Vice-ministro da Educação de Moçambique, Augusto Jone Luis, comenta os esforços do país na reconstrução de seu sistema educacional e aponta os próximos desafios do governo
Publicado em 28/05/2012
Um dos 20 países mais pobres do mundo, Moçambique completa neste ano duas décadas de paz. Após dez anos de Guerra de Independência contra Portugal e mais 16 de guerra civil, o país, que encontra-se ainda em fase de reconstrução, conseguiu nos últimos anos expandir significativamente seu sistema educacional. Ainda assim, Moçambique encontra problemas como a insuficiência de professores e a falta de formação de boa parte deles, a incapacidade de abrigar o grande número de estudantes e a ausência de uma política de educação infantil. Em entrevista concedida ao repórter Estevan Muniz, o vice-ministro da Educação de Moçambique, Augusto Jone Luis, mestre em pedagogia pela Universidade Federal de Santa Catarina, comenta o atual cenário da educação e aponta os próximos desafios do governo moçambicano.
Como foi possível expandir o sistema educacional de forma tão expressiva, depois de 26 anos de guerra?
Os 500 anos de dominação colonial deixaram um legado negativo para Moçambique. Até 1975, a taxa de analfabetismo no país era de 93%. Depois da conquista da independência, em junho do mesmo ano, um novo modelo de organização da educação começou a ser pensado. A primeira medida do governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) foi criar centros de formação docente. Dois terços dos professores tinham apenas a quarta série do ensino fundamental completa e eram formados anualmente somente de 50 a 60 professores. Precisávamos aumentar esse número. Passamos a formar três mil docentes por ano, além de fazer capacitações aceleradas de professores em exercício. Esse modelo permitiu criar alicerces para um sistema nacional de educação em 1983, pois durante o período colonial não existia um sistema harmônico e articulado. Passamos a ter subsistema de educação geral e técnico-profissional, de formação de professores, de alfabetização e educação de jovens e adultos e de ensino superior. Neste período, começamos a utilizar material didático com conteúdo moçambicano. Hoje, a educação é preocupação primária. Com um grande esforço conseguimos diminuir o índice de analfabetismo para 48%.
Apesar do crescimento do número de professores, a quantidade ainda não é suficiente para atender a todos os alunos. De acordo com a UNICEF, a relação professor/aluno chega a ser um para cada 75. Por que ainda existe essa deficiência?
Hoje, forma-se cerca de 12 mil professores por ano. Precisamos de 10 mil, mas só recrutamos 8,5 mil docentes por causa de privações financeiras. Os dois movimentos têm que ser separados: uma coisa é formar, outra é a capacidade de contratar. A nossa necessidade é de 10 mil, formam-se 12 mil, mas contrata-se menos por conta da capacidade financeira do país. É por isso que muitos professores fazem dois turnos e horas extras. Há restrições orçamentais. Quando essa realidade mudar, teremos professores suficientes, mas isso é o que o Estado pode fazer hoje.
Existem ainda grandes problemas de infraestrutura, como a insuficiência de salas de aula. Qual a estratégia do ministério para abrigar os 800 mil alunos que estudam ao ar livre?
É importante entender que até a altura da independência tínhamos 500 mil alunos. Hoje, estamos a caminho de seis milhões, só no ensino primário. Falamos de 12 mil escolas para o ensino primário. A tendência jornalística é falar dos alunos que estão fora do sistema e não falar dos que estão dentro. O que são 800 mil diante de seis milhões? Hoje, são abertas mais escolas do que ontem. Temos mais pais procurando matricular seus filhos. O Estado abriu a escola para todos os estudantes: ela não é um espaço de segregação. No passado, se o aluno não tinha sapato, não entrava nas escolas da cidade; se não era filho de rico, também era excluído. Havia escolas segmentadas, mas hoje a população entende que a escola é para todos. Ela passou a ter sentido e valor diferentes do passado. A situação, todavia, é que nem sempre se constrói com toda capacidade.
Como se deu essa mudança de mentalidade em relação à educação?
Isso não pode ser analisado por uma perspectiva linear. Com a chamada democratização da educação, as pessoas entenderam que a liberdade do cidadão estava atrelada à liberdade de ir à escola. Os pais passaram a fazer exigências às escolas. Eles pensam “se eu sou analfabeto, não quero que meu filho também seja”. Apesar da mudança, ainda nos deparamos com situações difíceis, como ir de aldeia em aldeia matriculando as crianças, porque os pais preferem mandá-los para cuidar do gado. Nós conseguimos garantir o direito de todos os pais poderem matricular seus filhos, abolindo as taxas de matrícula e entregando livros gratuitamente. Mesmo assim, ainda não atingimos as metas de matrícula na primeira série.
Até esse momento, não há uma política para a educação infantil. As instituições pré-escolares não estão subordinadas ao Ministério da Educação. O Ministério não julga essa etapa do ensino relevante?
Quando implantamos o Sistema Nacional de Educação, atendendo às condições objetivas do país, o ensino pré-primário foi colocado como facultativo. Não era condição para entrar na primeira série ter o ensino pré-primário, porque o Estado não tinha condições de expandir essa etapa de ensino para todo o país. Não é que a educação infantil não fosse importante, mas não tínhamos preparo para colocá-la como obrigatória. O Estado buscou, então, parcerias com instituições privadas e o ensino pré-primário acabou se desenvolvendo majoritariamente em meios urbanos. Pela natureza de sua atividade, com um cunho muito assistencialista, ele passou a ser controlado pelo Ministério de Ação Social e da Mulher. Isso funcionou até agora; temos creches, jardins de infância, escolhinhas e centros infantis funcionando nas grandes cidades. O Ministério da Educação percebeu que a educação infantil é muito importante para o desenvolvimento da criança – os alunos que passam por ela têm melhor desempenho no ensino primário. É por isso que, neste mandato, o Ministério da Educação está responsável por reintroduzir a pré-escola no país e sistematizar todas as ações dessa etapa escolar. Foi criada uma equipe responsável por elaborar uma estratégia do desenvolvimento integrado da criança pré-escolar, que vai ao Conselho de Ministro para ser aprovado no primeiro semestre desse ano. Esse programa pretende mostrar que a pré-escola deve ser vista numa perspectiva holística. Temos que entender a criança em sua totalidade, sua saúde, alimentação e segurança. Trabalharemos com o Ministério da Agricultura, da Ação Social e da Mulher e da Saúde. Com a educação infantil pretendemos combater a evasão escolar, um dos maiores problemas do ensino, pois ficou comprovado que as crianças que foram à pré-escola raramente desistem.
Quais são os desafios e as perspectivas para os próximos vinte antes e as perspectivas para a educação básica?
Fazer com que todas as crianças entrem e permaneçam na escola. E fazer com que elas saiam com as habilidades de leitura, escrita e cálculo. Além de construir mais escolas, melhorando as condições mobiliárias dentro delas. E o maior desafio: melhorar a qualidade do ensino, que é um fenômeno mundial, não só nosso.
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