ARTIGO
Por Maria Fernanda Ziegler da revista Educação Infantil | A criança tem 100 mãos/100 pensamentos/100 modos de pensar /de jogar e de falar”, escreveu Loris Malaguzzi, idealizador da pedagogia de Reggio Emilia, na Itália. Nesse sentido, um desenho, uma brincadeira, um movimento, nada é descartável […]
Por Maria Fernanda Ziegler da revista Educação Infantil | A criança tem 100 mãos/100 pensamentos/100 modos de pensar /de jogar e de falar”, escreveu Loris Malaguzzi, idealizador da pedagogia de Reggio Emilia, na Itália. Nesse sentido, um desenho, uma brincadeira, um movimento, nada é descartável aos olhos do professor. Especialmente para as crianças que ainda não falam ou que não se expressam com clareza é extremamente importante que o professor esteja atento a diferentes manifestações. E a partir daí, ele pode planejar as atividades em sala de aula”, diz Heloísa Helena de Azevedo, professora do programa de pós-graduação em Educação da PUC Campinas (SP).
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Mais do que o olhar, porém, Malaguzzi preferia a analogia com outro sentido: a escuta. Um exercício que significa voltar a atenção para o que a criança é capaz de fazer, sem qualquer estrutura predeterminada de expectativas e normas. Saindo do ‘adultocentrismo’ e colocando a criança como protagonista do processo educativo, a escuta faz com que o professor tenha “um projeto centrado no esforço de compreensão da criança nos seus modos de ser, estar e relacionar-se”, descreve Marina Marcondes Machado em Merleau-Ponty & a Educação (Autêntica Editora, 2010). Para aproximar-se da criança, o filósofo menciona a necessidade de uma “nova linguagem” que revele as relações criança-corpo, criança-outro, criança-espaço, criança-tempo, criança-linguagem, criança-cultura.
Como construir essa linguagem? Como compreender os que ainda não se expressam em palavras? O primeiro ponto é o professor se perguntar: que imagem tenho dessa criança?
“Quem sou eu?! Essa é a frase que a criança constantemente faz a si mesma, aos seus pares, aos adultos. Garantir que a criança vá descobrindo esta imagem de si a partir dela e dos outros é a possibilidade de oferecer um sentido de si próprio”, descrevem Maria Carmen Silveira Barbosa e Paulo Sergio Fochi em O desafio da pesquisa com bebês e crianças bem pequenas.
O desafio é sentido por todos que se propõem a realizar uma prática pedagógica ‘em relação’ com a criança. “É muito difícil observar. É preciso treinar o olho do professor e usar aquilo que aprendeu em sua formação”, diz Heloísa.
Qual o ponto de partida para essa observação, então? O fato de não ter expectativas preconcebidas e se concentrar no que ocorre na interação com as crianças não significa falta de planejamento. Pelo contrário. O pretenso vazio é preenchido pelo recorte que o professor dará à sua proposta de observação. O que irei observar? Com qual propósito? De acordo com essas respostas é possível criar um esquema de observação por temas, atividades, crianças – diário, semanal ou mensal.
“O professor precisa criar condições para ir observando e também conhecer a capacidade de exploração e interação das crianças”, afirma Maria Clotilde Ferreira, professora emérita da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
Dessa forma, é preciso que o professor se organize, tanto em relação às atividades quanto na estruturação dos espaços. Clotilde afirma que, ao criar contextos favoráveis para a exploração infantil em pequenos grupos, o professor pode passear entre as crianças, observá-las e também interagir com os pequenos. No caso dos bebês, construir cenários para que eles brinquem e interajam entre si também é fundamental.
Embora não haja receita certa e errada sobre como dosar observação e interação, é possível fazer as duas coisas. Para isso, é preciso que o professor tenha a consciência de que ele pode aprender com a criança, saindo do papel de quem vai apenas ensinar para aquele de quem também vai aprender. “Assim é possível ver coisas fenomenais. Crianças com menos de um ano interagindo com outras crianças, demonstrando solidariedade”, diz a professora da USP.
Observar, se relacionar, registrar. Essa é a tríade da abordagem da documentação pedagógica de Malaguzzi. Em Reggio Emilia, toda produção infantil é registrada e considerada importante. Os trabalhos do dia são expostos de maneira a formar uma memória sobre a experiência, tanto para os professores quanto para pais e crianças. A documentação coloca o professor na posição de pesquisador e é o caminho para tornar visível a produção e a expressão infantil. Significa, em última instância, valorizar esse saber e acreditar que ele vai realimentar a prática docente. Obviamente, os modos de fazê-lo são diversos, e devem se adequar a cada contexto.
Em sua tese de mestrado, defendida pela USP, a professora de educação física Deise de Oliveira Rezende observou 45 crianças de quatro a cinco anos. Sua conclusão é que, ao olhar as culturas infantis, os professores podem melhorar sua própria prática. “Quando você entra em grupo e as observa, seja o comportamento motor até o social, vê como a criança tem adaptabilidade, necessidades, possibilidades e, principalmente, sua organização no brincar.”
Ao excluir professor homem, educação infantil limita convivência com diferentes modos de ser