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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 10/08/2012

A mosca de Aristóteles

A escola não se adaptou aos novos tempos. Hoje, é matriz oculta do insucesso escolar e social

Entre o aparecimento da lousa de ardósia e o da lousa digital distam séculos. Nesse longo hiato, a escola pouco, ou nada mudou. Apenas terá mudado o tipo de material utilizado na fabricação da lousa.

Num tempo em que importa mais que seja o aluno a esforçar-se para descobrir realidades, do que uma “realidade” ser comunicada por um professor, quantos desses jovens se comunicarão com os professores através da internet?

Num tempo em que a prática da escrita da letra cursiva vai sendo abandonada, muitos docentes obrigam os seus alunos a um gasto significativo do tempo escolar no exercitar da letra cursiva, para que – segundo afirmam – os seus alunos tenham “uma caligrafia perfeita”. Talvez se inspirem em Steve Job, que, quando passou pela universidade, apenas quis aprender. caligrafia.

Jardins de infância precocemente escolarizam a infância, instituindo rotinas, nas quais todas as crianças devem começar a dormir ao mesmo tempo, ainda que não tenham sono (e, frequentemente, embaladas por “créus”, “sertanojos” e trilhas sonoras de novelas.).

À revelia das descobertas da cronobiologia, as escolas mantêm rituais de horário fixo, como a hora de entrar e de sair, ou os 50 minutos de uma aula, que quase ninguém sabe explicar por que são 50. E, entre dois toques de sirene, se anuncia que todos poderão ir ao recreio, ao mesmo tempo. Venho suspeitando de que existe alguma analogia entre o banho de sol dos presidiários e o recreio dos alunos. Ao mesmo tempo, todos deverão estar olhando a nuca do colega da frente. Ao mesmo tempo, todos devem merendar, todos devem fazer xixi no mesmo período de tempo.

Alguém já se perguntou se terá sido sempre assim? Desde o século XVIII, não existe sequer uma teoria que sustente o modelo de escola, que, no nosso tempo, ainda é hegemônico. A escola herdeira do Iluminismo, a escola da afirmação da Modernidade já não existe – ela vegeta, agoniza. E arrasta na sua agonia milhões de jovens condenados à ignorância e à exclusão. A par da família, a escola não se adaptou aos novos tempos. Hoje, é matriz oculta do insucesso escolar e social.

Permita que cite dois mestres. João Guimarães Rosa, que disse que mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende. E Claude Levi-Strauss, aquele que não gostou da baía da Guanabara, mas que acertou, quando escreveu que sábio não é aquele que fornece as verdadeiras respostas, é aquele que faz as verdadeiras perguntas.

O sistema mais antigo de classificação de seres vivos que se conhece deve-se ao filósofo grego Aristóteles, que classificou e descreveu todos os organismos vivos então conhecidos. Conta-se que Aristóteles deixou registrado ter a mosca doméstica oito patas. Ao longo de muitos séculos, os copistas reproduziram a aristotélica asserção, até que alguém se atreveu a desafiar a autoridade científica de Aristóteles e verificou que a mosca tem seis patas.

Quando chegará o tempo em que os protagonistas do absurdo modelo de escola que ainda temos se decidirão a contar as patas de uma mosca?

* José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

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