Indiano Sugata Mitra relata um de seus experimentos educacionais no início do EducaParty; para o pesquisador, tecnologia legou um novo papel aos docentes
Sugata Mitra: “o professor que pode ser substituído deve ser substituído” |
Reconhecido como um dos maiores pesquisadores na área de tecnologia educacional, o professor e pesquisador Sugata Mitra, da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, abriu oficialmente, nesta terça-feira (7), o EducaParty, evento realizado durante a Campus Party Brasil, em São Paulo, com o objetivo de levantar questões sobre o uso de tecnologias digitais na educação e discutir as inovações na área.
Mitra é conhecido internacionalmente por seu experimento “Hole in the Wall” (buraco na parede), por meio do qual pretende provar que as crianças são capazes de aprender sozinhas. Para isso, em 1999, ele deixou à disposição dos moradores de uma comunidade pobre de Nova Déli, na Índia, um computador com acesso à internet, mouse, teclado e o mecanismo de busca na web mais popular na época. A intenção era testar a reação da população local diante da máquina. Naquele momento, ele conjeturou: “é possível que esse equipamento seja roubado, mas os caixas eletrônicos continuam lá, dia após dia”. Foi então que surgiu a ideia de encaixar a tela dentro de um buraco no muro, “por isso o nome “Hole in the Wall”, explicou ao público.
Ele contou que, apesar da desconfiança da maioria das pessoas, a experiência mostrou, em poucos meses, que as crianças que nunca tinham sequer visto um computador anteriormente e não sabiam falar inglês – idioma no qual a máquina era programada -conseguiram aprender intuitivamente como usá-lo, além de terem decifrado as palavras escritas em um idioma que elas não conheciam. “Crianças que não sabiam inglês estavam surfando na web e ensinando umas às outras”, acrescentou. Por meio de uma webcam instalada na máquina, o pesquisador observou que as crianças se ajudavam, explicando o que haviam aprendido para quem ainda não sabia.
Com a ajuda do Banco Mundial, o projeto se expandiu por toda a Índia e por cidades da África do Sul, comprovando que grupos de crianças podem aprender a usar computadores por si próprios, independentemente da condição socioeconômica na qual estejam inseridos. “Em nove meses, as crianças chegavam ao nível de secretárias que trabalham com computador diariamente”, disse.
Na cidade indiana de Hyderabad, Mitra fez outra constatação: grupos de crianças podem atingir objetivos educacionais por conta própria. Para conseguir um bom emprego, principalmente nos populares call centers, setor de grande demanda na Índia, as crianças precisavam falar inglês, mas as escolas de idiomas não conseguiam ensinar aos alunos uma boa pronúncia. O pesquisador, então, instalou um computador com um software que capturava os sons falados pelas crianças e os transformavam em texto. Resultado: a máquina mostrava palavras erradas, que ninguém entendia. Diante disso,
Mitra estipulou um limite de dois meses para que as crianças conseguissem fazer com que o programa capturasse de forma correta os vocábulos em inglês que elas falavam. Quando retornou ao local, elas não só tinham resolvido o problema da pronúncia, como desenvolveram um método de estudo: “a solução encontrada por elas foi baixar a versão online do Dicionário Oxford, que emitia a pronúncia correta das palavras, e então praticaram umas com as outras até que o computador conseguiu compreendê-las”, relatou o professor.
A pesquisa de Mitra continuou com objetivos ambiciosos. O professor fez um teste com pré-adolescentes para descobrir se eles entenderiam um texto que explicava a biotecnologia da reprodução do DNA. Na primeira tentativa, naturalmente todos falharam. Dois meses depois, o resultado se repetiu. No entanto, o interesse das crianças persistiu. Mais alguns meses se passaram e o nível de acerto em um novo teste foi de 30%, “mas eu queria que elas atingissem pelo menos 50%, o mesmo nível obtido por crianças de escolas particulares de Nova Déli”, disse.
A solução para alcançar seu objetivo foi chamar uma jovem de 23 anos, amiga das crianças e que também não tinha grandes conhecimentos de biologia. A garota foi orientada a estimular as crianças mesmo que elas não alcançassem um resultado satisfatório, dizendo frases como “Fantástico!” ou “Na minha idade eu não conseguiria fazer isso!”. “No último teste, as crianças acertaram 50%”, revelou Mitra.
Atualmente, o pesquisador indiano viaja o mundo, expandindo seu experimento para vários países, inclusive o Brasil. Nessas visitas, ele instiga as crianças com o que ele chama de “grandes questões”. Como um iPad sabe onde ele está? De onde vem a linguagem? As árvores pensam? Essas são algumas das indagações que Mitra garante que as crianças respondem por conta própria, sem a ajuda de um professor. Em São Paulo, o pesquisador visitou a Casa do Zezinho. Lá perguntou às crianças por que as pessoas sonham? Em apenas um dia de pesquisa, Mitra se surpreendeu. Além de as crianças revelarem as teorias de Freud, elas descobriram novas teorias que divergem das conclusões dele.
Esse seria, então, o fim da figura do docente? O computador pode substituir o professor? Essas foram as perguntas do público presente na palestra realizada no palco principal do evento. “O professor que pode ser substituído por uma máquina deve ser substituído”, respondeu Sugata Mitra, arrancando aplausos. O que o pesquisador sugeriu em seguida é que uma nova função para o docente deve ser discutida: “O computador não substituiu o professor, mas o papel docente mudou: ele deve levantar grandes questões e não apenas conduzir a respostas. As perguntas não estão em todos os lugares, o Google, por exemplo, não pode fazê-las. Um novo papel tem que ser ensinado aos professores: o de fazer grandes questionamentos”, encerrou.