NOTÍCIA

Edição 248

Pornografia: por que as escolas ainda não tratam do tema nas aulas?

Pais e educadores não podem mais ignorar que jovens e até mesmo crianças estão tendo acesso a conteúdo sexual adulto

Publicado em 19/04/2018

por Eduardo Marini

shutterstock_603747269 Pornografia: por que nossas escolas ainda não tratam do tema nas aulas e projetos de educação sexual? (Crédito: Shutterstock)

Pornografia: por que as escolas ainda não tratam do tema nas aulas?

Pornografia: por que nossas escolas ainda não tratam do tema nas aulas e projetos de educação sexual?
(Crédito: Shutterstock)

Arkangel (Arcanjo), dirigido por Jodie Foster, está entre os episódios preferidos de críticos e fãs da série Black Mirror, exibida pela Netflix. Nele, uma mãe preocupada de forma paranoica com segurança monitora passos, movimentos e atitudes de sua filha Sara, desde a infância, por um sistema que conecta o olhar da menina a um tablet e a um computador. Em um ponto do capítulo, no jardim da escola, um amigo de Sara — que mais tarde viria a namorá-la — mostra à protagonista, pelo celular, vídeos de guerra, execuções de cunho religioso e, por fim, um filme pornô. Um pouco mais à frente, os dois adolescentes se encontram para a primeira experiência sexual (e afetiva) da moça. E aí vem a surpresa: espantado com o empenho da moça em reproduzir (com atos e palavras) o que para ela tinha sido a única referência de sexo, o rapaz revela todo o seu espanto e não o esconde da amada. “Essa não é sua primeira vez, fale a verdade… Não é possível… Pelas coisas que você fez e disse, isso não pode ser possível…”, questiona o rapaz. Diante da confirmação de Sara de que se tratava mesmo de seu début, ele não se constrange em pedir: “então você não fale mais aquelas coisas… não deve dizer aquelas coisas, aquelas baixarias…”.
As duas sequências didáticas de Arkangel colocam em pauta, ao mesmo tempo, uma ironia reveladora e um descompasso no mínimo preocupante. O fato de o rapaz se assustar com a postura “pornográfica” de Sara, mimetizada justamente das cenas do filme apresentado por ele tempos atrás é obra de ironia suprema do destino. E o descompasso se revela numa questão claramente proposta pelas cenas: por que o conteúdo e os temas ligados à pornografia, consumidos em todo lugar e a todo tempo por milhões de adolescentes, meninos e meninas, em seus celulares, tablets, computadores, nas tevês abertas e fechadas, nas letras dos funks proibidões produzidos, a propósito, de jovens para jovens, ainda não são trabalhados no Brasil, de forma didática e pedagógica, por escolas, educadores e responsáveis pelas políticas educacionais? Por que esses temas não são incluídos nas aulas de educação sexual dos adolescentes?
A questão é procedente diante de uma realidade impossível de ser negada e, mais ainda, evitada: a pornografia, com o que tem de fictícia, caricata, real, negativa e, eventualmente, até positiva, é consumida hoje em grande escala por pré-adolescentes, adolescentes e jovens no Brasil e no mundo. O acesso é livre e gratuito em todas as suas formas, origens e intensidades. Na suprema maioria dos casos, esse cardápio variado de aeróbica sexual de alto impacto é exercitado por duplas ou em coletividade, não raro sem qualquer proteção.
E, como se ainda fosse pouco, esse conteúdo é reiterado por edições sucessivas que sugerem humanos dotados de capacidade de protagonizar jornadas se­xuais intermináveis, mirabolantes, no limite do inumano. E quase sempre colocado à disposição dos adolescentes antes mesmo da primeira experiência sexual – ou mesmo de qualquer orientação sobre como isso ocorre no plano das relações afetivas reais. “A área frontal do cérebro, relacionada à recompensa, às satisfações e ao prazer, desenvolve-se antes do que as posteriores, ligadas à administração dessas pulsões”, explica a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, livre-docente, professora e coordenadora do Programa de Estudos da Sexualidade da USP. “Se essas questões são estimuladas ainda antes de um trabalho de orientação sobre o assunto, as chances de o adolescente enfrentar problemas relacionados à sexualidade são reais”, completa a pesquisadora.
O problema criado por esse descompasso – e que merece ser discutido na educação sexual nas escolas – é a alta chance de geração de prejuízos psicológicos, educacionais e de formação incalculáveis, como ressalta a pesquisadora Carmita. Se um menino de 12, 13, 14 ou 15 anos entra em contato com material desse calibre, antes mesmo de submetido a qualquer projeto de educação sexual, há chance de ele achar normal, por exemplo, bater na parceira e humilhá-la durante o ato sexual sem que ela mostre, em momento algum, qualquer desejo de ser agredida. Esse mesmo adolescente poderá ser levado a crer que, por exemplo, aquele é o comportamento padrão, natural ou desejável, cabendo a ele adotar ou aceitar o que, na verdade, é uma representação calculadamente perversa para a maioria das pessoas. Pelos mesmos caminhos, o garoto pode deixar de considerar importante o uso da camisinha após ver cenas de sexo coletivo sem preservativos.
No caso das meninas, diante da situação regular de extrema submissão a que são colocadas as mulheres nessas peças, o problema certamente torna-se ainda mais grave. De onde virá a base para que uma adolescente ou jovem se situe entre o que deseja e aquele simulacro de opressão, roteirizado como se fosse muitas vezes consentido, no clima da imaturidade e da anestesia das primeiras paixões, ao companheiro de primeiras viagens sensuais igualmente imaturo?
Situações como essas preocupam Alexandre Saadeh, mestre e doutor em Ciências da Psiquiatria, professor de Psicologia da PUC-SP e coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) do Instituto de Psiquiatria da USP. “Não faz mais sentido as escolas e educadores igno­rarem o contato de adolescentes e jovens com a pornografia. E, pior ainda, não terem um discurso preparado e assumido para lidar com isso. É fundamental o adolescente ser informado, no primeiro momento em que puder refletir sobre o tema, de que o conteú­do exibido em filmes pornôs é obra de ficção. Uma ficção distorcida e amplificada, idealizada para consumo – ou divertimento e lazer, se assim preferem – de adultos, mas sem qualquer compromisso de formar ou educar”, define Saadeh, que foi consultor da série Quem Sou Eu, do Fantástico, da Rede Globo, sobre crianças e adolescentes transgêneros.
Pesquisa
A polêmica não mobiliza educadores e pais apenas no Brasil. Semanas atrás, a The New York Times Magazine, revista do mais respeitado jornal do mundo, o The New York Times, publicou uma extensa reportagem de capa com o título What teenagers are learning from online porn (O que os adolescentes estão aprendendo com a pornografia on-line), assinada pela jornalista e escritora Maggie Jones. O texto apresenta resultados de uma pesquisa de fôlego sobre o tema, liderada, na universidade americana de Indiana, pelos pesquisadores Bryant Paul, do departamento de mídia, e Debby Herbenick, da escola de saúde pública (Paul conversou sobre o assunto com a revista Educação. Leia clicando aqui).
De acordo com a pesquisa da equipe de Paul e Debby Herbenick, os meninos têm seu primeiro contato com a pornografia aos 13 anos e as meninas, aos 14. Metade dos pais entrevistados acreditava que seus filhos não tiveram qualquer acesso a conteúdo pornográfico entre os 14 e os 18 anos. E, em casos de ações sexuais mais “radicais”, fora dos supostos padrões, os pais subestimaram ou ignoraram o que seus filhos estavam assistindo por, no mínimo, dez vezes.
Está longe de ser tudo. Prepare-se, leitor, pois esse parágrafo não tem como fugir de descrições que podem causar desconforto — não é um tema fácil. Um quarto das meninas e 36% dos meninos ouvidos admitiram ter visto vídeos pornôs de “faciais”, ou seja, com ejaculações no rosto das mulheres. Praticamente um terço deles e delas tinha acompanhado cenas de Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo, o BDSM. Vinte por cento das mulheres e 26% dos homens tinham contato regular com vídeos de dupla penetração, descritos pelos jovens no estudo, conta a NYTM, como “um ou mais pênis ou objetos introduzidos no ânus ou na vagina de uma mulher”. Um em cada três meninos e metade dessa quantidade de meninas disseram ter assistido a vídeos de gang-bang (sexo grupal) e de rough oral sex, algo como sexo oral áspero ou rude.

Leia mais:

http://www.revistaeducacao.com.br/pornografia-jamais-parta-principio-que-seu-filho-nunca-foi-exposto/

Autor

Eduardo Marini


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