NOTÍCIA
Pessoas alfabetizadas têm 77% de chance de acessar políticas de saúde, educação e moradia, enquanto aqueles que não sabem ler e escrever têm apenas 43%, destaca levantamento conduzido por Ricardo Paes de Barros
Por Barbara Panseri, gerente de educação na Fundação Lemann: A alfabetização no tempo adequado, ou seja, até o fim do 2º ano do ensino fundamental, é um direito de todas as crianças brasileiras previsto na BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Uma vez que a leitura e a escrita são a base para obter conhecimentos mais complexos, estudantes que não aprendem essas habilidades na etapa correta têm toda a sua trajetória escolar prejudicada. Isso acaba sendo refletido em uma maior probabilidade de reprovação, distorção idade-série e evasão escolar. Como numa engrenagem, no futuro poderão ser adultos com maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, por exemplo, limitando as oportunidades para o desenvolvimento de seus potenciais.
Uma pesquisa do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (LEPES) da Universidade de São Paulo (USP) comprovou esses reflexos da alfabetização na idade certa para o desenvolvimento das crianças. O estudo aponta que estudantes que aprenderam a ler e a escrever até os sete anos têm 2,6 vezes mais chances de atingir um nível avançado de aprendizagem ao chegarem no 5º ano do ensino fundamental. Outros dados também corroboram as consequências do analfabetismo na vida adulta.
O pesquisador do Insper Ricardo Paes de Barros realizou um levantamento apontando que pessoas alfabetizadas têm 77% de chance de acessar políticas de bem-estar, como acesso a programas de saúde, educação e moradia, enquanto aqueles que não sabem ler e escrever têm apenas 43%.
A campanha Mudar o começo é mudar o futuro, lançada no mês da alfabetização pela Fundação Lemann, Associação Bem Comum e Instituto Natura, trouxe para as redes sociais uma série de dados para conscientizar a sociedade sobre a importância dessa etapa e reforçar a importância de termos evidências confiáveis sobre a educação pública no Brasil.
No mundo das palavras, nem todos têm acesso à alfabetização
Inteligência artificial na educação, das promessas à realidade
Quando pensamos nos dados educacionais desagregados por raça, temos um desafio maior. Vivemos em um país onde o racismo é um problema histórico, sistêmico e estrutural, e por conta disso enfrentamos dificuldades importantes na coleta de dados raciais, principalmente para a faixa etária da alfabetização, na qual as crianças são heterodeclaradas e o baixo letramento racial das famílias e sociedade escolar não contribuem para termos dados de qualidade.
O acesso à informação é importante não apenas para a sensibilização das famílias, mas para apoiar os gestores públicos na garantia de aprendizagem adequada para todas as crianças, pois melhores dados nos dão oportunidade de tomar melhores decisões e agir para mudar o cenário posto. Ou seja, para avançarmos com boas políticas públicas, é fundamental construirmos bons diagnósticos, estruturas e mecanismos de monitoramento. Nesse sentido, ter acesso aos dados com transparência é essencial se quisermos que nenhuma criança fique para trás.
Cabe ressaltar que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de analfabetismo a partir dos 15 anos é maior entre pretos e pardos: a cada quatro pessoas que não sabem ler e escrever, apenas uma é branca. Quando consideramos os dados do Saeb do 2º ano de 2021, temos 52,4% das crianças brancas com desempenho adequado, comparado a 44% das crianças pretas.
Para isso, outro ponto essencial nesse tabuleiro é o engajamento político. É necessário unir esforços dos governos — federal, estaduais e municipais — e de toda a sociedade em torno de um pacto nacional que coloque a alfabetização como prioritária. O regime de colaboração entre estados e municípios é um exemplo de estratégia que tem funcionado, como é o caso do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, implementado pelo governo federal, e da PARC (Parceria pela Alfabetização em Regime de Colaboração), iniciativa da Fundação Lemann, Instituto Natura e Associação Bem Comum que oferece apoio técnico a 18 estados para que desenvolvam a política de alfabetização em parceria com seus municípios. Apesar dos avanços, não podemos perder o senso de urgência com esse tema, especialmente pensando no âmbito municipal, onde as gestões têm menos recursos técnicos e financeiros.
Além disso, mais de 80% das crianças nos primeiros anos do ensino fundamental da rede pública estão matriculadas em escolas municipais, portanto, é primordial escolhermos prefeitos e vereadores engajados com essa agenda nessas eleições. Precisamos de lideranças públicas que olhem para a educação pública, e mais especificamente para a etapa de alfabetização, como uma questão iminente. Que coloquem as habilidades de leitura e de escrita em seus planos de governo enquanto um compromisso com todas as crianças brasileiras e com o futuro do país. Alfabetizar no segundo ano do ensino fundamental, a ‘idade certa’, é mais fácil, eficiente e barato para o Estado do que tentar consertar posteriormente as brechas ocasionadas por sua omissão.
Priorizar nossos estudantes é priorizar o Brasil, pois queremos um país feito por e para nossa gente. Para escrevermos um futuro melhor, mais justo e desenvolvido precisamos de lideranças que sejam capazes de ler esses desafios complexos e atuar pela transformação social de forma urgente.
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