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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 03/07/2018

Síndromes

São muitos os sintomas de que nossa sociedade desenvolveu doenças comportamentais

Certo dia, perguntei à mãe de um aluno: Por que é que o seu filho não come verdura, feijão ou arroz? É porque não posso contrariar o meu filho – respondeu – O psicólogo disse-me que ele tem sistema nervoso. E isso deve ser muito perigoso. Mas, também, veja lá, senhor professor! Eu não tenho tempo para essas coisas. Eu pus o meu filho no jardim de infância e as educadoras não o ensinaram a comer. O que vale é que, quando volto do trabalho, vou com o meu filho ao McDonald’s. Tem um perto da nossa casa. E, no sábado, vamos ao shopping…

Os pais vão trabalhar, os filhos para a escola. Agora, já vão ainda bebês, cerca dos três, ou quatro meses. Um crime, que tem como contrapartida a chamada “Síndrome do Imperador”: a ditadura da infância, legiões de jovens desprovidos de autoconhecimento e que não reconhecem o outro. Seres narcísicos, caprichosos, hedonistas, deprimidos… narcotizados. Enquanto os netos são encerrados em guetos da infância, os avós são segregados em apartamentos vazios. As famílias não tentam criar vizinhança, comunidade. Terceirizam a educação, enquanto a escola se queixa dos erros de uma educação familiar, que oscila entre o autoritarismo e a permissividade.

A modernidade remeteu-nos para uma ética individua­lista. Carecemos de projetos humanos que não se coadunam com práticas escolares que ainda temos. Carecemos de um novo sistema ético, de uma matriz axiológica baseada no saber cuidar e conviver. Famílias e escolas padecem da “Síndrome da Gabriela”: eu nasci assim, eu fui sempre assim, serei sempre assim.

Famílias onde o diálogo está ausente e o silêncio impera; escolas cassinos, onde tudo é game, uma das modas pedagógicas mais recentes. Escolas onde as crianças fazem tudo o que querem. E onde não querem aquilo que fazem. Professores que ainda não entenderam que o ato de aprender não deverá estar centrado no professor, nem no aluno. E que aprendemos na intersubjetividade, mediatizados pelo objeto de estudo e pelo mundo, a partir de necessidades pessoais e sociais. Desenvolvendo vínculos.

No Japão, entre 1972 e 2013, mais de 18 mil crianças se suicidaram. O pico de suicídios acontece no “regresso às aulas”. Notícia recente dá-nos conta do aumento do número de suicídio de adolescentes. Três estudantes de colégios privados de elite da capital paulista suicidaram-se. O colégio contratou um “especialista em suicídio”, para dar palestras. Uma escola de suicidados torna público que irá desenvolver “um projeto” avulso para combater a praga. Como se palestras pudessem constituir-se em paliativos de um modelo de ensino e de organização escolar responsável por um autêntico genocídio educacional.

Enquanto houver escolas cativas dos paradigmas da instrução, ou da aprendizagem, não agindo com referência ao paradigma da comunicação, quantos Niemeyer serão assassinados em escolas de práticas fósseis, antes de poderem manifestar os seus talentos?

A “Síndrome de Peter Pan” é caracterizada por comportamentos imaturos. Manifesta-se nas mulheres sob a designação de “Síndrome de Wendy”. Talvez parte da explicação do suicídio dos jovens e do genocídio educacional esteja relacionada com estas síndromes. Talvez resida no fato de ainda termos uma educação dominada por ministérios afetados pela Síndrome de Peter Pan e escolas padecendo da Síndrome de Wendy.

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