NOTÍCIA
Ou quando o mundo adulto se exime de responsabilidade sobre os jovens
É difícil dizer se o filme Numa escola de Havana (Cuba, 2014) trata de infâncias roubadas, de uma professora incansável ou da decadência de um ideal educacional. Nele somos apresentados a Chala, um menino que aos 11 anos de idade se vê compelido a cuidar da mãe alcoólatra e prostituta. Também emerge como personagem central a professora Carmela, que, a despeito de sua idade e saúde frágil, recusa corajosamente a aposentadoria que lhe querem impingir como solução para sua rebeldia em relação à burocratização do sistema de ensino. Há ainda a sensível e estudiosa Yeni, cujo pai se muda ilegalmente para Havana em busca de uma educação melhor para sua filha. Mas o que se assiste é também uma mudança política que desvela o esvanecimento do sonho de uma educação que via no cuidado para com as crianças uma forma de manifestar o apreço pelo passado e a esperança em relação ao futuro.
A desesperança na capacidade de a educação construir uma nação já nos é sugerida pela cena inicial da imigração do neto de Carmela. Sintomaticamente a velha professora sofre um infarto, como se seu coração se recusasse a aceitar o que seus olhos não cessam de lhe mostrar. Durante sua ausência, a nova professora que a substitui autoriza a direção a enviar Chala a uma escola correcional. Mas Carmela volta. Vai atrás de seu menino – mais um como tantos que por ela passaram – com igual esperança de que se a escola nada puder fazer por ele, nenhuma outra instituição o fará. De novo junto às suas crianças, Carmela chora a morte de um de seus alunos e aceita que Yeni pendure no mural da laica escola a imagem de uma santa que lhe havia sido ofertada pelo colega que acabara de morrer. A professora não é religiosa, mas sabe do profundo sentido desse gesto na elaboração do luto. Para ela, mais importante do que o cumprimento da norma fria da laicidade é a manutenção dos vínculos que unem aquelas crianças entre si e com a escola.
Mas esse episódio parece ser a gota d’água para os gestores de um sistema que já não mais enxergam a singularidade de cada sala de aula ou a natureza do compromisso educacional que subjaz a cada decisão da professora. A pressão sobre Carmela aumenta, mas ela se mantém irredutível. Para ela, ser professora é, sim, uma vocação. Mas essa vocação não é o clamor religioso de uma voz transcendente. Trata-se, antes, do chamado de crianças que chegam ao mundo e clamam por uma mão que as acolha; por um olhar que nelas reconheça a possibilidade de um destino único e aberto; pelo rigor de uma voz que lhes imponha limites. Enfim, o chamado de crianças que clamam por adultos que se responsabilizem por lhes acolher no seu presente concreto e por acreditar em sua capacidade de criar rumos para seu futuro no mundo.
Carmela não cessa de ouvir esse clamor e por ele se guiar, a despeito da surdez que acomete o sistema educacional e seus diligentes funcionários. Carmela parece saber que a surdez de seus companheiros não é apenas uma moléstia que acomete alguns poucos indivíduos. Ela é, antes, a obsolescência de um sonho. De um sonho que jamais se concretizou nem jamais poderia plenamente se realizar. Mas que conferia a sua vida um sentido existencial e político. Mesmo só, ela continua a ouvi-lo, tal como ouve, em meio à escuridão da cena final, a voz distante de seu aluno Chala a gritar seu nome.