NOTÍCIA

Edição 248

“Jamais parta do princípio de que seu filho nunca foi ou será exposto à pornografia”

Pesquisador americano reforça que diálogo entre pais e filhos ainda é a melhor forma de lidar com o tema da sexualidade — inclusive quando esta envolve a exposição de jovens (e crianças) a conteúdos impróprios

Publicado em 11/04/2018

por Eduardo Marini

Capa Foto Bryant Paul 2 Bryan Paul coordenou pesquisa sobre exposição e consumo de pornografia com estudantes entre 13 e 17 anos (Crédito: Divulgação)

Bryan Paul coordenou pesquisa sobre exposição e consumo de pornografia com estudantes entre 13 e 17 anos (Crédito: Divulgação)

Bryan Paul coordenou pesquisa sobre exposição e consumo de pornografia com estudantes entre 13 e 17 anos (Crédito: Divulgação)

O pesquisador norte-americano Bryant Paul é professor associado da Escola de Mídia da Universidade de Indiana e autor de estudos sobre pornografia e hábitos de visualização e consumo desse conteúdo por adolescentes, jovens e adultos. Seus interesses de ensino e pesquisa concentram-se na natureza e nos efeitos das mensagens sexuais nos meios de comunicação social, na mídia e nos relacionamentos afetivos. Ultimamente, tem se dedicado ao conteúdo de sexo explícito e pornografia na internet e nos veículos de comunicação.
Paul coordenou recentemente, na Universidade de Indiana, uma densa pesquisa sobre exposição e consumo de pornografia com estudantes adolescentes americanos entre 13 e 17 anos e seus pais. Os resultados serviram de suporte para a reportagem What teenagers are learning from online porn (O que os jovens estão aprendendo com pornografia on-line), de Maggie Jones, capa de uma das últimas edições da The New York Times Magazine, revista do mais respeitado jornal do mundo, o The New York Times. Foi ainda coprodutor do documentário Hot girls wanted (algo como Garotas quentes procuradas), finalista do prêmio Emmy, exibido pela Netflix, e consultor de pesquisa da série de documentários Hot girls wanted: turned on.
Nessa entrevista exclusiva à revista Educação, Paul destaca os pontos mais importantes de sua pesquisa e opina sobre as possibilidades de se discutir pornografia nas escolas e famílias numa abordagem educacional.
Adolescentes e jovens no Brasil, nos Estados Unidos e em todo o mundo recebem, cada vez mais, cenas e informações sobre pornografia em grande quantidade, gratuita, com variedade, forma e intensidade muitas vezes ainda inconcebíveis, ou mesmo inimagináveis, para pais e educadores, nas tevês abertas e fechadas e na internet. A pornografia – com o que tem de real, ficção, negativo ou mesmo positivo – não deveria ser um tema adaptado em seus conteúdos e limites para fazer parte da educação sexual de jovens e adolescentes nas escolas, a exemplo do que ocorre com temas como gravidez precoce e cuidados com doenças sexualmente transmissíveis?
As discussões sobre a natureza e os efeitos da pornografia devem ser, absolutamente, incluídas como parte da educação sexual. Uma coisa simples a fazer seria incluir, efetivamente, abordar parte do discurso midiático com a visão do educador. Os jovens devem saber que é normal o interesse em sexo e sexualidade. Mas também – e isso é importante — que a pornografia, como todas as representações da mídia, é encenação e representação. O que parece ser muito prazeroso na pornografia pode não ser na vida real. Esses adolescentes precisam ser encorajados a processar as imagens e mensagens encontradas na pornografia com um olho crítico ainda mais intenso do que o lançado sobre qualquer outro tipo de mídia.
Formação sexual é, originariamente, uma função dos pais. Com a dinâmica imposta pelo mundo contemporâneo, parte importante dela foi deslocada para as escolas. Como o sr. vê o papel dos pais neste tema?
A pesquisa mostrou que as crianças que conhecem bem os pais, e mantêm com eles um diálogo franco e produtivo, desaprovam a pornografia e são muito menos propensas a querer vê-la. Então, os pais preocupados com a influência da pornografia nos filhos farão bem se disserem aos jovens que não os condenam pelo ato mero de assistir a filmes de pornografia e, ao mesmo tempo, identificar as distorções e mostrar os caminhos. Nunca parta do princípio de que seu filho jamais foi ou será exposto à pornografia. Mesmo a mensagem mais básica poderá ajudar os meninos a pensar sobre os exageros das representações encontradas na pornografia e, claro, ser útil. O raciocínio de que abordar o tema despertará o interesse de quem ainda não o tem revelou-se falso. Para os pais e educadores, esse pensamento é a maneira mais confortável de fugir da responsabilidade. Não tenhamos ilusão: adolescentes e jovens serão bem melhores se conversarmos com eles sobre o assunto do que se não o fizermos.
Como o sr. analisa a diferença entre o que é ensinado nas escolas e o que os adolescentes aprendem fora delas em países como os Estados Unidos e o Brasil?
Em primeiro lugar, há diferentes adolescentes e jovens com experiências distintas. É um erro pensar que existe um único, ou apenas alguns tipos gerais de experiências nestas fases. Algumas escolas — eu diria muito poucas — fornecem educação sexual surpreendentemente abrangente, incluindo abordar as questões de consentimento, o sexo como gerenciamento de relacionamento e prazer sexual. Outras oferecem apenas informações sobre abstinência, doenças e gravidez – e um terceiro grupo nada. É preciso considerar a diversidade. Alguns pais são abertos e comunicativos com seus filhos sobre sexo, enquanto outros nunca falam com eles sobre isso. E há a questão dos veículos de comunicação. Os jovens estão expostos a uma grande quantidade de conteúdo sexual, mas muitos, particularmente aqueles cujos pais tentam moderar o uso de mídia de seus filhos, consomem uma quantidade menor. Finalmente, há diferenças físicas, biológicas, psicológicas e socioculturais importantes entre adolescentes e jovens, particularmente em termos de desenvolvimento sexual.
E o que essas diferenças significam?
Embora comum, é incorreto, por exemplo, assumir que existe um ou apenas alguns tipos básicos de jovens. É igualmente equivocado pensar na existência de apenas alguns tipos de experiências de educação sexual realizadas por todos os jovens. Isso não quer dizer que não podemos generalizar várias questões desse tema na busca de melhores resultados na educação sexual dos adolescentes e jovens. Mas as escolas e os pais precisam considerar todos esses fatores ao fazê-lo.
Emily Rothman, professora associada da área de saúde pública da Universidade de Boston, liderou, há dois anos, com a ajuda de educadores, a criação do Boston Porn Literacy. O programa, citado na mesma reportagem da NYTM da qual o sr. participou, orienta professores e profissionais na inclusão de temas de pornografia na educação sexual para adolescentes em escolas básicas de áreas pobres do sul de Boston. O sr. conhece o projeto? O que pensa dele?
A ideia é muito boa. Não tenho dados para comparar esse programa a outros, mas ele parece ter as caracte­rísticas do que deve ser o próximo passo. Mesmo porque existem pouquíssimos programas com objetivos semelhantes no mundo e o importante, neste momento, é desenvolver e testar a eficácia dos existentes. É fundamental desenvolver um conjunto de práticas recomendadas e incorporá-las ao futuro desses programas.
O Brasil guarda características semelhantes às dos Estados Unidos. Algumas: país do continente americano com população grande, milhões de jovens e adolescentes, alunos carentes e uma das maiores redes de internet fixa e de celular do mundo, a maior parte dela nas mãos de jovens, adolescentes e jovens adultos. Além disso, possui um mercado em plena expansão de tevês por assinatura, que, a exemplo da rede, incluem farta e variada oferta de pornografia. Uma pesquisa como a realizada por seu grupo encontraria resultados semelhantes aqui?
Haveria muitas semelhanças e algumas diferenças interessantes. Não estudei profundamente a cultura e a mídia brasileiras. Suspeito que existam aspectos de ambos que levariam a algumas diferenças importantes nos efeitos da mídia sexual sobre os jovens.
Algum outro ponto do estudo deixou o senhor especialmente preocupado?
Sim, A quantidade de pessoas que relataram sentir medo ou desconforto durante uma situação sexual. Não foi a maioria absoluta, mas um número significativo de indivíduos apresentou esse tipo de reclamação – e algumas coisas que os assustaram foram preocupantes. A pesquisa nos mostrou que situações de constrangimento e mesmo de choque em meio ao ato sexual parecem estar aumentando em número de engasgamento como parte da peça sexual parece estar aumentando na prevalência, pelo menos entre jovens e adolescentes. O número de entrevistados que relataram ter sentido algum tipo de coação, desconforto ou constrangimento ao serem solicitados a tomar determinadas atitudes no sexo, obviamente desconhecidas por eles até o início da vida sexual, também é preocupante.
É possível separar e quantificar essa exposição de jovens e adolescentes ao sexo e à pornografia na internet e nos meios de comunicação?
A suposição de que absolutamente todos os adolescentes e jovens estão expostos a quantidades avassaladoras de conteúdo de sexo explícito o tempo todo é exagerada. Mas essa realidade existe de forma importante. Um terço dos entrevistados de 14 a 17 anos relatou ter visto pornô antes de completar 13. Um bom número, mas não a maioria. O número de jovens que consomem pornografia com maior regularidade aumenta à medida que envelhecem – e é muito maior entre 17 e 18 anos do que entre 14 e 16. A grande maioria dos adolescentes não olha pornografia todos os dias. Alguns parecem achar difícil acreditar em quão pouca exposição alguns adolescentes (particularmente os menores de 15 ou 16 anos) tiveram de usar pornografia e como geralmente não possuem experiência sexual.
Então a questão requer menos atenção do que a pesquisa sugere?
Não é exatamente isso. É bastante comum que a mídia popular se centre, com exagero, nos problemas da atividade sexual adolescente e na exposição ao conteúdo sexual. Não culpo completamente as fontes populares de mídia. Os tópicos do sexo e a proteção dos jovens chamam a atenção do público da mídia contemporânea, bombardeada com apelos constantes à atenção das pessoas em um sistema onde a atenção é o recurso mais escasso. Mas isso não faz uma situação como essa ser mais ou menos perigosa. Devemos seguir os dados sobre o uso, analisá-los e gerar projetos e atitudes para resolver os problemas.

Leia mais:

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Autor

Eduardo Marini


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