NOTÍCIA
Diploma não é o problema. Especialistas defendem que os futuros docentes precisam compreender as crianças em suas mais variadas dimensões
Publicado em 18/12/2019
*Esta matéria contou com a colaboração da professora e doutora em Educação, Marcia Gobbi
É preciso pensar sobre e com as crianças nos diferentes espaços urbanos. É com esse intuito, de olhar as infâncias e os diferentes espaços vividos e construídos pelos pequenos que aconteceu o V Seminário Luso-Brasileiro de Educação Infantil (SLBEI) e o II Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Infâncias e Educação (CLABIE), de 10 a 13 de dezembro, na Universidade de São Paulo (USP). Na programação, o evento contou com oficinas, saídas por diferentes regiões da cidade, locais para acolhimento de crianças e amamentação e debates voltados para a formação de professores com foco nos primeiros anos de vida das crianças.
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Contudo, para compreender as infâncias é preciso estar claro que a defesa da criança enquanto sujeito histórico e de direitos teve seu ponto forte com a Constituição de 1988, que mais tarde, já no âmbito educacional, deu impulso para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996.
“A década de 90 trouxe muitas conquistas. Após a LDB tivemos, praticamente, que desenhar como deveriam ser os caminhos. Não havia de forma clara quem era o professor da creche e primeira infância e os que atuavam na área não eram reconhecidos. Ou seja, havia tudo para fazer”, explicou durante o evento Mônica Appezzato Pinazza, doutora em Educação e professora docente e pesquisadora na USP, com destaque para a área de formação de professores e educação da infância.
Segundo Mônica Appezzato, nos anos 2000, o Brasil teve dificuldade de sustentar o que foi desenvolvido na década de 90. Entretanto, nesses quase 20 anos, não se pode negar o aumento no número de certificados em formação inicial de professores, ainda que muito concentrados no Sudeste e Sul. A saber, em 2000, os professores que atuavam em creches brasileiras sem graduação chegavam a 66,4%. Já o Censo Escolar divulgado em 2017 mostra uma grande mudança, uma vez que 66,3% dos professores têm diploma de ensino superior. Nota-se que há muito a fazer, mas também que muito foi feito.
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Durante esse processo do conhecimento, Pedro Cardoso da Silva, da Universidade Katyavala Bwila, Angola afirmou aos presentes no encontro na USP, que outra grande dificuldade das instituições de ensino superior — não só no Brasil — é preparar para as desigualdades sociais das crianças cujos professores irão encontrar. Uma vez que há meninos e meninas com total proteção à extrema vulnerabilidade.
Sendo assim, a realidade de cada criança precisa ser compreendida e acolhida. Na educação infantil, mais do que nunca os pequenos precisam estar no centro, tendo voz e escuta. “Precisamos trabalhar para a criança se colocar, afinal, ela é um ser social que necessita ser ouvida e suas identidades compreendidas”, defendeu Teresa Sarmento, da Universidade do Minho, Portugal, no mesmo painel.
Ao dar espaço para a fala, e com isso, para o desenvolvimento integral enquanto ser humano, o intuito é ampliar os horizontes e a pluralidade social. “As crianças aprendem entre elas. Precisamos descolonizar o nosso pensamento e respeitar esses meninos e meninas”, criticou Ana Lúcia Goulart de Faria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Aliás, Ana Lúcia também é contra a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) por interpretá-la como colonizadora e excludente.
Só neste painel, cerca de 160 profissionais da área educacional estiveram presentes — entre os 520 inscritos. Em resumo, entre os debates que marcaram a programação tocou-se nos seguintes temas: formação docente, Família, instituições educacionais infantis e sociedade; Infância, cidade e patrimônio e Processos educativos de empoderamentos na infância: questões étnico-raciais e de gênero na educação infantil, movimentos sociais de luta por terra e moradia.
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O evento, que completou seu quinto ano de existência, contou com organizadores e participantes da Universidade Federal de Alagoas e Universidade do Minho, tendo como representantes Cleriston Izidro dos Anjos e Fernando Ilídio, respectivamente. Na USP, a responsável pela organização foi a professora e doutora em Educação Marcia Gobbi, da FEUSP. Ela explicou que o tema geral deste ano, Infâncias, cidade e democracia teve como objetivo principal provocar reflexões sobre as crianças e suas formas de vida nos diferentes espaços da cidade, onde, por vezes elas não são notadas e seus direitos não são considerados.
Marcia Gobbi entende que desde que nascem, os bebês são construtores da cidade. “Muitas vezes naturalizamos espaços excludentes e não questionamos a segregação, as disputas espaciais e de narrativas que colocam as crianças em espaços em que ficam alijadas do convívio social. As discussões sobre espaços públicos e mobilidade urbana passam a ser pautada por adultos e adultas e crianças ficam de fora. Como um dos muitos exemplos, temos nossas praças públicas em que parte dos brinquedos é criada para crianças maiores e deixam os bebês fora de seu direito ao convívio com a diferença e processos de socialização”, aponta Gobbi.
Na visão da professora, em um momento em que a desigualdade e a violência são naturalizadas, sobretudo contra negros e pobres, não podemos deixar as crianças de fora, “elas são, ao mesmo tempo alvo e agentes de mudança”, defende. “Há uma responsabilidade coletiva por tudo o que está acontecendo no país e precisamos refletir sobre isso, sem esquecer das crianças e o congresso procurou tratar dessas temáticas todos os dias”, finaliza a organizadora do evento.
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