,The

Lidando com frustrações: um olhar sensível para resultados de...

+ Mais Informações
informação foto Shutterstock

O poder civilizatório da informação

+ Mais Informações
Group,Of,Multiethnic,Children,With,Male,Teacher,Holding,Model,Of

Uma pedagogia com humanidade

+ Mais Informações
Coluna Débora Garofalo - Foto Shutterstock

Educação: a importância de fazer o arroz e o feijão com excelência

+ Mais Informações

Mapa do Site