ARTIGO

Olhar pedagógico

Iniciativas exitosas para a construção de uma educação antirracista

Especialista alerta para o desafio de engajar estudantes em temáticas da educação antirracista e conteúdos de história afro-brasileira

Publicado em 22/11/2023

por Redação revista Educação

O medo de que os estudantes dos anos finais (6º ao 9º ano) desistam da escola por falta de interesse pelos estudos é recorrente para 26% dos pais e responsáveis por estudantes negros ouvidos na 10ª edição da pesquisa Educação na perspectiva dos estudantes e suas famílias, encomendada ao Datafolha por Itaú Social, Fundação Lemann e BID, com apoio da Rede Conhecimento Social. Já nas famílias brancas, o número é de 23%. O estudo foi realizado em dezembro de 2022 com 1.323 responsáveis por 1.863 estudantes de todas as regiões do país, com o objetivo de identificar indícios de descontinuidade dos estudos, identificar as ações das escolas no primeiro ano após a pandemia, conhecer as dificuldades encontradas pelos estudantes nesse retorno e avaliar o envolvimento das famílias com a escola.


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Entre os outros motivos que poderiam levar à desistência da escola, 25% dos responsáveis por estudantes negros afirmam que seria por medo de serem reprovados, contra 18% das famílias de estudantes brancos. Outra causa capaz de justificar que estudantes negros se afastem dos estudos, de acordo com a pesquisa, é o fato de não conseguirem acompanhar as atividades, conforme apontado por 17% dos responsáveis por esses estudantes. A porcentagem de famílias brancas é de 16%. 

Segundo as famílias entrevistadas, ainda há o receio de que 13% dos estudantes negros deixem a escola diante da necessidade de trabalhar ou de ajudar nas questões financeiras. Além disso, 11% estudantes negros podem abrir mão dos estudos por não se sentirem acolhidos, de acordo com seus responsáveis. 

A discrepância entre os dados marca a persistência das desigualdades educacionais no Brasil quando o assunto é raça/cor. Nesse sentido, o diagnóstico do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) revelou que a aprendizagem dos estudantes brancos dos anos finais do ensino fundamental para língua portuguesa era de 46% do esperado, ante 27% para os estudantes pretos. Em matemática, os índices retratavam 25% para os brancos e apenas 11,9% para os pretos. Ou seja, o aprendizado para os alunos pretos era 1,6 vezes menor em língua portuguesa e duas vezes menor em matemática. 

Para a coordenadora de educação infantil do Itaú Social, Juliana Yade, o cenário reflete o desafio de se construir um currículo sob a perspectiva antirracista e focado na oferta de conteúdos sobre história e cultura afro-brasileira.

“Ressaltar a contrubuição da população africana e afrodescendente para as diversas áreas do conhecimeto é um ponto central para a missão de engajar estudantes negros. Além disso, é uma forma viável e justa de expandir o repertório de narrativas e valorizar a ancestralidade”, diz. 

Famílias, responsáveis e pesquisadores não são os únicos a se preocuparem com o aprendizado e a permanência de jovens negros nas escolas. A implementação de conteúdos de ensino de história e cultura africana e afro-brasileira é listada como um desafio para 19,8% dos gestores municipais, ouvidos na pesquisa Percepções e desafios dos anos finais do ensino fundamental nas redes municipais, realizado pelo Itaú Social em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). O estudo apresenta ainda que quase 20% dos gestores municipais sentem dificuldade em trabalhar conteúdo racial na sala de aula com estudantes do 6º ao 9º ano. 

Nessa perspectiva, Juliana Yade ainda ressalta a implementação da Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana.

“As escolas têm oportunidade de apoiar na construção de uma sociedade antirracista, que valorize a diversidade e se opõe à naturalização das desigualdades e violências destinada no espaço escolar às crianças, adolescentes e jovens negros. Desta forma, ficará mais evidente o quanto ainda precisamos caminhar para diminuir as diversas lacunas de acesso de aprendizado adequado e de trajetórias irregulares, oferecendo a todos um ambiente afirmativo e conteúdos que considerem a equidade racial”, finaliza. 

A importância da educação antirracista e do trabalho colaborativo diante dos desafios do ensino público

Embora as pesquisas evidenciem a persistência das desigualdades educacionais entre negros e brancos, muitos docentes do ensino público, em diversas localidades do país, seguem investindo em ações de valorização da cultura negra e de práticas antirracistas nas escolas.

Alguns deles são sugeridos como personagens para pautas relacionadas ao Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, mas também para o ano inteiro.

Projeto que relaciona ensino da matemática e manifestações negras

Apesar da importância da matemática no cotidiano, o ensino da disciplina em sala de aula é um desafio para professores, que recorrem a diferentes metodologias para potencializar a aprendizagem dos estudantes. Com o olhar voltado para essa questão, a pesquisadora Cristiane Coppe elaborou um projeto, a partir da abordagem Modelagem matemática, que inspirou um curso para professores da cidade de Uberlândia, Minas Gerais. Por meio da experiência positiva narrada pelos professores que participaram da formação, o projeto reforça a importância de dar notoriedade às manifestações negras, como forma de aproximar a disciplina do estudante. Segundo a pesquisadora, a representatividade contribui para estimular o aluno no desenvolvimento do pensamento crítico, da autonomia e da participação ativa na sala de aula. 

Foto: divulgação


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Em busca da qualidade da educação nas comunidades quilombolas

O projeto da professora Nádia Maria Cardoso da Silva tem como objetivo contribuir para a qualidade social da educação nas comunidades quilombolas de Ilha de Maré, na Bahia, por meio de suas lideranças e comunidade escolar no mapeamento participativo dos bens históricos, culturais e na produção de um acervo digital com as histórias, lutas, cultura e saberes. Tudo isso é disponibilizado como material didático para escolas da comunidade. 

Educação antirracista

Foto: divulgação

Como crianças podem construir sua identidade cultural por meio de jogos e brincadeiras? 

A professora baiana Mighian Danae está à frente da produção do Catálogo de Jogos e Brincadeiras Africanas e Afro-brasileiras, que traz diversas brincadeiras quilombolas para a educação infantil, construído a partir de uma pesquisa aplicada denominada “Nô bá brinca, vamos brincar, ahi tlhangui?”. Segundo a autora: “Para a criança, a brincadeira não só é de suma importância para o desenvolvimento físico, emocional e socioafetivo, como também auxilia a construir e valorizar sua identidade cultural”. O e-book pode ser baixado gratuitamente no site da Editora Aziza

Foto: divulgação

Ensino da história e da cultura afro-brasileira em escola municipal 

Débora de Araujo é autora do livro LitERÊtura, que aborda a literatura dos povos africanos e afro-brasileiro. A obra reúne ensaios sobre a temática e experiências pedagógicas desenvolvidas com professores da Escola Municipal Antonio Vieira de Rezende, de Serra, Espirito Santo. Débora explica que o objetivo do livro é buscar diferentes pontos de vista em relação à valorização da identidade negra no município. “São vozes que se engajaram intensamente para pensar estratégias e ações de intervenção que impactassem crianças e docentes por meio da literatura infantil, sob a perspectiva da cultura africana e afro-brasileira”. 

Educação antirracista

Foto: divulgação

Construindo uma educação antirracista 

A professora Neli Edite dos Santos, da Universidade Federal de Uberlândia, no triângulo mineiro, é autora do livro Construindo uma educação antirracista: reflexões, afetos e experiências, uma coletânea que reúne autores em torno da temática do racismo estrutural no ambiente escolar e suas estratégias de resistência. Além de práticas educativas bem-sucedidas, os capítulos trazem relatos, poemas, artigos científicos e outras narrativas fundamentais para compreensão de assuntos como a modernização do racismo, aplicação de políticas públicas, misoginia e efetivação de leis.

Foto: divulgação

Desde a intervenção realizada na escola de educação básica – Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Uberlândia, em 2020, já há indícios dos bons resultados: o livro segue sendo citado em trabalhos de graduações e licenciaturas, as atividades sobre tons de pele para crianças de quatro e cinco anos estão sendo trabalhadas como material pedagógico em outras salas de aula, além do aumento do diálogo entre as famílias e a escola sobre a centralidade da educação antirracista para as crianças.



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