Por Ana Maria Antunes de Campos*
Hoje encontramos diversas formas rápidas e dinâmicas de nos comunicar, muitas vezes apenas uma frase, imagem ou mesmo uma única palavra nos leva a pensar e questionar a mensagem contida no objeto de comunicação. Entendemos que não só existe a forma verbal de comunicar-se, mas sim também os nãos verbais como no caso dos sistemas de comunicação de libras, que acontece por gestos e os sistema braile que acontece por tato. Não devemos esquecer também que a matemática é uma linguagem e por meio dessa ciência foi possível desvendar o mundo.
Assim, ao observarmos o desenvolvimento humano perceberemos que a linguagem com seus signos e símbolos sempre estiveram constantemente ligados à aquisição de nossas conquistas e evolução. Durante nossas atividades cotidianas não paramos para refletir sobre o uso correto dos adjetivos, verbos e concordância nominal para falar. Entretanto, mesmo sem essa ponderação nos comunicamos bem o suficiente para ter uma vida tranquila.
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Do mesmo modo, não paramos para pensar sobre o significado do número ao comprarmos determinado produto e sabemos que a matemática é indispensável para nossas vidas. Ela está presente em todas as áreas de atuação como: artes, música, games, compras e muito mais. Mas por que encontramos tantos jovens com dificuldades escolares especificas em matemática? Por que existem pessoas que não conseguem contar?
Para responder a esses questionamentos é necessário refletirmos sobre quatro pontos que estão relacionados à aprendizagem matemática.
Primeiro é primordial entender que a aprendizagem não acontece apenas por processos biológicos e genéticos, mas que nascemos dentro de uma cultura onde a interação social amplia
nossas ferramentas de atuação dentro do contexto educacional, tornando nossa aprendizagem significativa. Dessa maneira o aprendizado só ocorre quando a informação tem sentido para quem a recebe. A comunicação é tão importante que se torna um instrumento que expressa o pensamento, produzindo mudanças na estrutura cognitiva do indivíduo, reestruturando diversas funções psicológicas, como a memória, a atenção voluntária e a formação de conceitos.
Muitos estudiosos, dentre eles Vygotsky, descrevem circunstâncias em que as crianças se mostram capazes de aprender sozinhas, por meio da interação com o outro e mesmo sob a supervisão de alguém mais experiente. Dessa forma, no panorama da escola contemporânea, devemos proporcionar oportunidades de interação e propor atividades onde seja necessária a análise, reflexão e compreensão da matemática como uma atividade humana. Muitas crianças apresentam dificuldades em matemática ou não gostam dessa disciplina, porque a matemática não é algo palpável, mas indubitavelmente existe. Dessa maneira, a própria matemática mostra que precisamos usar nossa imaginação, nosso senso comum e todas as nossas habilidades para poder compreender essa ciência.
Diversos estudos mostraram que tanto os seres humanos quanto os animais possuem uma capacidade de estimar a quantidade e o tamanho de objetos sem fazer contas. Contudo, o que nos difere desses animais são as atitudes e emoções relacionadas à matemática tais como: a autoconfiança, a curiosidade, a noção do que é relevante, e o desejo de fazer ou entender as atividades. Esses são componentes não explícitos, mas, no entanto, contribuem para o aprendizado, vemos então a criança precisará de outras habilidades para compreender essa ciência.
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Segundo, é necessário que todos compreendam que alfabetização também significa distinguir, empregar e compreender a linguagem em sua totalidade, dessa forma a
matemática é uma linguagem, que pode ser expressa de maneira simples ou complexa. Logo a criança precisa ser alfabetizada matematicamente, assim esse conteúdo escolar deve ter a mesma atenção, processo e dedicação, para que durante os anos iniciais as crianças sejam alfabetizadas nesta elocução. Na educação infantil se inicia o processo de alfabetização que por intermédio de atividades organizadas e estruturadas se introduz conceitos educacionais que serão o alicerce educacional do aluno.
Os anos iniciais são a pedra angular para compreender a matemática, momento de conceituá-la de forma introdutória, com fundamentos básicos para que os alunos possam prosseguir nos anos futuros. Nesta fase é fundamental a criança estar sujeita a atividades lúdicas que permitem uma relação da matemática com a vida.
Terceiro, é imprescindível compreender
como se dá o processo de aprendizado matemático, pois o aprender e o lembrar do estudante ocorre em seu cérebro mediante os estímulos sensoriais, memória e atenção.
As funções executivas são componentes básicos para uma aprendizagem expressiva e a flexibilidade cognitiva é fundamental para aquisição da linguagem matemática que é caracterizada pela capacidade de produzir mudanças, de reestruturar o conhecimento para encontrar a solução do problema elaborando respostas usando a memória, a percepção, a cognição e assim solucionando o problema de forma eficaz.
Através dos órgãos sensoriais, a criança percebe os estímulos do meio sucede então a transmissão para o cérebro, que acontece por meio de correntes elétricas. Verifica-se uma modificação nas redes neuronais quando a criança vivencia experiências e estimulação e são perante essas condições que sucede o amadurecimento do SNC (Sistema Nervoso Central). O processo de aprendizagem é construído de forma crescente, investigações baseadas na neurofisiológica e neurociências tem demonstrado que o Suco Intraparietal Bilateral é a estrutura anatômica chave envolvida na realização das tarefas de natureza numérica. Exames como a ressonância magnética funcional e a tomografia com emissão de pósitrons podem demonstrar essas áreas em funcionamento durante as atividades lógicas.
Assim, a aprendizagem é o processo pelo qual o cérebro reage aos estímulos do ambiente, ativando sinapses e tornado-as mais claras, formando assim circuitos que processam as informações e com capacidade de armazenamento molecular. As funções executivas, só se tornam habilidades mentais à medida que forem desenvolvidas, ou seja, estimuladas e mobilizadas para a aprendizagem e isso acontece a partir de desafios a serem solucionados.
Quarto e último ponto, entretanto, o mais importante é
conhecer os distúrbios matemáticos, que estão intrinsecamente relacionados com a aquisição numérica
e entender a diferença existente entre eles, para poder amparar crianças, adolescentes e adultos que possuam dificuldades especificas em matemática.
Esse é o drama de muitas crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem em matemática por diversos motivos como de ordem psicossocial e pedagógica. Porém outras infelizmente possuem um distúrbio Neurológico relacionado com a aquisição da linguagem matemática, esse distúrbio é conhecido como
discalculia.
O distúrbio é uma disfunção do sistema nervoso central, geralmente pode ser caracterizado como uma alteração leve, mas com consequências importantes, alterando o desenvolvimento escolar. A discalculia é uma entidade nosológica que impede crianças, adolescentes e adultos de executarem tarefas relacionadas com a matemática. Infelizmente este distúrbio não é tão conhecido ou entendido como a dislexia (distúrbio relacionado com a leitura e escrita, atingindo 10% da população), mas alguns especialistas acreditam que é tão comum, uma vez que cerca de 5 a 7% da população tem discalculia. Ainda não temos estudos que demonstram se a discalculia é mais comum em meninas ou em meninos. O diagnóstico pode ser feito a partir dos oito anos, todavia, desde a educação infantil a criança já demonstra sinais de dificuldades em comparar e manipular objetos concretos relacionados com a matemática.
Importante ressaltar que esse distúrbio não acontece por falha no sistema de ensino e não é oriundo de problema emocional, pedagógico e social, pois neste caso seria considerada uma Dificuldade de Aprendizagem em Matemática. A DAM é algo transitório que depois de sanado os problemas externos (ansiedade, estresse e depressão) e após a utilização de novas metodologias pedagógicas tendem a desaparecer. Ao contrario da discalculia, que até o momento não tem cura, logo uma criança discalculia será um adulto discalculico.
Os discalculicos têm problemas com muitos aspectos da matemática. Muitas vezes não compreendem conceitos de quantidade tais como maior ou menor. Podem não entender que o número 5 é o mesmo que a palavra cinco, ou seja, não entende o sentido do número. Possuem dificuldades para lembrar-se de fatos numéricos, como datas de aniversários. Podem entender a coerência existente em dada situação, mas não como ou quando aplicar o que sabem para resolver problemas matemáticos. Muitas vezes tem problemas com a memória de trabalho.
A memória de trabalho é composta por um conjunto de processos cognitivos que funcionam como uma interconexão entre a aquisição (quando adquirimos a informação), consolidação (processo de armazenamento) e evocação (lembrar) da informação. Estudos demonstram que o pensamento lógico matemático avançado acontece pela ativação de circuitos neuronais especializados encontrados no cérebro e as abstratas são ligadas a circuitos que se ativam através da memória de trabalho.
A discalculia não é ocasionada por um dano cerebral, como o acidente vascular cerebral, traumatismo craniano, ou alguma outra lesão no cérebro. A perda das habilidades matemáticas decorrentes desses episódios é conhecida como Acalculia. A AC refere-se à perda ou alteração na capacidade de realizar tarefas matemáticas, sendo resultado de algum tipo de dano cerebral, o acalcúlico perde as habilidades matemáticas já adquiridas, como: contar, somar e subtrair.
A acalculia pode ser manifestar de três maneiras: afásica – incapacidade para compreender os números e símbolos aritméticos como linguagem. Geralmente se associa com a afasia que é caracterizada pela dificuldade em nomear pessoas e objetos; visuo-espacial – compreensão inapropriada dos números, sequência, valor posição dos números, espaço e tempo; anaritmética – definida como a incapacidade de reconhecer o valor de um número e sua categoria numérica (unidade, dezena, centena, etc.).
As diferenças entre acalculia e discalculia não estão nas características, ou no significado, pois esse é muito parecido. Mas a grande diferença está nas causas que são bem distintas. No entanto a discalculia e acalculia vão além de problemas relacionados com a matemática, desencadeando problemas de ordem psicossocial, pois a pessoa que apresenta essa comorbidade tem toda sua vida desestruturada, com prejuízos sociais, emocionais e psicológicos.
O diagnóstico é um conjunto de dados, formado a partir de sinais e sintomas/características, do histórico clinico, do exame físico e dos exames complementares (laboratoriais e outros), é analisado pelo profissional de saúde e sintetizado em uma ou mais doenças. A partir dessa síntese, é feito o planejamento para a eventual intervenção (o tratamento) e/ou uma previsão da evolução (prognóstico), baseados no quadro apresentado.
Para um diagnóstico correto é imprescindível uma equipe multidisciplinar com neurologista, neuropsicopedagogo, neuropsicólogo e fonoaudiólogo. Será esse grupo multiprofissional que irá diagnosticar e tratar se necessário esta criança, adolescente ou adulto. O diagnóstico será embasado nos exames de neuroimagem e nos relatos médicos. Independente de ter discalculia, acalculia ou Dificuldades de Aprendizagem em Matemática é importante um diagnóstico precoce que aumenta as chances de sucesso na intervenção e minimizam os efeitos deletérios como a depressão.
As dificuldades podem sem superadas com a devida ajuda dos professores, pais, terapeutas e de todos os envolvidos na educação dos discalculicos e acalcúlicos. Determinar a melhor forma de ensinar a matemática para esses sujeitos é o inicio da intervenção que deverá ser baseado na idade e dificuldade específica de cada um.
Deste modo o tratamento deve ser: individualizado; com o uso progressivo de objetos que estão relacionados com um símbolo numérico, para estabelecer o conceito da criança da quantidade e precisão de raciocínio; desde o início baseado em um pensamento quantitativo, com base na percepção visual, bloco e quebra cabeças; ensinar a linguagem matemática: significado dos sinais, os números disponíveis, a sequencia de etapas de cálculo e resolução de problemas.
Graças à estimulação e reabilitação pedagógica, psicopedagógica e psicológica com vistas a instigar as áreas cerebrais como: flexibilidade cognitiva, memória de trabalho e atenção, podemos ajudar essas pessoas a desenvolverem novas estratégias cerebrais cujo objetivo é melhorar eficazmente as dificuldades associadas à acalculia e a discalculia.
A intervenção para discalculia, acalculia e Dificuldades de Aprendizagem, deverá ser regularizada em recursos materiais (uso de calculadoras; jogos e atividades lúdicas, caderno quadriculado, imagens, contação de histórias, questões claras e objetivas, etc.); recursos metodológicos (métodos, técnicas de ensino, organizativas, planejamento, adequação de conteúdos e avaliativas); recurso multiprofissional (fonoaudiólogos, psicopedagogos, psicólogos, neurologista, neuropediatra, pedagogos, psiquiatra, terapeuta, etc.).
Cabe aqui orientar familiares e professores para que compreendam que o aprendizado nos discalcúlicos e acalcúlicos acontece de maneira lenta e diferenciada. A compreensão a cerca das habilidades matemáticas são dificultadas e torna-se emergencial um novo olhar e algumas alterações nas ações no processo ensino aprendizagem.
A criança, o jovem e adulto precisam da compreensão de todos que estão a sua volta e o apoio será fundamental para seu sucesso escolar e social. Eles encontram muitas dificuldades em coisas que para nós parecem óbvias, mas precisamos respeitar suas dificuldades e ter interesse em suas conquistas por menores que sejam. É preciso demonstrar amor, carinho e cordialidade para com as pessoas que possuem discalculia e acalculia, ajudando-os a entenderem que eles podem sim ter dificuldades em matemática, porém possuem outras habilidades que merecem destaque.
*Ana Maria Antunes de Campos é mestre em Educação pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Neuropsicopedagoga, pedagoga, psicopedagoga, especialista em ensino lúdico, pós-graduada em Didática e Tendências Pedagógicas. É professora de matemática na rede estadual e professora de educação básica na rede municipal
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Autor
Redação revista Educação