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Fernando José de Almeida

Professor de pós-graduação em educação: currículo na PUC-SP e secretário municipal de Educação da cidade de São Paulo (2001-2002)

Publicado em 27/01/2023

Ensinar a juventude a fazer ou a pensar sobre o que faz?

Quem só faz pode fazer bem, mas quem sabe por quê faz pode dominar as finalidades e práticas significativas da vida, e ensinar

ensinar-a-pensar Foto: Shutterstock

Não existe um ser humano abstrato. Um ser que pensa a partir do nada. Nem o pensamento é uma atividade puramente abstrata. O pensamento é uma síntese do fazer e do pensar. Pensar é resultado de habilidades físicas e mentais dos seres humanos durante toda a extensão de suas vidas.

Além disso, o ser humano pensa segundo as possibilidades de suas idades mentais e corporais, segundo as evoluções psicossomáticas e suas necessidades, segundo o processo sócio-histórico em que vive. O pensamento é a resposta à necessidade de compreensão dos fenômenos percebidos pelos sentidos. Ameaças, carências, perdas e frustrações. Perante eles a mente pergunta: e agora, o que faço? A compreensão é exigida para criar respostas eficazes para a solução dos problemas. O pensamento é desenvolvido à medida que soluções a problemas concretos (ou imaginados) nos cobram respostas.


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“Por que o céu é tão grande e espantoso, em sua escuridão e mistérios? Por que as coisas em geral aparecem, perecem, desaparecem, rebrotam, transformam-se em outras coisas?”

“Por que a morte nos espreita e leva os seres queridos? Ou ainda, como fazer para garantir que o trigo dure mais para o tempo do frio e da escassez? Como construir uma casa à prova de ventos e controle do frio ou das areias tórridas de um deserto? Como enfrentar as doenças?”

O pensamento humano (cuja sistematização, registro e documentação chama-se conhecimento) é realizado em cada fase da vida, infância, maturidade ou velhice, de acordo com suas possibilidades e necessidades concretas sociais ou individuais.

Jean Piaget (1896-1980) e Lev Vygotsky (1896-1934) vão trazer importantes pesquisas, sistematizações e explicações sobre o desenvolvimento do conhecimento e da linguagem e que hoje trazem sempre o maior sentido e apoio ao planejamento didático-pedagógico dos sistemas escolares.  

O que é certo é que os resultados e as expressões do pensamento são uma síntese de experiências advindas dos cinco sentidos que se entranham na memória e são trabalhadas de múltiplas formas, em sutis mecanismos de seleção, abstração e generalização. A arte de separar, dar nomes, comparar, classificar, organizar em formatos diversos, dar valor a uns e descartar outros (selecionar), sintetizar, … são habilidades mentais e físicas que configuram o processo de aprendizagem e da construção do conhecimento.


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Tal processo evolutivo e gra­dual retrata uma espécie de simbiose entre o fazer-experimentar e o refletir, perguntar, duvidar, espantar-se, errar, esperar, respeitar (etimologicamente, olhar de novo: re-spectare), assimilar em novas categorias mais amplas e criadas internamente à medida que os problemas crescem e as experiências corporais, anímicas e sociais se ampliam. O tempo de amadurecimento dos processos cognitivos é fator relevante no aparecimento dos resultados do pensar, assim como a gestação de um fruto tem um tempo dentro do qual opera suas fases de crescimento.

Os processos cognitivos e do desenvolvimento de fruto e fetos podem ser acelerados apenas de modo incremental, mas não podem ser, essencialmente, antecipados. Os nove meses de uma gravidez são um marco da qualidade de uma gestação; pode ser antecipada ocasionalmente, mas com cuidados extras. Assim como não se precipitam com antecipações as ações orgânicas da natureza, do pôr do sol ou da lua, pois seriam um desregulamento ou contrassenso sistêmico e ambiental. Destaca-se aqui a importância do tempo – delicado e sutil – dos processos mentais necessários à aprendizagem.

Posto que a aprendizagem – orgânica e viva – é resultado de íntima colaboração entre o fazer e o refletir sobre o fazer, assim a educação (sistematização e trabalho pedagógico com os conhecimentos historicamente acumulados) em seus métodos se utiliza das duas habilidades humanas: fazer e pensar sobre o fazer. Sempre foi assim nos processos educativos de todas as sociedades, das aldeias e pequenos agrupamentos humanos até as aglomerações urbanas caóticas ou coesas.

O fazer e o pensar andam juntos – são uma dupla indissociável. A busca de sua harmonização é o desafio da educação sistemática e orgânica, como nos espaços escolares e nas propostas curriculares. Eles – o fazer e o pensar – se realimentam e se exigem mutuamente. Quanto mais precisamos melhorar o fazer, mais cobrança de que o pensamento intervenha no processo. E quanto melhor penso a prática, melhor posso operá-la. Não há uma hierarquia de valores entre eles, o fazer e o pensar. As escolas, tal como se organizam nas sociedades mais complexas, mais se exige delas e de seus currículos uma profunda especialização no pensar sobre o fazer. São eles, os currículos, um lócus de pensamento, conhecimento, organização da cultura e de difusão das sínteses provisórias que estão sendo evidenciados nas complexas práticas humanas dos últimos 21 séculos.

A dimensão pedagógica das práticas híbridas frequentemente confunde a prática com a finalidade da educação. A educação humana tem, sim, a característica de prática, mas não é sua finalidade. A finalidade da educação humanizadora (portanto, não se fala aqui de instrução, treinamento, adestramento para o mercado de trabalho…) é o desenvolvimento do saber fazer, do saber por quê fazer e do pensar. Quem só faz pode fazer bem, mas quem sabe por quê faz pode dominar as finalidades e práticas significativas da vida. E ensinar.

 Afinal, a função do professor é ‘ensignar’ o sentido das práticas humanas. Portanto, o fazer – estimulado e exigido nas práticas curriculares – é condição fundamental para o pensar, este sim, a finalidade da escola.

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