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Entrevistas

Milton Hatoum fala da importância de Graciliano Ramos

Hatoum compartilha que o autor de 'Vidas secas' foi um farol em sua vida de leitor e escritor

Publicado em 02/08/2024

por Rubem Barros

Desde cedo fã das obras de Graciliano Ramos, o escritor Milton Hatoum, autor de Dois Irmãos e de Relato de um certo Oriente (que chega agora aos cinemas, com direção de Marcelo Gomes), fala, a seguir da importância do escritor alagoano. E confirma que em 2025 chega às livrarias o último volume de sua trilogia O lugar mais sombrio, ainda sem nome, mas que terá a mãe como narradora. Confira:

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Você conheceu a obra de Graciliano Ramos na adolescência? 

Sim. Foi uma espécie de farol na minha vida de leitor e depois de escritor. Naquela época eu não descobri todas as sutilezas da linguagem e da questão social, política e psicológica. Depois, fui atrás da crítica sobre o Graciliano, tem muita coisa. Foi um mestre da concisão, dizia muito com poucas palavras. Isso é impressionante num país muito verborrágico.  

Angústia, nesse sentido, é um livro um pouco fora da curva. Antonio Candido, num primeiro momento, disse que era a pior obra dele. Depois repensou. É um livro que sai do padrão? 

Bastante. Tem aquela espécie de solilóquio caudaloso, o próprio romance pede essa linguagem. O que ele queria dizer não passava pela linguagem concisa dos outros livros, tem um fluxo dele, do Luís da Silva. Conversei com o Antonio Candido sobre isso, e ele de fato se corrigiu na avaliação crítica do Angústia. É um romance fantástico. O Graciliano jogou com isso. Repudiava, se autoflagelava, mas nunca proibiu, não saiu do catálogo. Em certos aspectos é mais denso do que os outros livros.  

 

Milton Hatoum

Milton Hatoum tem 71 anos e nasceu em Manaus, Amazonas (Foto: divulgação)

Quais foram tuas descobertas como leitor maduro? 

Ele juntou uma complexidade social e psicológica e até histórica na obra dele. E com uma linguagem muito precisa. Nesse aspecto, é um discípulo de Flaubert, um autor que sempre admirei muito e acho que ele também admirava. Tem essa precisão flaubertiana, essa exigência da frase lapidar. É um estilo de corte clássico. Ele não quis inventar uma linguagem, foi por outros caminhos, pelo caminho da comunicação com o leitor sem nenhuma concessão do ponto de vista da facilidade. E há uma façanha em Vidas Secas, além da questão social e da carência: a fome, a miséria, a pobreza estão muito próximas da carência do saber, do conhecimento.

O Fabiano e a família não conseguem argumentar porque não conseguem pensar. O pensamento deles não alcança uma argumentação. É um pouco o que está acontecendo no Brasil. Fabiano é muito atual. A façanha, do ponto de vista técnico, foi trabalhar com o discurso indireto livre, que não separa a fala dos sertanejos da fala culta do escritor, do escritor urbano, culto. É como se ele falasse de dentro da mente das personagens. Isso já existia um pouco em O Quinze, da Rachel de Queiroz. Mas em Vidas Secas a palavra do matuto, do sertanejo, é interiorizada, não se separa do fluxo do discurso narrativo. É uma consciência dos sertanejos que não é falseada. Isso foi importante para mim quando descobri essa técnica de não falsear a voz e o pensamento dos sertanejos.  

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Em São Bernardo, o universo é outro, mas também funciona como uma alegoria de certos tipos brasileiros, uma conjugação de poder e desejo muito poderosa na figura do Paulo Honório.  

O Paulo Honório representa o que é hoje a bancada do boi. É isso, só que muito mais complexo do que a bancada do boi, que é muito xucra. Esses políticos, os latifundiários não têm complexidade psicológica… é um caso em que a personagem é mais complexa do que a pessoa. O Paulo Honório é uma personagem atormentada, consegue subir na vida e comprar a fazenda com falcatruas e assassinatos. É um criminoso que se apaixona, e aí começa a desconfiança, o ciúme, o delírio, acha que a Madalena está influenciando os trabalhadores, doutrinando os empregados, o mesmo que acontece hoje, só que 90 anos atrás! É uma loucura a atualidade desse romance. Primeiro essa implicância, essa agressão aos professores, no caso à Madalena; depois essa acusação, essa loucura ideológica do comunismo. 

Graciliano Ramos

“Foi um mestre da concisão, dizia muito com poucas palavras”, diz Hatoum sobre Graciliano (Foto: Fernanda Preto/ reprodução Itaú Cultural)

Ele mostra tudo isso sem fazer proselitismo. 

A questão psicológica é muito forte, mas nunca é explicitamente ideológica, ele não explica. Isso tem um lado ético muito forte, de crítica social. Mas não explica e não denuncia, uma coisa muito em voga na literatura hoje, a denúncia direta, explícita. Quando você explica, perde a complexidade, e as coisas nunca se passam de modo maniqueísta.  

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Autor

Rubem Barros


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