NOTÍCIA
Estudo aponta que o trabalho de equipes longevas proporciona resultados melhores para empresas. Instituições de ensino não ficam de fora dos benefícios da manutenção e valorização dos colaboradores
Pesquisa aponta que o trabalho de equipes longevas proporciona melhores resultados para as companhias. Instituições de ensino não ficam de fora dos benefícios da manutenção e valorização dos colaboradores
por Cristina Morgato
Em tempos de alta rotatividade de profissionais – estratégia adotada por muitos gestores no sentido de garantir novas ideias – complementada por frequentes cortes de custos nas corporações, está cada vez mais difícil encontrar equipes de trabalho longevas.
Nem a área da educação escapa da constante reformulação de equipes. Seja por questões competitivas, em meio a grandes grupos sendo formados, ou pela falta de uma área de recursos humanos bem estruturada para cuidar das pessoas, o turnover no ensino superior, especialmente entre professores, é uma realidade em grande parte das instituições.
Na contramão dessa realidade, uma pesquisa recente da revista Harvard Business Review apontou os benefícios ocultos de manter as equipes de colaboradores intactas por um longo período. Segundo a publicação, embora muitos gestores subestimem o poder da familiaridade no ambiente de trabalho, é possível utilizá-la para impulsionar o desempenho da companhia; basta saber como valer-se do entrosamento dos colaboradores.
Em uma empresa de serviços de software analisada pela pesquisa, foi possível observar que um aumento de 50% na familiaridade da equipe foi seguido por uma queda de 19% nas falhas e uma diminuição de 30% nos desvios de orçamento. Em equipes de auditoria e consultoria, a alta familiaridade da equipe rendeu uma melhora de 10% no desempenho, segundo avaliação dos clientes. Isso sem citar outras áreas da economia, como medicina e aviação, que também são muito beneficiadas por equipes de longa data trabalhando juntas.
Há quem defenda que pessoas que trabalham juntas por muito tempo se tornam obsoletas e com baixo desempenho, mas, na maioria das vezes, as que colaboraram entre si anteriormente irão trabalhar melhor em conjunto do que pessoas que nunca o fizeram. Os pesquisadores da Harvard atribuem os benefícios da familiaridade a fatores como melhor coordenação de atividades, já que as equipes analisadas pela pesquisa que trabalham junto há algum tempo superaram problemas de comunicação e conseguem concluir trabalhos com mais facilidade (veja quadro na página 31).
Outro benefício verificado pelo estudo é a obtenção de melhores respostas às novas demandas, ou seja, um grupo que está familiarizado sabe se adaptar às mudanças com mais facilidade. Mesmo a disposição para inovar é facilitada em equipes entrosadas há tempo, pois ações inovadoras normalmente vêm de novas combinações de conhecimento já existente, muito mais facilmente que em novos círculos.
Peculiaridades na educação
Nas empresas de educação, quando se fala em corpo docente, trata-se de um público muito específico, cujo vínculo com a instituição pode variar de um trabalho em período integral (com mais de 40 horas semanais dedicadas às aulas ou atividades extraclasse) a um contrato de apenas de três horas por semana, cumprindo a carga horária de uma disciplina e poucas turmas.
Por outro lado, embora existam os objetivos da equipe docente e da faculdade, é preciso respeitar a individualidade do professor, que é um profissional peculiar por lidar com o conhecimento e diretamente com o principal cliente da faculdade, o aluno. Esses são apenas alguns fatores que tornam mais difíceis as tarefas de motivar e reter os talentos. Mas não deixa de ser necessário fazê-lo, para não dizer essencial.
Para Luiz Edmundo Rosa, diretor de Educação da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Nacional), a pesquisa da Harvard Business Review reforça o que tantas outras vêm mostrando: ter uma rotatividade baixa e manter as equipes engajadas contribuem para melhores resultados nos negócios. É o que também nos mostram os estudos do Great Place to Work (GPTW), relatório que aponta anualmente quais são as melhores empresas para trabalhar no mundo todo. Segundo Rosa, a relação entre o bom desempenho e a satisfação dos colaboradores é um círculo virtuoso, pois ao se destacarem uma vez as empresas buscam sempre melhorar nos quesitos relacionados à gestão de pessoas.
Mas não basta apenas manter os empregos para conseguir resultados. “Qual o conjunto das ofertas de valor que a empresa oferece para um colaborador? Um bom ambiente de trabalho, uma empresa ética e comprometida com a confiança e o respeito de valores humanos, que treina bem os seus líderes e mantém a sua equipe são alguns desses valores”, descreve o diretor. Para ele, garantir o emprego é o mínimo. É preciso promover o desenvolvimento, reconhecendo e recompensando as pessoas, para que haja uma melhoria em seus resultados. “É isso que faz o resultado de uma instituição ser melhor do que o de outra”, completa.
Na visão do diretor da ABRH, no ensino superior muitas escolas se despreocuparam com os conceitos básicos da administração moderna de equipe. É preciso cuidar dos negócios, sem deixar de lado o senso de propósito. “A escola foi feita para educar, o lucro é a consequência de uma boa educação e não o objetivo. Quando se faz um pacto com os professores e oferece a eles as condições para crescer e se desenvolver, eles não só continuam no emprego como acumulam cultura, e isso significa que essa instituição vai se constituindo de pessoas muito capacitadas, que podem oferecer aos alunos o que há de melhor em termos de conhecimento”, ressalta Rosa.
Entre as prioridades para cuidar bem da equipe está a consciência dos acionistas e da alta administração sobre o assunto, para que o corpo docente e outros profissionais sejam envolvidos nos resultados. Esse é o único caminho que permite, de fato, uma verdadeira sustentabilidade do negócio para alcançar patamares e resultados superiores. “Nas melhores instituições para trabalhar, as pessoas são mais livres para assumir papéis mais bem definidos, a comunicação é transparente, as regras do jogo são claras, as pessoas sabem o que se espera delas, os sistemas de reconhecimento são justos, as possibilidades de desenvolvimento existem e todos podem crescer trocando experiência de trabalho com pessoas novas”, define o diretor. E tudo isso depende diretamente da consciência da administração.
Foco na capacitação
Algumas instituições de ensino superior, no entanto, já perceberam o valor de ações de retenção de colaboradores em prol de um melhor resultado. No Centro Universitário Ítalo Brasileiro (UniÍtalo), existe um trabalho de reconhecimento dos aspectos individuais no sentido de oferecer incentivos que não estão apenas vinculados à remuneração.
De acordo com Luiz Carlos Pereira de Souza, pró-reitor da instituição, a remuneração dos professores está acima da média de mercado, e são feitas pesquisas constantes para manter essa realidade, mas não para por aí. “Estimulamos os professores para que eles estejam motivados, possibilitamos diferentes modelos de aula, como aulas duplas e pedagogia invertida, a exemplo de grandes universidades do mundo que antecipam o cardápio da aula para que os alunos sejam os protagonistas, além de permitir o uso de tecnologia dentro da sala de aula”, conta.
O pró-reitor explica que também é preciso ter foco na capacitação dos professores. “Nós capacitamos mais de 100 professores em um curso de pós-graduação de novas tecnologias durante quase dois anos. Contratamos uma instituição, fizemos um investimento de R$ 1,2 milhão ao longo do tempo para que nossos professores pudessem tirar certificados de pós-graduação. Há o risco de que ele pegue esse diploma e vá para outra instituição? Claro. Mas, para evitar que isso aconteça, entramos com os incentivos e remuneração atrativa, de modo que ele sinta que vai crescer aqui dentro e não veja a necessidade de sair da instituição”, afirma Souza.
O centro universitário também oferece aos professores a oportunidade de realizar uma segunda licenciatura, sem custos, na própria instituição. O pró-reitor conta que é da área de negócios e fez pedagogia na UniÍtalo. “Isso tem nos ajudado a diminuir o turnover”, diz. A faculdade comemora o fato de ter uma rotatividade mínima. Neste último ano, apenas oito professores saíram ou foram dispensados pela própria instituição.
Já no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo é tradição manter os colaboradores vinculados à instituição por longos períodos. Alguns dos professores estão há 30 ou 40 anos na instituição. Segundo Turguenev Roberto de Oliveira, pró-reitor institucional, isso ajuda muito no dia a dia, principalmente no aspecto do conhecimento que esses professores adquirem sobre a instituição. “Temos dois casos de corpo docente que está junto há muito tempo: um no curso de arquitetura, onde temos um grupo grande em que os mais novos têm de 20 a 25 anos de casa; e outro nos cursos de design, onde também temos uma grande quantidade de professores que estão conosco há bastante tempo”, conta o pró-reitor.
Para Oliveira, esse conhecimento gera tolerância e estimula a afetividade, e as atividades realizadas com determinado grau de afetividade geram resultados muito positivos. “O que é feito com alegria e carinho e se reflete na qualidade de ensino e das relações gera respeito entre companheiros de trabalho. O fato de termos um grupo de professores que se relacionam e se conhecem muito bem facilita muito o aprendizado e a segurança de transmitir o conhecimento para os alunos, ou mesmo entre os professores.
Essa segurança também nos ajuda a levar adiante mudanças e transformações na instituição, e a agregar professores mais jovens”, explica. O corpo docente que tem essa estabilidade, afirma, recebe novos companheiros com um ambiente fraterno de colaboração e de cooperação, e não de competição.
Para o pró-reitor do Belas Artes, quando a instituição consegue criar mecanismos para que o professor possa se realizar profissionalmente e como ser humano dentro da instituição, o benefício é de todos, principalmente da instituição. “Isso porque as ações desses professores vão falar junto aos alunos com o amor e a confiança que eles têm pela universidade. A diferença de performance é notável”, reforça.
Setor especializado
Na opinião de Oliveira, muito mais importantes que benefícios e remuneração variável são a convivência e o vínculo afetivo pessoal e profissional do corpo docente. É nesse ponto que o papel da área de recursos humanos é fundamental. “O RH é um local no qual nossos funcionários podem se apoiar nos momentos complicados e difíceis. Se o RH tem políticas de apoio ao funcionário, ele contribui bastante para proporcionar essa segurança no professor”, diz.
Entre os outros papéis dos gestores de pessoa estão a capacitação, os benefícios e a remuneração, a valorização da pesquisa, a promoção de treinamentos, e muito mais. “O RH também pode contribuir para que os professores participem de eventos e palestras no Brasil e exterior, isso contribui muito para a formação de bons profissionais. E, ainda, é preciso que o plano de carreira da instituição seja de conhecimento dos professores”, completa.
Desafios da excelência
Se a retenção dos colaboradores é um desafio decisivo para os resultados de uma instituição de ensino superior, ela não está sozinha. Outras questões também precisam ser colocadas em pauta. Para Souza, do UniÍtalo, o custeio é muito pesado na área da educação. “Hoje você é obrigado a colocar uma mensalidade num patamar baixo para ter competitividade e, ao mesmo tempo, precisa bancar compromissos elevadíssimos, até mesmo para manter a oferta de cursos nas condições do catálogo do Ministério da Educação”, lamenta.
Oliveira, do Belas Artes, inclui, ainda, a necessidade de passar para os alunos a capacidade de serem ativos ao escolherem a informação que irão consumir. “Temos muita informação disponível no mundo, selecionar para que essas informações gerem conhecimento é o desafio das instituições de ensino”, explica.
Segundo ele, a faculdade está adotando outros modelos, como pedagogia ativa, para incentivar os alunos a serem os ativos na busca pelo conhecimento. Para isso, a instituição tem de estar muito calçada em seus valores para poder orientar os alunos. E equipes de docentes com muito tempo de casa ajudam nesse processo, porque, além de bem integrados, sabem doar mais de si e de seu conhecimento, pois estão seguros com a instituição e com seus companheiros de trabalho.
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Cinco fatores que atestam o benefício da familiaridade entre equipes
Segundo a pesquisa realizada pela equipe da Harvard Business Review, pessoas que trabalham juntas há mais tempo produzem melhor. Os benefícios da familiaridade são atribuídos a cinco fatores:
1. Melhor coordenação de atividades: a comunicação entre colaboradores que trabalham juntos por longo período é melhor, facilitando a conclusão de trabalhos.
Mstrong> 2. Facilidade na identificação do conhecimento: os gestores acabam conhecendo os pontos fortes da equipe, o que também acelera a resolução de problemas.
3. Melhor resposta às novas demandas: um grupo que está familiarizado sabe se adaptar às mudanças com mais facilidade.
4. Facilidade em inovar: ações inovadoras normalmente vêm de novas combinações de conhecimento já existente, muito mais facilmente que em novos círculos.
5. Manutenção de talentos: como o conhecimento é coletivo, ou seja, depende de todos os integrantes do time, dificulta a atração de colaboradores pelos concorrentes.
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Pontos de atenção
Como fazer com que a familiaridade da equipe traga resultados para a instituição de ensino:
• Contratação dos docentes: é preciso observar a atitude do professor. Será que ele tem efetivo comprometimento na área de educação? Será que ele acredita na educação ou esse trabalho não passa de um “bico” para ele?
• Boa remuneração: assim como tantas importantes profissões, a docência deve ser valorizada pelo que representa. O mercado está precisando de profissionais que estejam comprometidos com a educação, por se tratar de uma área que mexe com o presente e o futuro do país.
• Motivação: além de pensar na equipe, é necessário considerar a individualidade de cada profissional, sem deixar de lado sua vaidade.
• Compromisso: independentemente de quantas horas o professor dedica à instituição, é preciso que viva seu papel em sala de aula com dignidade e compromisso, pois ele é um modelo e uma referência para os alunos.
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