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Ministério da Educação não aceita que as duas técnicas de alfabetização — fônica ou por letramento — são úteis e complementares e traz à tona discussão já superada internacionalmente
A disputa ficou conhecida no mundo como reading war. É a “guerra” conceitual, muitas vezes com desdobramentos políticos e ideológicos, entre os educadores partidários do método fônico e os defensores do letramento e das teorias identificadas com o construtivismo sobre a melhor forma de alfabetizar. A temperatura do debate voltou a subir no Brasil com a chegada do presidente Jair Bolsonaro ao poder.
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O novo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, e o seu escolhido para a secretaria de Alfabetização do MEC, Carlos Nadalim, possuem como meta retirar do ensino infantil os métodos e influências relacionados ao letramento e às ideias construtivistas e colocar, no lugar, as condutas relacionadas ao sistema fônico. Educação reuniu argumentos de especialistas e pesquisadores dos dois lados na tentativa de contribuir para o melhor desfecho neste momento de retomada de fôlego da questão.
Em um vídeo publicado no YouTube, Nadalim diz que as teorias construtivistas e o letramento nunca possuíram “uma orientação clara com base em evidências científicas, comprovadas e atualizadas, de como alfabetizar as crianças”. E acrescenta: “Há tanta preocupação em fomentar a socialização e em promover a visão crítica na criança que sobra pouco tempo e investimento para ensinar o básico e o fundamental”.
O novo secretário critica também as teses da professora emérita da UFMG Magda Soares, uma das mais respeitadas intelectuais ligadas às pesquisas e práticas educacionais do país, ao afirmar que o letramento, método defendido por ela, é o “vilão da alfabetização”. Procurado por Educação, Nadalim avisou, por meio de sua assessoria, que “ele e sua equipe estão muito ocupados e sem agenda para falar sobre o assunto com a imprensa neste momento. Por isso, não dariam entrevista”.
A polêmica ganhou fôlego extra, em fevereiro, com uma carta assinada por líderes de mais de cem organizações ligadas à educação e endereçada ao MEC. Nela, eles pedem a abertura de diálogo para discutir e avaliar as propostas de formulação da política de alfabetização a ser adotada pelo novo governo. Alegam que a pedagogia da alfabetização não nega a “faceta fonológica”, mas está longe de tê-la como “único método”. Os organizadores calculam que irão reunir cerca de cinco mil assinaturas de apoio numa petição de adesão lançada junto com o documento.
“Apostar no método fônico como caminho exclusivo é apresentar uma explicação, no mínimo, abreviada e preocupante. O letramento é o caminho cultural e social que se faz entre a aquisição do sistema alfabético e o seu uso, não sendo, portanto, um contraponto ao ato de alfabetizar”, afirma a presidente da Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf), Isabel Frade. “Essa questão, do jeito que está colocada pelo governo, não faz o mais remoto sentido: sabemos que nenhum deles resolve sozinho. Ser alfabetizado não é apenas entender o funcionamento do sistema alfabético, mas também ser capaz de fazer uso disso no cotidiano das mais variadas formas, lendo textos variados e estabelecendo relações a partir deles”, apoia Mônica Baptista, professora da Faculdade de Educação da UFMG e integrante da comissão articuladora do Fórum Mineiro de Educação Infantil.
Ao contrário do novo secretário, Magda Soares apresentou seu ponto de vista em detalhes à revista. “Esse rapaz, o Nadalim, tem agredido meu trabalho e minha trajetória, algumas vezes de forma deselegante. No início me mantive calada, mas com o tempo considerei justo me posicionar. Esse novo pessoal do MEC e alguns defensores daquelas ideias estão equivocados.
É ingênuo e simplório, para dizer o mínimo, imaginar que resolver o problema da educação do Brasil é meramente impor um único método, sobretudo o fônico. É preciso que entendam o seguinte: o método fônico é componente fundamental, indispensável e essencial no processo de aprendizagem da língua escrita – mas, como disse, é apenas um componente deste processo. Está precedido e é seguido de outros pilares tão fundamentais, indispensáveis e essenciais, e inserido num contexto que envolve outros pontos importantes”, destaca.
Magda cita alguns “equívocos preocupantes” existentes nas propostas do governo.
“Consideram letramento e método construtivista – que não é método, e sim uma teoria psicológica – uma só coisa, quando sabemos se tratar de processos distintos”, explica. “Construtivismo, ou teoria da psicogênese da escrita, é um conhecimento pesquisado e mapeado pela psicóloga e pedagoga argentina Emília Ferreiro sob a orientação de Jean Piaget. A criança nasce e aprende a falar sozinha o idioma. Ninguém precisa dar aula disso para ela, mas a língua escrita é um objeto cultural. O aluno precisa construir os conceitos da língua escrita. Por equívoco, alguns chamam isso de construtivismo. E pior: sugerem a existência de método construtivista, algo que a própria Emília sempre recusou.”
A pesquisadora argentina, diz a professora mineira, mostrou que a criança consome um bom tempo na evolução do ponto em que escrever é desenhar até a compreensão da escrita como representação do som das palavras, e não daquilo a que elas se referem. “Se você pedir a um menino ou menina de três anos para escrever casa, por exemplo, ela vai desenhar e achar que escreveu. A humanidade, a propósito, também começou assim: desenhando uma representação do que se falava. É uma caminhada imensa da concepção inicial abstrata até a compreensão do papel de representação sonora. E, num estágio seguinte, da percepção de que as palavras, as cadeias sonoras, podem ser segmentadas em sílabas.”
Apenas nesse estágio, destaca a professora mineira, a criança começa a perceber que a sílaba é composta por fonemas, ou elementos mínimos da língua oral, abstratos e não pronunciáveis. “O ser humano percebe os fonemas quando começa a escrever – e só então entra o método fônico, importante e fundamental, como eu disse.” É neste ponto que ela identifica o perigo principal do que qualifica de ingenuidade. “Então, na suprema maioria dos casos, sobretudo no Brasil, não se pode começar a ensinar a língua escrita a partir desse ponto final, apenas com o método fônico, desprezando todo o processo anterior de desenvolvimento cognitivo e linguístico da criança ou de qualquer pessoa em processo de alfabetização.”
A professora emérita conclui seus argumentos com um exemplo curioso. “Se você fala boneca para uma criança, ela vai buscar a boneca. Ela não pensa em algo do tipo ‘com que som essa pessoa está se referindo ao objeto’. Busca a boneca e pronto. Para escrever, ela precisa desenvolver a consciência silábica para depois rumar para consciência fônica, porque até então ela faz relações apenas com o som. E, pelo som, boneca é boneca, mas poderia ser mesa, cadeira ou qualquer outra palavra”, descreve. “Por isso considero o fônico não um método completo, e sim um componente do processo total de desenvolvimento cognitivo e linguístico. Então, transformar o método fônico, que logicamente tem respaldo científico, em toda a alfabetização, é desprezar as evidências científicas de todo o restante do processo”, afirma.
“O método fônico, sozinho, traz uma série de restrições”, corrobora Telma Leal Ferraz, doutora em Psicologia, escritora, professora do curso de Pedagogia e na pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), integrante do Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL) e experiente orientadora de cursos de formação para professores de redes públicas de ensino. “Isolado, ele afasta a criança de uma série de vivências presentes em seu cotidiano, porque é um método altamente sequencial, que introduz a criança aos poucos na prática social. Integrar a criança a essas práticas é fundamental, mas o método fônico não é capaz de fazer essa ligação sem os outros elementos do processo de evolução educacional.”
Para saber a opinião de João Batista Oliveira, Ph.D. em Pesquisa Educacional, da Inês Kisil Miskalo, gerente-executiva de Educação do Instituto Ayrton Senna e de Cesar Callegari, que foi membro e presidente da Base Nacional Comum Curricular do Conselho Nacional de Educação (CNE) e secretário de Educação Básica do MEC sobre a polêmica leia a matéria em nossa revista impressa ou pelo aplicativo (março, edição 256).
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