ENTREVISTA com Ronaldo Mota | Edição 202
Ronaldo Mota, reitor da Estácio, defende a necessidade de repensar as metodologias de ensino para que as pessoas adquiram conhecimento e, principalmente, saibam como aplicá-lo
por Marina Kuzuyabu
Ronaldo Mota, reitor da Estácio: defesa da qualidade em escala
Uma grande parte do conhecimento produzido até os dias de hoje encontra-se totalmente disponível na internet, muitas vezes de forma gratuita em sites, livros digitais, cursos on-line e outros suportes. Em vez de ajudar, essa mudança atribuiu um grau de complexidade ao processo educacional, segundo Ronaldo Mota, reitor da Estácio. Antes de assumir o posto em uma das maiores organizações brasileiras de ensino superior, o executivo realizou pesquisas por mais de 30 anos em sua área de formação, a física, e ocupou cargos administrativos, como o de Secretário Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTi) e o de Secretário Nacional de Educação Superior e Ministro Interino do Ministério da Educação (MEC).
Como explica na entrevista a seguir, as instituições de ensino agora têm a missão de desenvolver outras competências nos educandos para que eles possam ir além da aquisição de conhecimentos. Por essa razão, Mota defende a necessidade de repensar as metodologias usadas em sala de aula e massificá-las, o que poderá ser feito com o apoio da tecnologia.
O senhor afirma que prioridade é repensar as metodologias de ensino se quisermos melhorar a qualidade da educação. Por que esse foco?
Durante muito tempo, a aprendizagem em si era a coisa mais importante na educação; tudo se resumia ao que tínhamos aprendido na escola. Agora, além do que aprendemos, também é importante saber se, ao longo do processo da aprendizagem, passamos a entender melhor quais são os mecanismos segundo os quais aprendemos. Isso é crucial e a razão disso é que, no mundo contemporâneo, a informação está totalmente disponível, muitas vezes gratuitamente acessível. A transferência de informação ocupava um lugar central e quase exclusivo no processo de ensino-aprendizagem, mas hoje essa mesma informação se transformou na matéria mais barata que existe. Portanto, a informação em si já não é mais o grande diferencial, mas sim o que fazer com ela para resolver problemas. Daí a necessidade de repensar as metodologias. Esse é o ponto mais difícil e sofisticado do processo. Educar ficou mais complexo, e não mais simples. Nesse contexto, a escola passa a ter uma missão dupla: ensinar e ensinar a aprender a aprender. Essas duas coisas se conjugam. Acoplado ao processo de ensino-aprendizagem, a escola tem de despertar outras características associadas a aspectos comportamentais e socioemocionais que são tão ou mais relevantes que o conhecimento no sentido estrito. Mas, reforço, não há um conflito com o conhecimento. Porém, se a instituição de ensino se dedicar exclusivamente à transmissão de conteúdo, ela estará cumprindo apenas uma parte da tarefa e, provavelmente, formará um cidadão ou profissional despreparado, ao menos parcialmente, para os desafios do mundo contemporâneo. Isso não vai ser resolvido do dia para a noite e também não se trata de uma coisa abstrata para ser colocada em prática no futuro. Isso já está acontecendo e só precisa ganhar escala.
E como isso poderá ser feito?
Com a ajuda das tecnologias digitais. O Brasil resolveu dois problemas e os dois problemas não resolvem o problema geral. Quais são os dois problemas resolvidos? O Brasil conquistou uma educação de alta qualidade, mas que hoje está acessível para poucos, e também conseguiu prestar atendimento em grande escala em todos os níveis educacionais, porém com qualidade sofrível. Nós somos bons em fazer essas duas coisas. Mas não somos bons em fazer uma educação de alta qualidade para muitos. Esse é um grande desafio, mas ele é passível de ser enfrentado. Aliás, já está sendo enfrentado. Cumprir ou não cumprir essa missão é algo diretamente associado à possibilidade de termos um país com um desenvolvimento econômico, cultural e social sustentável. Não estamos falando de pouca coisa. Nesse cenário, a tecnologia acena com a possibilidade de conjugarmos qualidade com escala. Todos nós aprendemos o tempo todo e nenhum de nós aprende como o outro. Cada um tem um aspecto muito específico em termos de ritmo, abordagem etc. Em total colaboração com os professores e com a participação dos próprios educandos, poderiam ser desenvolvidos portais educacionais que simultaneamente atendessem em grande escala de forma personalizada, identificando demandas e características peculiares de cada educando. Isso é dificílimo de fazer, é complexo, mas talvez seja a nossa grande tarefa.
Um portal como esse teria alguma semelhança com as plataformas da Khan Academy e da brasileira Geekie, que também propõem a personalização do ensino?
É isso e mais do que isso. Eles estão no caminho certo, mas é um caminho inexoravelmente incompleto por estar permanentemente em construção. No ensino tradicional, quando faço uma pergunta e você responde errado, isso é simplesmente um erro. Numa plataforma inteligente, uma eventual resposta errada é fonte incrível de conhecimento, pois uma resposta errada decorre de uma lacuna em um conceito que não foi bem aprendido. Uma resposta errada combinada com observações empíricas a respeito da atitude do estudante frente ao processo de aprendizagem, e com um conjunto de elementos fornecidos por cada um, pode resultar na criação de trajetórias totalmente individualizadas de ensino.
Para alguns educadores, a ênfase em ensinar o aluno a “aprender a aprender” implica uma renúncia ao ato de ensinar. Nessa lógica, um eventual fracasso por parte do aluno recairia sobre o próprio aluno. Qual sua opinião sobre isso?
Sócrates não escrevia e um dos motivos disso é que ele acreditava que, se escrevesse, seus discípulos se tornariam preguiçosos. Ele valorizava a memória como um dos maiores predicados e se negava a escrever para fortalecê-la. Mas tudo isso foi o período dele. Respeito muito os raciocínios no seu próprio período. Acho que esse tipo de raciocínio não se aplica ao mundo contemporâneo. O aprender a aprender é essencial na formação do futuro profissional. Os professores com essa percepção são bem-vindos ao debate, mas certamente eles contribuem pouco do ponto de vista do educando. O educando pode ser o grande prejudicado em uma possível abordagem que despreza o avanço na consciência dos mecanismos segundo os quais uma pessoa aprende. A discussão sobre de quem é a responsabilidade nesta altura é secundária. Não se trata de procurar culpados, mas soluções. Certamente alguém que ao longo do percurso educacional não tenha evoluído em nível dos estágios, da consciência acerca de como ela mesma aprende, é seguramente alguém que terá muita dificuldade no cenário de educação ao longo da vida.
Na perspectiva de respeitar o ritmo de cada aluno, é possível que as instituições de ensino superior tenham, no futuro, cursos de graduação sem tempo de duração determinada?
Teremos mais do que isso. O tempo de formação será infinito. Nós caminhamos para um processo em que a educação será permanente e ao longo de toda a vida. Hoje, a escola determina a priori que o curso terá quatro ou cinco anos de duração. As disciplinas também já estão prefixadas, a abordagem já está definida. Mas com as mudanças esperadas, é provável que a gente tenha uma estrutura flexível, em que as características pessoais do educando definam a trajetória de estudos. E como consequência, é provável que o processo formativo seja diferente de pessoa para pessoa. O educando poderá escolher, a cada semestre – e em função de suas necessidades naquele momento –, quantas disciplinas fará e em quais condições – presencialmente ou a distância. Hoje esse poder está nas mãos da escola e dos órgãos regulatórios. Esse cenário passa a ideia de que, ao fazer isso, não será possível prestar atendimento em grande escala. Isso é um engano. Você pode, com inteligência e competência, fazer os dois ao mesmo tempo. Fazer uma educação de massa, de grande quantidade, com muita qualidade, respeitando a individualidade de cada educando. Esse desafio é gigantesco, mas não há nada mais importante que isso.
Muitos alunos estão chegando ao ensino superior com dificuldades de leitura, escrita, resolução de problemas matemáticos. O debate sobre a importância da educação personalizada nesse nível está relacionado com esse problema?
O fato real é que talvez tenhamos um dos piores ensinos médios do mundo. Considerando isso, é fácil concluir que a maioria não está preparada para o ensino superior. É uma solução com alguma razoabilidade, mas que acho equivocada. Sendo equivocada, é preciso pensar em estratégias para incluir aqueles que têm um mínimo de talento e estão dispostos a fazer esforços. É obvio que temos pessoas chegando às portas do ensino superior com dificuldades básicas de letramento em língua portuguesa e sem o domínio das operações básicas da matemática.
Mas é possível dar condições às pessoas de enfrentar suas dificuldades de formação básica?
Partindo do pressuposto de que estamos continuamente aprendendo, sim. Não há segredo nenhum nisso, basta que você crie plataformas atraentes e eficientes. O terceiro aspecto indispensável nos dias atuais é a capacidade de lidar com plataformas digitais. Isso talvez seja até mais simples, mas como não pensamos no ensino superior só para os mais novos, tenho de pensar em um modelo que se aplique àqueles que terminaram o ensino médio há mais de dez anos. Provavelmente, eles não têm a mesma habilidade que os jovens, mas da mesma forma também podem aprender. Por fim, tem o apreço pelo conhecimento, pela ciência, pelo método científico. Isso tudo somado à capacidade que pode desenvolver de explorar a consciência acerca de si próprio, gerará um cidadão e um profissional capaz de se situar histórica e geograficamente. Uma pessoa que não sabe onde está, em que período da história está, dificilmente está habilitada a um curso superior. Mas se pudermos prover esses elementos básicos, teremos alguém que, fruto de seus esforços, e partir de um mínimo de talento, poderá ser um profissional com ensino superior em qualquer área.
E quanto aos professores? De que maneira eles estão contribuindo com essas discussões e acompanhando essas mudanças?
O professor, em geral, é alguém mais velho em relação aos alunos e que, por ser mais velho, apresenta uma disritmia em termos de facilidade e contato com tecnologias digitais. Mas não gosto de partir da suposição de que ele é um sujeito inabilitado a lidar com plataformas educacionais. Se houver uma boa educação dos educadores eles podem virar, no limite, especialistas no assunto. Desde que eles se sintam contemplados nessa transformação, eles também podem ser mais do que usuários e se transformarem em seres construtores, estimuladores das mudanças. O mesmo vale para as metodologias. Ele não é um ser passível que simplesmente adota uma nova tecnologia, faz um curso e vira um especialista. Não. Essas tecnologias e metodologias são mutantes, adaptadas permanentemente. O nosso cenário é um cenário de educação permanente e também de adaptação permanente. Quem sobreviverá nesse processo? Aqueles que aprenderem permanentemente e se adaptarem permanentemente.
Essa visão se reflete nos cursos de formação de professores oferecidos pela Estácio?
Esse processo formativo está em todas as profissões, inclusive na pedagogia. A pedagogia é essencial porque ela reproduz aquilo que a gente pensa e pratica. Mas esses ingredientes não podem ser exclusivos da formação de professores, embora estejam absolutamente incorporados no curso de pedagogia. Até porque estamos falando de disciplinas básicas. Essas disciplinas básicas têm de fazer parte de todo o processo formativo.