Instituições de ensino superior filantrópicas se organizam para pedir mudanças na legislação e garantir maior estabilidade de atuação
por Udo Simons

Para além do ensino: como na Policlínica Metodista, que presta atendimento médico gratuito em diversas especialidades, a assistência social é intrínseca às instituições filantrópicas
O primeiro semestre de 2015 promete ser de movimentada negociação política para o setor do ensino superior ligado à filantropia no Brasil, em sua maioria, instituições confessionais. É que serão retomados os diálogos com o Executivo e o Legislativo a respeito da atual legislação federal que normatiza a área. A pauta está sendo organizada pelo Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif), criado em meados do ano passado para reivindicar os interesses das entidades nas esferas públicas.
“Passamos por um período de profundas incertezas constitucionais e regulamentações excessivas, não condizentes com a realidade educacional”, comenta Custódio Pereira, representante do Fonif. “O fórum é mais uma tentativa do setor de se fazer ouvir junto às autoridades competentes. A ideia é criarmos soluções conjuntas”, enfatiza Custódio.
Na prática, até junho próximo, está programado um calendário de reuniões, em Brasília, com deputados, senadores e representantes de Poder Executivo, especialmente do Ministério da Educação (MEC), para avaliar possíveis alterações na legislação vigente. Entre outras reivindicações, as entidades sugerem modificações na forma como é compensada a oferta de gratuidade aos alunos (bolsas); a modificação na exigência de criar vagas para cursos em turnos quando não houver candidatos interessados; a revisão do critério de renda exigido, principalmente, em relação à região onde a instituição localiza-se. “Como as diferenças regionais no Brasil são grandes, é injusto estipular as mesmas exigências para todo o país. É preciso considerar as necessidades locais”, atesta Custódio.
De forma resumida, a principal reivindicação dessas entidades versa sobre questões de incidência tributária. Pelas regras do governo federal, ao descumprir as determinações estipuladas pela lei, as entidades escolares podem perder o status de filantrópicas, deixando, portanto, de serem isentas do pagamento de determinados tributos. Ou seja, passariam a pagar mais impostos. “O setor não é contra regulações. O que ele pede é estabilidade nas ações do governo e respeito à Constituição Federal”, diz Thiago Ferreira Cabral, especialista em direito tributário na área filantrópica. “É sem precedentes a atual insegurança jurídica e normativa. É uma situação de total instabilidade”, complementa.
Formalmente, eles reclamam a respeito de dois pontos específicos da Constituição. A imunidade tributária prevista nos artigos 150 e 195, que dispõem sobre a vedação do poder público em instituir impostos sobre patrimônio, renda e serviços, bem como contribuições sociais às entidades de assistência social; e pela observância ao artigo 146, sobre a forma de como a imunidade deverá acontecer, que é por Lei Complementar (hoje o Código Tributário Nacional) e não por Leis Ordinárias, Decretos, Resoluções, Instruções Normativas, como acontece hoje em dia.
Relevância
De acordo com levantamento do setor, as instituições filantrópicas no ensino superior brasileiro empregam 122 mil pessoas. Investem, anualmente, R$ 1 bilhão; e oferecem educação para 1,13 milhão de alunos, matriculados em cursos presenciais e a distância, representando 16,1% do total de estudantes no ensino superior do país. Sem contar que, em sua maioria, são escolas centenárias, ligadas a grupos religiosos de diversas correntes entre católicas, protestantes, evangélicos, etc. “Esse contingente de alunos e profissionais será diretamente afetado caso o setor continue a enfrentar as incertezas do agora”, assegura Cabral. Em outras palavras, para ele, os governos não teriam como atender à demanda de estudantes, que disporiam de menos lugares para estudar, caso a oferta de cursos por instituições filantrópicas diminua ou até deixe de existir. “Como sociedade temos pouca visibilidade do trabalho filantrópico existente no Brasil. E, por desconhecimento, há certo estigma em relação ao que é feito”, reflete o especialista.
Por missão, organizações filantrópicas destinam-se ao desenvolvimento e autonomia do ser humano. Além disso, propõem-se a assegurar o exercício pleno da cidadania e, por princípio, atendem pessoas sem qualquer discriminação de raça, cor, sexo, condição social ou opção religiosa. No Brasil, esse setor é composto, prioritariamente, por entidades na área de saúde, educação e assistência social. Em termos de representatividade, além dos números mencionados acima para a área da educação, na saúde mais da metade das instituições são filantrópicas; esse índice chega a 70% nos locais de prestação de assistência social.