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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 30/01/2013

Você sabe fazer raiz quadrada?

Pergunta para pensar sobre o mito de que a escola "de antigamente" ensinava melhor

José Pacheco_coluna Foto: ©Antonio Larghi

Vou tirar o meu filho desta escola. Vou levá-lo para uma escola normal. Aqui, ele é feliz, mas será que aprende? E irá passar no vestibular?

Não me surpreende a preocupação e o desabafo da mãe do Thiago. Mas confesso a minha irritação face à argumentação com a qual uma professora da escola “normal” persuadiu a ansiosa mãe a trocar de escola: Aqui, o seu Thiago vai aprender todo o conteúdo que precisa. Nós trabalhamos à moda antiga, como a senhora gosta. A senhora não acha que antigamente é que se aprendia? A pérfida mestra fez-me evocar um delicioso texto, publicado pela PUC de Campinas, e que a contradiz: “A escola de antigamente nunca foi de boa qualidade”.

Por coincidência, ou talvez não, no decurso de uma palestra, um professáurio proferiu frase idêntica à da mestra da escola “normal”: Isso que você diz é muito bonito, mas antigamente é que se aprendia. Na terceira série, eu já sabia mais con­teúdo do que a minha filha, que já está no nono ano.

Deselegante, porque a paciência tem limites, respondi-lhe com uma pergunta:

O colega fez o Fundamental completo?

A resposta foi uma risada coletiva. Insisti, perguntando ao mais de um milhar de professores ali presentes se tinham aprendido todos os conteúdos do Fundamental.

Claro! É evidente! – responderam em coro.

Completei o questionamento:

Sabeis fazer raíz quadrada?

Um perturbador silêncio se seguiu à inusitada pergunta. Alguns poucos professores ergueram o braço. Possivelmente, professores de Matemática.

Com uma ponta de sadismo (confesso) insisti: Então, aprenderam, ou não aprenderam esse con­teúdo e outros conteúdos?

Fica evidente que não apren­deram. Praticaram decoreba, vomitaram a raíz quadrada numa prova e. esqueceram-na. Aliás, esqueceram a maior parte dos conteúdos supostamente aprendidos. É o que nos dizem as pesquisas. Alheias aos trágicos efeitos das suas práticas, as escolas “normais” vão entupindo a memória dos alunos com informações, que eles não relacionam com o mundo real. Vão preparando projetos para os alunos, quando deveriam construir projetos com os alunos. Despendem significativa parte do seu tempo a fazer planejamentos de aulas, sedimentando processos de heteronomia, quando deveriam ensinar os alunos a planejar, a saber gerir tempos, recursos, a desenvolver senso crítico e autonomia inteletual. Os professores das escolas “normais” ainda creem que, dando aula, ensinam. Promovem acumulação cognitiva, quando deveriam efetuar mediação pedagógica, cocriar guiões de pesquisa, provocar aprendizagens, sem confundir prova com avaliação, ou confundir avaliação com classificação. Também ajudaria que lessem o Bruner e outros autores, que os ajudariam a perceber o que seja  aprendizagem significativa. Quantos “bons alunos”, aprovados no vestibular de há dez anos atrás, saberão calcular uma. raiz quadrada?

* José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

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