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Entrevistas

O mediador de conflitos

Professor e pesquisador, José María Avilés Martínez tem se notabilizado por seu projeto de mediação de conflitos, adotado em diversas escolas públicas espanholas. O segredo: a ajuda mútua entre os próprios alunos

Publicado em 06/03/2015

por Paulo de Camargo

Martínez: seu projeto de convivência é usado por 15 escolas espanholas

Há muitas frentes de ação e de pesquisa sobre con­vivência e resolução de conflitos na escola. Poucos, no entanto, consideram a participação dos alunos para o enfrentamento dessas questões. Essa é a proposta que vem notabilizando o trabalho desenvolvido pelo pesquisador José María Avilés Martínez, da Faculdade de Educação da Universidade de Valladolid, na Espanha.

Martínez, que também é professor no ensino médio, desenvolveu um projeto que está presente em pelo menos 15 escolas públicas espanholas. A característica central é o envolvimento de crianças e jovens no acolhimento, na ajuda, na mediação e na mentoria de situações de conflito escolar, incluindo o bullying, um dos seus temas de estudo.

Nesta entrevista concedida à Educação na cidade de Valladolid, Espanha, onde mora, Martínez explica como tem feito para envolver os alunos na construção de um clima escolar positivo e discorre sobre os desdobramentos do bullying em tempos de redes sociais.

Por que é importante envolver os alunos nos projetos de melhoria da convivência escolar?
Porque é preciso que o aluno compreenda a responsabilidade de cuidar de sua própria convivência, como protagonista de sua própria educação. Se ele vem à escola para educar-se, tem de assumir uma cota de responsabilidade. Como queremos que os jovens sejam autônomos, se estiverem sempre apenas olhando a cara do professor? Como rompemos a dependência do adulto? Como caminhamos para a moral autônoma, concedendo espaços para que ocupem, experimentem, equivoquem-se, acertem? O educador tem de intermediar para que avancem. O encantador da educação é que o aluno seja o sujeito do processo. O docente estará lá para que ele alcance o que busca. Colocamos a ponte para que ele cruze o rio.

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Como é a escola com uma boa qualidade de convívio e autonomia dos alunos?
Todos os sistemas de ajuda que propomos são processos que põem o aluno em condições de atuar com responsabilidade para que tome decisões e assuma as consequências. Assim, precisamos de muito menos cuidadores de pátio, menos polícia, menos interventores externos. Os professores têm de pôr menos ordem, há menos denúncias. Enfim, precisamos resolver bem menos problemas.

Embora seja um pesquisador, o senhor atua diretamente nas escolas de sua cidade, conciliando teoria e prática. É possível ver impacto no desempenho acadêmico dos alunos também?
Os colégios que desenvolvem essa proposta logo se dão conta de que todos se beneficiam, porque a convivência redunda em melhor gestão. Estamos avaliando – e nos surpreende, porque não havíamos previsto – como isso está influenciando no rendimento dos alunos. A hipótese é que, se os alunos se sentem melhor, estão em condições de gerir também seu próprio rendimento acadêmico. Nos lugares em que há bullying, o aluno se preocupa em não ser maltratado, não em aprender matemática. Essa pesquisa mostra que quando se reduz a vitimização, tudo melhora. O clima de aula incide sobre a aprendizagem. Um clima disruptivo, indisciplinado, gera níveis mais baixos de rendimento escolar. Quem já é capaz, quem tem sucesso no sistema, pode conseguir se dar bem de qualquer jeito. Mas quem sai da escola e encontra em casa desproteção, falta de acesso à cultura, não terá outra oportunidade. O fracasso estará servido.

Na Espanha, desde 2005, todas as escolas estão obrigadas a construir um Plano de Convivência. Como esse tema entrou na vida escolar espanhola?
A questão começou a tomar corpo quando, em 21 de setembro de 2004, um adolescente basco chamado Joaquín se lançou da muralha de sua cidade, pois não suportava a pressão dos colegas de classe, por sofrer bullying. Eu trabalhava sobre o tema do bullying desde 1996, mas foi em 2004 que explodiu o debate social. “O que estamos fazemos com nossos adolescentes? O que se passa na escola?”, todos se perguntavam.Comunidades autônomas mais conservadoras, como Madri, passaram a fazer normas muito restritivas e penalizantes. Outros, como eu, pensavam que era preciso buscar uma linha mais compreensiva, tentando a gestão positiva.

O que significa buscar uma gestão positiva?
As escolas começaram a trabalhar não só o bullyng, mas o clima, o bem-estar escolar, a ajuda aos envolvidos. O Plano de Convivência é uma ferramenta, mas sou crítico em relação a ele. A onda causada pela morte de Joaquín submergiu a todos, mas agora o mar acalmou. Os problemas de maus-tratos na escola permanecem realidade e as ferramentas continuam brilhando por sua ausência. As consciências não estão despertas. As escolas estão fazendo mais coisas, mas não basta trabalhar conflitos, porque nas sombras o bullying continua – porque ele cresce nas sombras.

Quando se fala em ferramentas, pode-se pensar em estratégias replicáveis. É disso que se trata?
Não, não falamos de receitas. A única receita é levar a equipe escolar a refletir sobre sua própria realidade para que possa então construir suas ferramentas com o que tem. Normalmente, o que ocorre é que a escola não só não reconhece a existência de conflitos, como rechaça que se debata sobre eles. Se há um problema, recorre-se a alguém. Se não está de acordo, se denuncia. Sempre se busca um terceiro, até mesmo um juizado ou a polícia, inclusive quando envolve professores e pais. Mas ninguém vai resolver de fora os problemas que temos aqui dentro.

E o que a escola pode fazer?
Começar. Se esperarmos que a realidade social mude para começarmos a mudar, então há pouco o que fazer. O que estou propondo é buscar soluções para todos os problemas que surgem. Estamos construindo mecanismos que às vezes têm a ver com as pessoas – como as redes de ajuda, nas quais os alunos também participam.

Quais são as funções desempenhadas pelos alunos?
Os alunos podem participar em diversos momentos. As equipes de ajuda são eleitas pelos companheiros e sua missão é escutar e ajudar. As equipes de mediação são formadas por jovens que se oferecem para servir como mediadores de conflitos. E também existem os cybermentores, alunos maiores que usam bem as redes sociais e ajudam os alunos mais novos a resolver problemas vividos no âmbito virtual. É preciso lembrar que os alunos que sofrem por bullying quase nunca procuram um professor ou um adulto. Se pedem ajuda a alguém, é para um amigo.

Como os alunos ajudam?
Eles encaminham soluções. Todos os alunos que participam desses grupos recebem formação específica e não tomam lado, fazem juízo ou denunciam. Eles se oferecem como apoiadores, inclusive para buscar a interferência de um adulto, sempre dentro de estrita confidencialidade. Além dis­so, os educadores fazem um trabalho anterior com os demais para identificar quais são os jovens que potencialmente são vistos com mais confiança. Assim, os próprios alunos vão indicando seus interlocutores.

Há outros instrumentos que não têm a ver com a participação dos alunos nessa estratégia de redução de conflitos?
Sem dúvida. Há ferramentas que dizem respeito ao ponto de vista da organização, como os protocolos de ação. Quando acontece um conflito, qual é o protocolo? O que devemos fazer de forma planejada? E um cyberataque? Quem avalia? Como recolhemos as denúncias? Teremos uma equipe ou uma só pessoa? Como e quando se comunicam os problemas às famílias? A elaboração de protocolos é interessante porque assim toda a comunidade sabe como proceder.

O bullying é uma questão mundial?
É um problema que existe em todos os lugares, embora não tenha a mesma incidência. Pode-se falar em índices de 9% a 11% nos países anglo-saxões e de 11% a 12% nos países do norte do Mediterrâneo. Na Espanha, há algo entre 6% e 7 %. Nos Estados Unidos, em torno de 20%.

O fenômeno do bullying vem sofrendo transformações?
Sim, especialmente com a evolução dos smartphones. A presença das mulheres aumentou porque elas também estão mais nas redes sociais. Outro dado interessante é que se antes os agressores eram pessoas com força no grupo, agora o computador oculta quem está atrás da tela, diluindo esse perfil. Hoje é mais difícil identificar e prevenir. As vítimas não estão mais protegidas pela passagem do dia, ou pelo fim do período escolar. Além disso, o agressor agora não vê in loco como a vítima reage. Se a possibilidade de empatia com o sofrimento já seria baixa, agora desaparece porque ele não vê a vítima chorar, não vê as consequên­cias. Há outros fatores, como a permanência do dano – uma imagem postada fica na rede indefinidamente – e a garantia de audiência. Na web, gente do mundo todo é potencialmente público.

 

Autor

Paulo de Camargo


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