NOTÍCIA

Políticas Públicas

As emergências do novo Conselho Nacional de Educação

Vinculado ao Ministério da Educação, CNE ganha novos integrantes, entre eles, Cesar Callegari

Publicado em 02/09/2024

por Rubem Barros

Depois de uma ausência de seis anos, o sociólogo Cesar Callegari volta a ocupar uma das cadeiras do Conselho Nacional de Educação (CNE), na Câmara de Educação Básica, vinculada ao Ministério da Educação (MEC). Sua atuação é voltada a temas educacionais desde os anos 1990, quando foi deputado estadual (1995 a 2003). Em sua trajetória, também foi secretário municipal de Educação de São Paulo e Taboão da Serra e secretário de Educação Básica do MEC. 

Callegari é marcado por ter sido um ácido crítico da proposta do novo ensino médio aprovada no governo Temer pelo fato de ela implicar a redução de conteúdos e disciplinas obrigatórias em prol de uma suposta liberdade de o estudante escolher o que cursar. Mesmo assim, não esteve entre os defensores da revogação total do texto, preferindo apoiar partes que considerava exequíveis. 

Na entrevista a seguir, o presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada fala das questões mais urgentes nesse momento de volta ao CNE: as diretrizes operacionais dos itinerários do ensino médio, as diretrizes curriculares para a etapa e para a abordagem do Transtorno do Espectro Autista. 

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Desde 2018 fora do Conselho, como está vendo esse retorno, qual o cenário deste momento?

Antes de tudo, um comentário: nas vezes que participei desse processo de escolha dos integrantes do Conselho Nacional da Educação, nunca tinha visto concorrência tão grande, tantas pessoas, gente muito qualificada e com a disposição de ajudar. Desde 2004, quando comecei a participar, nunca houve tantos nomes, tantas entidades se mobilizando. Foram mais de 220 indicações de nomes para ingressar no CNE. É um sinal muito positivo. Passamos por um período de muita desmobilização, em que o Ministério da Educação como um todo, incluindo o Conselho, foi alvo de um processo de desmonte proposital. Principalmente durante o governo Bolsonaro. Então, há essa expectativa, esse desejo de muita gente e de muitas entidades de querer retomar, no âmbito desse quadro de ações normativas, a reconstrução do país na área educacional.

Houve uma recomposição expressiva. Das 12 posições da Câmara da Educação Básica, uma é sempre ocupada pela Secretária da Educação Básica do MEC, que atualmente é a professora Kátia Helena Schweickardt. E das outras 11 vagas, oito foram mudadas. Restaram apenas três nomeações feitas durante o período Bolsonaro. Com essas oito vagas, formou-se um grupo muito bom, bem diverso. Na Câmara da Educação Superior houve uma renovação de cinco das doze vagas, também com um grupo de pessoas muito qualificadas. Ou seja, a nova formação do CNE está bastante boa.

O processo de composição do CNE, a indicação dos conselheiros, por vezes, causa mudanças abruptas, como na entrada do presidente Michel Temer.  Não haveria uma forma de tornar esse processo mais claro para a sociedade?

Tudo pode ser sempre aprimorado. O decreto que regulamenta a indicação de nomes para o Conselho Nacional de Educação vem da época do Fernando Henrique Cardoso. E se mantém. O número de entidades que são listadas para indicar nomes tem aumentado cada vez mais. Nessa última, foram quase 60 entidades. De qualquer maneira, como o CNE, por lei, é um órgão de assessoramento ao Ministério da Educação, tem uma certa lógica que esse procedimento aconteça dessa forma, porque o ministro da Educação precisa ter uma incidência na qualidade daqueles que vão assessorá-lo. Enfim, pode ser aperfeiçoado, mas não sei exatamente como isso poderia ser feito. 

E vale ressaltar que muitas entidades que acabam não tendo nomes recepcionados na nomeação pelo presidente da República já têm muita incidência sobre o MEC. Por exemplo, desta vez não foi nomeado ninguém do Consed (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais da Educação) e da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), entidades que representam os gestores educacionais dos estados e dos municípios. Mas tanto um como outro têm uma interlocução direta com o Ministério da Educação, participando de comissões, atividades e tendo diálogo direto com o MEC. Não estão no Conselho, mas têm incidência não só sobre o Conselho, mas sobre as políticas e programas do Ministério da Educação.

Conselho Nacional de Educação

Sociólogo Callegari, grande opositor da proposta do novo ensino médio de Michel Temer (Foto: arquivo pessoal)

Há reclamação de que não existe representante dos povos indígenas nestas novas indicações. É muito difícil dar espaço para todos os grupos que requerem representação no Conselho?

Em relação à ausência dos povos indígenas é uma lacuna que se formou. Apesar de as organizações dos povos indígenas também terem incidência no Ministério da Educação, com representação forte na Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) e em outros órgãos, como a Secretaria de Educação Básica. Seria importante que estivessem presentes. Na minha experiência anterior, quando tínhamos a representação dos povos indígenas, eles deram contribuições importantes por meio de seus representantes. Enfim, é difícil recepcionar todos os segmentos educacionais

Sobre a pauta da educação neste momento, quais as grandes atribuições do CNE nos próximos dois anos (anos finais desse governo)?

No curto prazo, temos a enorme tarefa de elaborar as Diretrizes Curriculares do Novo ou novíssimo Ensino Médio, em consequência da lei aprovada no primeiro semestre. Ela foi aprovada com certo atraso, então temos de correr para que ainda neste ano, até dezembro, possamos aprovar as diretrizes operacionais dos quatro itinerários formativos previstos em lei. Quais são esses itinerários? Os referentes às áreas de matemática, ciências da natureza, linguagens e ciências humanas. Isso é o previsto na lei, que atribuiu diretamente ao CNE a responsabilidade de discutir e aprovar essas diretrizes. Além das diretrizes para cada uma dessas áreas de conhecimento, temos de aprovar as Diretrizes Curriculares do Ensino Médio como um todo. Essas são duas tarefas importantíssimas, para as quais temos de nos preparar para liquidar até o final deste ano.

E como isso será feito?

Por meio de discussões. Isso é parte, inclusive, dos momentos mais abertos do Conselho — a promoção de audiências e consultas públicas, para fazer com que essas diretrizes possam representar, de fato, não apenas as possibilidades, mas também as perspectivas do desenvolvimento do ensino médio no país.

E nesse curtíssimo prazo, o que mais há? 

A gente também tem a tarefa de retomar as discussões a respeito das orientações para a educação dos portadores do TEA, os Transtornos do Espectro Autista, uma questão muito polêmica. Isso já está lá no Conselho, mas em processo de retomada e de revisão dos pareceres que foram elaborados anteriormente.

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Como você vê esse aumento tão significativo dos casos de TEA?

O fato de isso ter adquirido uma visibilidade maior nas redes públicas estaduais e municipais, e mesmo nas escolas privadas — a presença desses jovens, crianças e até adultos, pois isso também envolve a educação superior — se deve a um processo de maior conhecimento e aprimoramento dos diagnósticos relacionados a essa questão, que então ficava escondida. Mesmo as famílias não entendiam muito. Isso ficou um pouco mais claro [com leis e resoluções] em relação aos direitos dessas crianças, adolescentes e adultos.

E, portanto, os diagnósticos, os laudos acabaram aparecendo em maior volume. Essa transparência permitiu que tivéssemos um quadro mais completo a respeito dos desafios educacionais para esses estudantes, quadro esse que preocupa muito os gestores, tanto das escolas públicas quanto das privadas, em função do volume. Os gestores, os educadores, professores, diretores de escola têm uma preocupação muito grande que envolve até o sistema de Justiça. O Ministério Público e o Poder Judiciário acabam incidindo nos processos de inclusão dessas crianças, jovens e adultos.

Há algumas coisas polêmicas herdadas do governo Bolsonaro, não?

Ainda não tenho um quadro completo a respeito do chamado Parecer 50, aprovado no período anterior e que é muito polêmico, porque tem uma pegada um pouco mais, vamos dizer assim, medicalizada. O campo educacional tem o posicionamento de que, no território escolar, você tem de ter um trabalho de inclusão que seja propriamente educacional e não medicalizado ou a partir da presença de profissionais que não são da própria educação. É um tema que recebemos agora e ainda preciso estudar mais, como todos os demais conselheiros. Isso vai ser retomado a partir de setembro e com uma perspectiva de resolução, pois já houve muito debate a respeito. A expectativa é de que seja aprovada uma orientação mais clara para os sistemas de ensino sobre como o processo escolar dessas crianças, jovens e adultos deve acontecer.

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Autor

Rubem Barros


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